Perde o futebol carioca, perde o futebol brasileiro. Ninguém queria a queda do América F.C., para a 2ª Divisão do futebol carioca, uma verdadeira sucursal do inferno. Mas lamentavelmente aconteceu. No último sábado (5), o América dependia de uma improvável combinação de resultados para escapar. Não bastava vencer ao Friburguense, como aconteceu (2 X 0). Cardoso Moreira e Mesquita teriam de perder. Não deu. O Mesquita perdia de 2 X 0 e virou para 4 X 2. Fim de festa.
Chovia forte sobre Nova Friburgo. E lágrimas corriam dos olhos da apaixonada torcida americana, que deixou o estádio em comovente silêncio. Foi de doer no coração. Afinal de contas é um clube com 104 anos, vencedor de vários torneios nacionais e internacionais, uma Taça Guanabara (1974), uma Taça Rio (1982), um Torneio dos Campeões da CBF (1982) e sete títulos estaduais, 1913, 1916, 1922, campeão do Centenário da Independência do Brasil, 1928, 1931, 1935, e 1960, primeiro campeão do Estado da Guanabara.
Mesmo com todas essas glórias, o América acaba de entrar numa espécie de UTI do futebol, de onde dificilmente sairá com vida. A “Segundona” carioca é diferente de outros Estados, não é divulgada pela imprensa, não tem público e os clubes são na maioria patrocinados por prefeituras municipais. Quem vai querer patrocinar o América numa situação dessas?
Eu acho que a Federação carioca poderia fazer algo para melhorar seu campeonato, que vem piorando a cada ano. Os chamados clubes pequenos estão impedidos de jogar em seus estádios contra os “grandes”. E ainda enfrentam arbitragens suspeitas. É um campeonato de cartas marcadas. Eu lembro, e com saudade dos bons tempos em que o Carioca era o melhor torneio do Brasil. Hoje, perde disparado para São Paulo. Só se salvam os jogos finais. E olhe lá.
Onde estão clubes tradicionais como Bangu, Bonsucesso, Portuguesa, Olaria, Campo Grande, São Cristóvão e até o Canto do Rio? Sumiram nas divisões inferiores ou fecharam as portas. Desses “pequenos” só o Madureira resiste, e Deus sabe até quando. A desvalorização do campeonato regional e a incompetência dos “cartolas” da Federação levaram a isso. Sem dinheiro e sem incentivo, o América também afundou. E eu absolvo seus dirigentes de qualquer culpa. Fizeram o que era possível.
Não sou defensor de viradas de mesa. Mas no caso do América, vou torcer para que aconteça. E de carona também se salve o Bangu. É muita história para ser jogada fora. O futebol não merece isso. Eu até sugiro que se crie uma lei protegendo esses clubes tradicionais.
O América nasceu no dia 18 de outubro de 1904, fruto de uma cisão no Clube Atlético da Tijuca. O nome foi sugerido por um dos fundadores, Alfredo Koehler, em homenagem ao continente como um todo. No primeiro jogo oficial, a primeira derrota, 6 X 1 frente o Bangu Athletic Club, no dia 6 de agosto de 1905. O jogador Amilcar Teixeira Pinto, estudante de Medicina marcou o primeiro gol da história do clube.
O primeiro uniforme americano tinha camisas e meias pretas, calções e gravatas brancos. A camisa apresentava sete botões: dois no colarinho e cinco na camisa, que simbolizavam os sete fundadores do clube. Em 1908 foi adotada a camisa vermelha e calção branco, uma homenagem à Associação Athletica Mackenzie Colege, de São Paulo, a quem o América havia enfrentado em jogo amistoso interestadual.
O primeiro jogo internacional disputado pelo América foi em 18 de setembro de 1912, perdendo para a Seleção Chilena por 3 X 2. Em 1913 começou a se firmar como clube grande, com a conquista pela primeira vez do título carioca. Foram 12 vitórias e apenas 3 derrotas. No último jogo uma vitória suada de 1 X 0, frente o São Cristóvão (que era time grande) em 30 de novembro, gol de Gabriel de Carvalho.
Foi nesse campeonato que o jogador americano Belfort Duarte tocou a bola com a mão dentro da área, e como o árbitro não viu, ele próprio se acusou e o pênalti foi marcado. Belfort Duarte, que nunca foi expulso em sua carreira, virou nome de prêmio oferecido aos jogadores que não fossem expulsos durante 10 anos de carreira. Oportunamente escreverei sobre isso.
O América sempre foi um time de raça, honrando o vermelho cor de sangue de sua camisa. Em 18 de dezembro de 1938, foi escrita uma das mais emocionantes páginas da história do clube. Em jogo contra o Vasco, válido pelo campeonato carioca, na rua Campos Sales, o América conseguiu virar um resultado de 4 a 0, para um espetacular 6 a 4.
Em 1954 o Jornal dos Sports divulgou uma pesquisa do Ibope que media o tamanho das torcidas dos clubes cariocas. A maior é claro foi a do Flamengo com 29%. Depois, na ordem Fluminense 19%, Vasco 18%, América 6%, Botafogo 5%, Bangu 2% e São Cristóvão 1%. Só a partir da década de 1960, quando o Botafogo teve grandes momentos, é que sua torcida superou a do América.
Até 1986 o América disputou todas as edições do Campeonato Brasileiro na Série A. A partir dai começou a decadência. Até 1999 foram decepções que não paravam mais. A recuperação do clube começou em 2000 com a inauguração do estádio Giulite Coutinho, seguindo-se com as classificações para as Copas do Brasil de 2004 e 2005.
Em 2006 voltou a viver bons momentos, sendo a sensação do Campeonato Carioca, chegando as finais das Taças Guanabara e Rio. Em 2007 foi semifinalista da Taça Guanabara. E veio o trágico 2008. Nomes como Jorge Vieira, o técnico campeão de 1960 e Amarildo, ex-jogador da Seleção Brasileira, chamado de "O Possesso" não foram suficientes para salvar o América. Agora, está tudo nas mãos de Deus.
Alguns fatos marcantes na vida do clube. Em 12 de outubro de 1914, o América participou da segunda partida noturna no Brasil ao derrotar o Vila Isabel por 6 a 1. Em 30 de julho de 1939, em jogo contra o Vasco, o centroavante americano, Plácido de Assis Monsores fraturou o antebraço e continuou no jogo apenas com uma tipóia e ajudando o time a ganhar o clássico por 3 a 1. No dia 3 de novembro de 1929 o América aplicou uma das maiores goleadas do Campeonato Carioca, em todos os tempos: 11 X 2, em cima do Botafogo.
Em 1951 Arsenal e Portsmouth da Inglaterra excursionaram pelo Brasil, e ambos enfrentaram o América no Maracanã. Em 27 de maio o América bateu o Arsenal por 2 X 1 e em 8 de junho ao Portsmouth por 3 a 2. Em 18 de julho de 1951, data nacional uruguaia, o América conseguiu uma vitória que entrou para a história: diante de 65 mil torcedores, derrotou em plena Montevidéu ao Peñarol, base da “Celeste”, por 3 a 1. Em 1955, o América excursionou pela Europa, realizando 18 partidas, ganhando 13, empatando uma e perdendo duas.
Entre os anos de 1933 e 1937 o futebol carioca viveu séria crise, com duas ligas paralelas. América e Vasco da Gama fizeram um jogo para selar a paz. Daí o nome de “Clássico da Paz”. A firma “O Camiseiro”, ofereceu um troféu. Em 25 de agosto de 1938 o América venceu o jogo por 2 x0. Dias depois emprestou o Troféu ao Vasco da Gama para uma exposição. Até hoje não foi devolvido. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)