No Brasil nada é definitivo. Muito menos a história. Desde criança leio e ouço falar que o surgimento do futebol em nosso país é atribuído a Charles Miller, um paulista filho de pais abastados que fora estudar na Inglaterra e lá conheceu o chamado “esporte bretão”.
Mas como a polêmica é marca registrada nacional, não faltou quem colocasse em dúvida o pioneirismo de Miller. Levantamentos históricos feitos por estudiosos do assunto garantem que os primeiros chutes dados em terras tupiniquins foram em “peladas” disputadas nas praias do Rio de Janeiro e de Santos, por marujos e funcionários de firmas inglesas. Isso, lá por volta de 1864. E em 1878, ocorreu uma famosa partida, disputada no Rio de Janeiro, em frente à residência da princesa Isabel, entre as ruas do Roso e do Paissandu. É certo que marinheiros mercantes e de guerra ingleses sempre batiam bola quando desembarcavam no Brasil.
Já o historiador José Moraes dos Santos Neto, formado pela Universidade de Campinas (Unicamp) escreveu o livro “Visão do Jogo - Primórdios do futebol no Brasil”, onde apresenta evidências de que o futebol teria chegado ao Brasil, através o Colégio São Luiz, de Itu (SP). As conclusões do escritor são fundamentadas em documentos obtidos nos acervos do Colégio São Luís, Mosteiro de Itaici e Arquivo do Estado de São Paulo e em entrevistas com descendentes diretos dos possíveis pioneiros do esporte no Brasil.
Para se entender como isso aconteceu é preciso voltar ao ano de 1858, quando o futebol começou a se propagar pela Europa e chegou a Itália. Lá, foi muito bem aceito pelos padres jesuítas do Colégio Pio-Americano, de Roma, que viram no novo esporte possibilidades de atender aos princípios pedagógicos na formação de jovens.
As conclusões do escritor campineiro encontram eco no livro “A Companhia de Jesus: sua pedagogia e seus resultados”, escrito pelo padre J. Madureira, que relata a atividade dos religiosos no Brasil. E conta que em 1880, coincidência ou não, chegaram ao Brasil dois padres ingleses, os irmãos Robert e William Godding. E teriam sido eles os introdutores do novo esporte, como recreio escolar no Colégio São Luiz, aos moldes do Colégio Pio-Americano, de Roma. Era o “bate-bolão”, sem traves, times, ou campo definido.
O possível pioneirismo do Colégio São Luis chamou a atenção de outros estabelecimentos religiosos de ensino, entre eles o Instituto Granbery, de Juiz de Fora (MG), que em 1893 também aderiu ao futebol como atividade recreativa.
Fala-se, também, que em 1875, ingleses, empregados de empresas de navegação, bancos e outros, já praticavam nas praias do Rio de Janeiro, de maneira informal, o “foot-ball association” como forma de passar o tempo, muitas vezes sob os olhares curiosos de populares, que não entendiam do que se tratava.
Outros historiadores afirmam que um inglês conhecido por Mr. Hugh, alto funcionário da “São Paulo Railway”, teria em 1882, difundido o futebol em Jundiaí (SP), formando equipes onde se misturavam ingleses e brasileiros. E um outro inglês, Mr. John, que depois teria sido técnico do Clube Atletico Paulistano, costumava reunir os empregados das empresas britânicas “Serviços das Docas”, “Cabo Submarino”, “City” e “Leopoldina Railway”, para a prática do futebol. Sabe-se, agora que essas peladas britânicas eram comuns nas cidades portuárias, onde proliferavam companhias inglesas, fábricas e colégios.
O historiador Carlos Molinari, no livro “Nós é que somos bangüenses” defende a versão de que entre os britânicos que vieram em 1892 para trabalhar na fábrica de tecidos Bangu, no Rio de Janeiro, o escocês Thomas Donohoe, fanático por futebol, apresentou o esporte aos brasileiros. Em viagem à Inglaterra, teria comprado a primeira bola de futebol usada em nosso país, em partida realizada em abril de 1894, com dois times de cinco jogadores, sem uniforme nem gols anotados.
Molinari acredita que pela falta de dados palpáveis, é que se prefere creditar a Charles Miller a introdução do futebol no Brasil em outubro de 1894 e a realização da primeira partida em abril de 1895, um ano depois do jogo de Donohoe.
Vou continuar contando fatos como estes, porque eles têm cunho histórico e não se pode esconder. O tema é bastante abrangente e merece outras considerações. O esporte pode ter sido praticado aqui, antes de Charles Miller, como passatempo e de forma improvisada. Mas é inegável que o futebol organizado, foi ele quem trouxe para o Brasil. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)