sábado, 28 de junho de 2008

Os 50 anos da primeira grande conquista brasileira

Lembro como se fosse hoje. Era uma fria manhã, naquele dia 29 de junho de 1958. Lá fora uma chuva fininha teimava em cair, forçando a que se permanecesse dentro de casa. Lá na distante Suécia era de tarde. Uma tarde de decisão. O Brasil, pela segunda vez disputaria uma final de Copa do Mundo. A primeira nos deixou uma triste lembrança, quando os uruguaios comandados por Obdúlio Varela nos ganharam de 2 X 1 em pleno Maracanã.

Que saudade daquele dia 29. Até pelo fato de que eu era ainda um garoto, apenas 17 anos, morando na pequena e querida Dom Pedrito (RS) que me viu nascer. Sobre a mesinha do quarto um rádio de luz, se bem me recordo da marca “Orbiphon”, ou coisa parecida. Rádio de pilha não existia. Televisão naquela época era coisa de cinema, ainda muito distante da província. As transmissões radiofônicas não tinham a qualidade de som de hoje. Embora os verdadeiros milagres que as emissoras faziam, o som era uma mistura de ruídos que às vezes chegavam mais alto que as vozes dos locutores.

Na Rádio Guaíba, de Porto Alegre, a primeira emissora do Rio Grande do Sul a transmitir uma Copa do Mundo fora do país, o narrador era o saudoso Mendes Ribeiro. Nas emissoras do Rio de Janeiro e São Paulo, profissionais notáveis como Oduvaldo Cozzi, Jorge Cury, Antônio Cordeiro, Pedro Luiz, Edson Leite e Fiori Gigliotti. Foi nas vozes deles que ouvi todos os jogos do selecionado brasileiro.

A Seleção de 1958 era bem diferente das recentes de Parreira e Dunga. Existiam craques de verdade. A torcida sentia desde o primeiro jogo que algo de grandioso estava por acontecer. Pela primeira vez em sua história, a Copa do Mundo fez justiça ao melhor, ao mais forte, ao mais entusiasmado e categorizado time de futebol. A Copa não repetiu 1950, quando a força e a garra uruguaia derrotaram a técnica brasileira. Nem 1954, quando a máquina húngara foi desmontada pela organização alemã. Não. A Copa foi para as mãos de quem a cortejou melhor, de quem a cativou através de jogadores sensacionais, dribles estonteantes e gols fantásticos.

No jogo final em 29 de junho de 1958 o Brasil passou por uma experiência inédita naquela Copa. Pela primeira vez enfrentou um placar adverso, já que a Suécia fez 1 X 0 logo aos 4 minutos, numa jogada em que Liedholm envolveu toda a nossa defesa, enganou o goleiro Gilmar com um belo drible de corpo, para depois colocar a bola no fundo da rede.

Nem deu tempo para se pensar em nova frustração. Aos 9 minutos, Garrincha deu um passe certeiro para Vavá que fechou pelo meio e empatou o jogo. Aos 31 minutos a repetição da jogada. Garrincha recebeu a bola de Didi pela direita, driblou Borjersson e Axbon e deixou Vavá na cara do gol para fazer 2 X 1. Fim de primeiro tempo com vantagem brasileira, no placar, na técnica e na raça.

Veio o segundo tempo. Aos 10 minutos, Pelé marcou seu primeiro gol no jogo e o terceiro do Brasil. Um golaço. Recebeu a bola de Didi pelo centro de campo, driblou dois adversários fazendo embaixada e jogando o corpo para a esquerda. Quando o goleiro Svensson saiu para tentar a defesa, Pelé cutucou a bola para o fundo da rede. O caminho da goleada estava aberto. Aos 23 minutos Zagalo, em grande estilo, fez 4 X 1. Os suecos tentaram reagir e marcaram o segundo gol, aos 35minutos, através de Simonsson, aproveitando o aparente desinteresse brasileiro de continuar atacando.

Ledo engano. Aos 45 minutos, para aumentar o calor da festa, dentro e fora de campo, Pelé fez seu segundo gol e o quinto do Brasil. Nesse momento surgiram nas arquibancadas do estádio de Solna, Rasunda, em Estocolmo algumas bandeiras brasileiras, enquanto milhares de bandeiras suecas eram guardadas. Festa memorável. Jogadores, comissão técnica, dirigentes, todos chorando de emoção e alegria. Finalmente, a tragédia de 1950 virava coisa do passado.

O selecionado verde e amarelo jogou e foi campeão com Gilmar – Djalma Santos – Belini e Nilton Santos – Zito e Orlando – Garrincha – Didi – Vavá – Pelé e Zagalo. A Suécia formou com Svesson – Bergmark – Axbon e Borjerson – Gustavsson e Parling – Hamrin – Gren – Simonsson – Liedholm e Skoglund. O juiz foi o francês Maurice Guingue, auxiliado por A. Duss, da Alemanha e Gardeazabal, da Espanha e 49.737 pessoas assistiram o jogo.

Para chegar a tão memorável conquista o Brasil passou por vários estágios e experiências. Pela primeira vez foi feito um trabalho sério a nível administrativo, graças à competência de um extraordinário desportista chamado Paulo Machado de Carvalho, que chefiou a delegação brasileira a Suécia. Os jogadores passaram por rigorosos exames através o médico Hilton Gosling. Depois veio a fase de concentração, começando por Poços de Caldas e seguindo por Araxá.

Vieram os jogos que serviram de testes para a equipe que o técnico Vicente Feola pretendia montar como base para a Copa do Mundo. No Maracanã, contra o Paraguai, que eliminou o Uruguai, uma goleada por 5 X 1. No segundo jogo contra os paraguaios, no Pacaembu, em São Paulo, empate sem gols. Depois, enfrentamos a Bulgária e conquistamos duas vitórias: 4 X 0 no Maracanã e 3 X 1 no Pacaembu. A despedida do Brasil foi contra o Corinthians Paulista, numa goleada de 5 X 0.

Antes de desembarcar na Suécia o nosso selecionado passou pela Itália, onde derrotou a Fiorentina e a Internazionale, em duas goleadas de 4 X 0. Terminada a fase preparatória, a chegada no Tourist Hotel, na pequena cidade de Hindas, considerada a concentração cientificamente perfeita.

Finalmente o jogo de estréia, no dia 8 de junho, em Udevala, contra a valente Áustria, que dançou uma valsa e assistiu o bailado maravilhoso de nossos craques. Foi uma verdadeira dança de gols, 3 X 0. Mazzola fez dois e Nilton Santos completou a goleada. Jogamos com Gilmar – De Sordi – Belini e Nilton Santos – Dino e Orlando – Joel – Didi – Mazzola – Dida e Zagalo.

Em 11 de junho, na cidade de Gotemburgo, o segundo jogo. Não conseguimos furar o bloqueio inglês e o escore ficou em branco. A escalação foi a mesma do jogo contra a Áustria. Naquela Copa ainda não era permitido substituições durante o desenrolar dos jogos, como acontece hoje com a chamada Regra 3.

No dia 16, ainda em Gotemburgo, o esperado jogo contra a União Soviética, que com seu futebol chamado de científico, vinha sendo apontada como a grande favorita para ganhar a Copa. Os computadores que consideravam os russos imbatíveis esqueceram de programar os dribles desconcertantes de Garrincha, a grande arma secreta do Brasil, que naquele jogo entrou em ação.

Os soviéticos ainda se arrumavam em campo, quando levaram o primeiro gol. Eram dois minutos. Vavá arrancou como um foguete e estufou a rede de nylon da cidadela defendida pelo legendário goleiro Yashin. Os torcedores presentes ao Estádio Nya Ullevi começavam a assistir uma verdadeira aula de futebol, não havendo russo capaz de parar o endiabrado Garrincha. Aos 29 minutos do segundo tempo Vavá fez 2 X 0, aproveitando o rebote depois de um violento chute desferido por Pelé e defendido parcialmente por Yashin. O Brasil venceu com Gilmar – De Sordi – Belini e Nilton Santos – Zito e Orlando – Garrincha – Didi – Vavá – Pelé e Zagalo.

No dia 19 de junho, outra vez em Gotemburgo, uma vitória suada contra o País de Gales, por 1 X 0, gol marcado por Pelé aos 28 minutos do segundo tempo. Dia 24, em Estocolmo, enfrentamos a temível França, que vinha de uma série de vitórias espetaculares, tendo como destaque o artilheiro Fontaine. Foi uma goleada memorável de 5 X 2, com três gols de Pelé, um de Vavá e um de Didi. Fontaine e Piantoni descontaram para os franceses. O Brasil utilizou a mesma formação que enfrentou a União Soviética e o País de Gales. Vale lembrar a fantástica equipe francesa: Abbes – Koelebel – Jonquet e Lerond – Penverne e Marcel – Wiesnieski – Fontaine – Kopa – Piantoni e Vicent.

Depois a final contra a Suécia e a volta ao Brasil com o caneco na mão. A Taça Jules Rimet, finalmente veio para o país do futebol. Os jogadores que formaram aquela memorável seleção foram recebidos como heróis. Entre eles o gaúcho de Santa Maria, Waldemar Rodrigues Martins, o Oreco, que fez parte de um famoso trio no Internacional de Porto Alegre: Oreco, Salvador e Odorico.

Foram campeões do mundo estes jogadores: Gilmar (Corinthians), Castilho (Fluminense), De Sordi (São Paulo), Djalma Santos (Portuguesa de Desportos), o capitão Belini (Vasco da Gama), Mauro (São Paulo), Nilton Santos (Botafogo), Oreco (Corinthians), Zito (Santos), Dino Sani (São Paulo), Orlando (Vasco da Gama), Zózimo (Bangu), Garrincha (Botafogo), Didi (Botafogo), Moacir (Flamengo), Vavá (Vasco da Gama), Mazzola (Palmeiras), Pelé (Santos), Dida (Flamengo), Zagalo (Flamengo) e Pepe (Santos).

Também foram campeões o massagista Mário Américo (Portuguesa de Desportos), roupeiro Francisco Assis (Santos), médico Hilton Gosling, técnico Vicente Feola e o chefe da delegação, Paulo Machado de Carvalho. A Confederação Brasileira de Desportos (CBD), hoje Confederação Brasileira de Futebol (CBF), era presidida por João Havellange.

Foi uma grande festa em todo o país. Lembro que a minha pequena Dom Pedrito, pela primeira vez assistia um desfile tão grande de automóveis buzinando e percorrendo as principais ruas da cidade, como a avenida Rio Branco (onde eu morava) e Barão de Upacaraí e naturalmente o contorno da Praça General Osório, principal ponto de encontro. A tarde inteira foi um espocar só de foguetes. Até meu saudoso pai, que não era muito chegado a futebol, entrou na festa e no fundo do quintal lá de casa, disparou alguns tiros de revólver que se confundiram com o barulho dos foguetes.

Festa igual aquela, Dom Pedrito não assistiu nem quando o meu querido Botafogo F.C., o tricolor do Estádio Floribal Jardim, perto da Estação Velha, derrotava o seu eterno rival e freguês, E.C. Cruzeiro.

A importância dessa data dos 50 anos da grande conquista, só pode ser medida em toda a sua profundidade por quem viveu aqueles momentos de rara emoção. Foi com a conquista de 1958 que o futebol brasileiro abriu caminho para os títulos de 1962, no Chile, 1970, no México, 1994, nos Estados Unidos e 2002, no Japão e Coréia. Há quem diga que a seleção de 1958 se constituiu na melhor equipe de futebol, que o mundo conheceu em todos os tempos, inclusive superior a do tri no México. Eu também acho. (Texto e pesquisa de Nilo Dias, adaptado de matéria de sua autoria publicada no jornal “A Razão”, de Santa Maria (RS), em 25/26 de Junho de 1988).
Seleção de 1958, uma verdadeira máquina de jogar futebol (Foto: Gazeta Esportiva Ilustrada)