Eu sei que chamar o Flamengo de “mais querido do Brasil” traz um desconforto aos torcedores adversários. Mas é uma verdade incontestável. Basta sair às ruas que sempre vai se ver alguém usando a camisa rubro-negra. As pesquisas também mostram milhões de torcedores do Flamengo espalhados por todos os rincões deste imenso país.
Mas esse laurel não veio de graça. Em 1927 o “Jornal do Brasil” do Rio de Janeiro promoveu um concurso para eleger o clube mais querido do Brasil. Os leitores deveriam preencher cupons publicados no jornal apontando o time do coração.
Dizem as más línguas, que os jornaleiros lusitanos escondiam os exemplares e só os vendiam aos torcedores vascaínos. No dia da entrega dos cupons na sede do jornal, torcedores rubro-negros disfarçados de portugueses e com o distintivo do Vasco na lapela, recolheram os votos cruzmaltinos e jogaram no poço do elevador e nas latrinas. Na hora da contagem dos votos, o Flamengo foi eleito o “Mais Querido do Brasil”, comprovando a grande popularidade e força do clube e ganhando a "Taça Salutaris", troféu de cerca de um metro e meio, banhado em prata, oferecido por uma engarrafadora de água mineral do mesmo nome.
A história do Flamengo começou com alguns jovens reunidos no Café Lamas, no Largo do Machado, que pretendiam fundar um clube de remo. O desejo se concretizou na noite de 17 de novembro de 1895, quando fundaram o Grupo (depois Clube) de Regatas do Flamengo, tendo como primeiro presidente Domingos Marques de Azevedo. Mas foi decidido que a data oficial de fundação seria 15 de novembro, “para que a data do aniversário fosse sempre feriado nacional (Proclamação da República)”. Também foi escolhido o azul e ouro em listas largas e horizontais, como cores oficiais. Depois mudou para vermelho e preto.
Nos primeiros oito anos de existência o clube se dedicou exclusivamente ao remo. O futebol só chegou ao Flamengo a partir de 1903, e apenas para amistosos. No primeiro jogo, realizado em 25 de outubro de 1903 no Estádio do Paissandú Atlético Clube, perdeu para o Botafogo por 5 X 1, usando camisas brancas e shorts pretos. Nesses primeiros tempos o time de futebol não podia usar o uniforme oficial, pois não era bem visto pelo remo rubro-negro.
Em 1911, a história começou a mudar com a chegada ao clube de futebolistas egressos do Fluminense. Mesmo ganhando o Campeonato Carioca, o tricolor enfrentou séria crise interna. O capitão do time, Alberto Borgeth, se desentendeu com alguns dirigentes e liderou um movimento que culminou com a saída de 10 jogadores das Laranjeiras. No dia 8 de novembro de 1911, todos eles estavam no Flamengo.
Mesmo com o grupo de remadores contrários, não tinha mais como evitar. Em 24 de dezembro de 1911, o Flamengo criou oficialmente o seu time de futebol. No primeiro jogo oficial, realizado em 3 de maio de 1912, no campo do América F.C., na rua Campos Sales, o Flamengo massacrou o Mangueira, time da Fábrica de Chapéus Mangueira, por 15 X 2. Gustavo Adolpho de Carvalho marcou o primeiro gol oficial da história do clube e ainda fez outros três no jogo.
Sem ter campo próprio, o Flamengo mandou seus primeiros jogos no Fluminense, até arrendar um espaço na rua Paissandu, de propriedade da família Guinle. Mas foi nas Laranjeiras que aconteceu o primeiro Fla-Flu (o jornalista Mário Filho, criou o nome), no dia 7 de julho de 1912 e o Flamengo perdeu por 3 a 2.
Durante algum tempo foi comum a troca de uniforme do time de futebol. Em 1912, foi usada a famosa camisa quadriculada em vermelho e preto, que ganhou o jocoso apelido de “Papagaio de Vintém”, dado pelos adversários. Em 1913 mudou para a camisa com listas vermelha e preta, com um friso branco entre uma e outra. Os adversários não perdoaram, ganhou o apelido de “Cobra Coral”. Com a eclosão da guerra e como a bandeira da Alemanha tinha as mesmas cores, o uniforme foi abandonado. Finalmente em 1914 os remadores deixaram o futebol usar o uniforme oficial, implantando-se a igualdade nos dois esportes.
Depois do bicampeonato de 1914 e 1915, o Flamengo sofreu um duro golpe. A família Guinle não renovou o contrato de arrendamento do campo de treino da rua Paissandu, dando somente a opção de compra. Como não dispunha de dinheiro para um investimento de tal porte, teve de deixar o local.
Mas nada mais podia parar o Flamengo. Em 1920 o clube ganhou da prefeitura do Rio de Janeiro uma área de 34 mil metros quadrados, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas. O primeiro jogo no campo improvisado da Gávea, sem muro e cercado por tábuas, aconteceu em 26 de novembro de 1926 entre a Liga de Amadores de Foot-Ball (São Paulo) e Association de Amateurs de Argentina.
Foi preciso alguns anos para que o estádio da Gávea se tornasse uma realidade. Em 1936, o Conselho Deliberativo autorizou a construção das arquibancadas. Foi feita uma campanha de venda de 500 títulos de sócio proprietário. Sucesso absoluto, todos foram vendidos em 30 dias. O Estádio da Gávea, que recebeu o nome de “José Bastos Padilha” (que presidiu o clube entre 1933 e 1937, abrindo suas portas aos jogadores negros), ficou pronto e foi inaugurado em 4 de setembro de 1938 com o jogo Flamengo 0 X 2 Vasco. A primeira vez que os dois tradicionais rivais se enfrentaram, foi em 1925, com vitória rubro-negra por 2 a 0.
Daí por diante o Flamengo seguiu uma trajetória cheia de altos e baixos, até chegar a sua fase de maior brilhantismo, aquela em que conheceu as maiores conquistas. A chegada de Zico em 1967, trazido pelo radialista Celso Garcia para as categorias de base, mudou a história rubro-negra.
Em 1980 veio a conquista do primeiro Campeonato Brasileiro. Em 1981, a glória suprema: foi campeão estadual, da Taça Libertadores da América e do Mundial de Clubes. No dia 13 de dezembro de 1981, o Flamengo disputou o jogo mais importante da sua história, derrotando o todo poderoso Liverpool, da Inglaterra por 3 X 0, gols de Nunes (2) e Adílio, chegando ao topo do mundo. O time era: Raul- Leandro – Marinho - Mozer e Júnior – Andrade - Adílio e Zico – Tita - Nunes e Lico.
Em 1982 ganhou o bicampeonato brasileiro e em 1983, o terceiro título e a coroação de melhor time do Brasil da década. Na final do Campeonato Brasileiro, o maior público de todos os tempos, mais de 155.253 pessoas superlotando o Maracanã.
Agora o Flamengo busca repetir a façanha de 1981. Está na Copa Libertadores da América pelo segundo ano consecutivo. E quem duvida que o ano termine com a torcida rubro-negra sorrindo de novo?
Encerrando este artigo conto um fato que demonstra o que significa ser Flamengo. Em 1927, o amadorismo estava chegando ao fim. Mas havia quem amasse a camisa que vestia. O jogador Moderato era um deles: jogou a última partida com uma cinta, porque sofrera uma cirurgia no apêndice, supurada dois dias antes. E o Flamengo ganhou outro título. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)