Quando alguém lembra dos grandes jogadores do passado é quase sempre chamado de saudosista, mas eu não me importo com isso e gosto de contar neste meu blog as trajetórias vitoriosas de grandes nomes do nosso futebol. Jogadores que esbanjaram classe e categoria e encantaram os torcedores de suas épocas, quando o futebol brasileiro misturava técnica e encantamento.
Um dos primeiros craques da era moderna do futebol brasileiro foi sem dúvida o maranhense Fausto dos Santos, ou simplesmente Fausto, nascido em Codó, no dia 28 de fevereiro de 1905. Ele foi um dos melhores, senão o melhor meio campista de seu tempo. Era daqueles jogadores clássicos, que quando recebia a bola pelo alto, sabia dominá-la como poucos. A visão de jogo era uma de suas maiores virtudes, dava passes e lançamentos primorosos e também fazia gols.
Fausto teve uma infância difícil, por força da miséria no Nordeste brasileiro. Sua mãe, dona Rosa, queria um futuro melhor para o filho, coisa que dificilmente teria no interior maranhense. Por isso foi com a família tentar a sorte no Rio de Janeiro, então a capital e maior cidade do Brasil.
Naqueles áureos tempos em que os campos de futebol se espalhavam por todos os cantos da cidade, Fausto encontrou sua vocação, ao manter uma relação íntima com a bola. Ele a chamava de tu e ela o obedecia em todos os malabarismos que fazia, caindo sempre aos seus pés, como se uma escrava fosse. Era aquilo que hoje chamamos de domínio da bola.
Em 1926, Fausto, alto e magro, aparecia jogando como titular da equipe do Bangu Atlético Clube, atuando de meia atacante e mostrando sinais evidentes de que se tratava de um verdadeiro craque. Era bonito vê-lo tocar na bola, dar a matada no peito, driblar, fazer ginga, no desarme e na preparação do gol. Todas essas qualidades encantaram a Henry Welfare, um inglês radicado no Brasil e técnico do Clube de Regatas Vasco da Gama.
Fausto gostava do Bangu e era apegado aos companheiros. Por isso, resistiu para sair do clube vermelho e branco. Mas em 1928, finalmente foi parar no Vasco, agremiação representativa da rica colônia portuguesa e da gente graúda da cidade. No estádio de São Januário, inaugurado um ano antes, ele atingiria os “píncaros da glória”, plagiando verso da música “O Ébrio”.
E Fausto teve muito a ver com o personagem musical do grande cantor e compositor Vicente Celestino. Quando não estava nos gramados vestindo a camisa preta, com a “Cruz de Malta” branca à esquerda do peito, costuma freqüentar os bares e bailes de gafieira do Rio de Janeiro
Em 1929, foi campeão carioca, jogando como médio volante na equipe vascaína e se tornando o cérebro do meio-de-campo, posição para a qual fora deslocado por Welfare, que ignorava o esquema WM, criado por seu compatriota Herbert Chapman e praticado na Europa. Pela fórmula vascaína, Fausto tinha que ter um fôlego fora do comum, pois dele dependia o ataque. No 1º turno do Carioca, o Vasco goleou o Flamengo por 4 X 1, e Fausto marcou 3 gols. Nesse ano, além de campeão estadual, o negro de Codó estreou com êxito nas seleções carioca e brasileira.
Em 1930 participou da 1ª Copa do Mundo, disputada em gramados do Uruguai. O Brasil não conseguiu fazer uma boa preparação e isso foi preponderante para que a campanha fosse muito abaixo das expectativas. Mesmo cheio de craques, o escrete nacional, com três treinos, era composto de uma turma inexperiente e temerosa em fazer feio no exterior. Na estréia, perdemos para a Iugoslávia. Depois, derrotamos a Bolívia. Fausto foi considerado o melhor médio volante da Copa e ganhou da imprensa uruguaia o apelido de “Maravilha Negra.”
A partir daí, o jogador passou a ser ajudado financeiramente pelos portugueses ricos do Vasco da Gama. Mas, despreparado para a glória e a fama, continuou com as farras. A madrugada e o álcool estavam colocando sua carreira em risco. A sua saúde estava em declínio, e sofria com sucessivas e intermináveis gripes. À época, disseram-lhe que os negros eram predispostos à tuberculose e Fausto tomou isso como exagero racista, seguindo fiel à boemia.
Mesmo assim continuava a jogar um grande futebol. No ano de 1931 quando o Vasco se tornou o primeiro clube carioca a excursionar pelo exterior, Fausto, folgando da gripe, encantou as platéias européias com sua elegância e habilidade. Em Madri, Barcelona e Vigo, o compararam a um escravo levando o time nas costas. Depois de um jogo em que o Vasco derrotou o combinado português formado por jogadores do Sporting e Benfica, o jornalista português Alberto de Freitas, embora com um comentário altamente racista, resumiu a representatividade de Fausto: "O centromédio faz verdadeiras maravilhas, passeando a vontade pelo campo. Com tanta categoria até se pode não ser branco”.
Contratado pelo Barcelona, fez jus ao nome e maravilhou a todos, inclusive conquistando o torneio da região em 1932. Pelo clube espanhol, o negro brasileiro foi a Paris e recebeu do jornal “France Football” este elogio: "Ele faz com espantosa facilidade o que outros fariam com um esforço sobre-humano. Fausto, com seu futebol maravilhoso, veio ensinar à Europa como deve jogar um center-half".
Mas a gripe voltou a incomodá-lo. E fez com que se indispusesse com a direção do clube espanhol, que exigia que ele jogasse mesmo com febre. Acabou rescindindo o contrato. No Barcelona, Fausto ganhou muito dinheiro, mas gastou tudo na boemia. Em 1933, foi jogar no Young Fellows, da Suíça, onde ficou somente dois meses. Jornais da época já falavam sobre seu estado de saúde e achavam que o jogador tinha consciência da tuberculose e de sua gravidade, embora nada comentasse.
Retornou ao Brasil e ao Vasco em 1933, para um ano depois ser outra vez campeão carioca, jogando ao lado dos geniais Domingos da Guia e Leônidas da Silva, o "Diamante Negro". Em 1935, o Nacional de Montevidéu o contratou. No Uruguai não teve o mesmo brilho de antes, sendo expulso de campo em quase todos os jogos. Com a saúde bastante abalada o craque brasileiro não conseguia mais correr os dois tempos de uma partida. E por isso voltou ao Brasil, em 1936, para jogar no Flamengo.
No rubro-negro teve o azar de se deparar com o técnico húngaro Dori Kruschner, fã do sistema WM que consistia de 3 beques, 2 médios, 2 meias e 3 atacantes e um rígido treinamento físico, até então inédito no país. Fausto já não tinha gás, por isso o técnico o escalou na zaga. Fausto não gostou e pediu rescisão do contrato, que lhe foi negada no clube e na Justiça. Acabou substituído no time titular pelo atacante alemão Engels, que foi adaptado como centromédio.
Em 1938, porém, vendo-se sem chance e humilhado, Fausto se retratou em carta exaltando o trabalho de Kruschner. O “Maravilha Negra” ainda voltou a jogar com o aparente talento de sempre. E foi até cogitado para a Seleção Brasileira que iria à Copa do Mundo, disputada na França. Mas a velha e cruel gripe, cheia de tosse, veio abatê-lo de novo. Uma tarde, após jogar entre os aspirantes do Flamengo, sentiu-se mal e teve hemoptise. Quando quis retornar aos treinos, em 1939, os médicos o enviaram ao Sanatório Mineiro, escondido nos cafundós do Estado de Minas Gerais, sem muita esperança de curá-lo da tuberculose.
Sob os cuidados da irmã Catarina, abnegada freira que lhe incutiu a fé cristã através de doutrinação oral e de um livro emprestado, o negro que viera do Rio de Janeiro viveu seus últimos momentos. Ao início da noite, depois de arder em uma febre de graus elevados, com a respiração sôfrega e os pulmões corroídos, Fausto, aos 34 anos de idade deu seu último suspiro.
E por lá mesmo Fausto dos Santos foi enterrado sem grandes pompas em cova rasa, cravada por uma tosca cruz de madeira, sem nome nem data. Morreu tendo conquistado 2 títulos cariocas para o Vasco, em 1929 e em 1934 e marcando seu nome como um dos maiores futebolistas de todos os tempos! E morreu na miséria. Um fim triste para um jogador que, menos de uma década antes, encantara o mundo. (Pesquisa: Nilo Dias)
Fausto foi um dos maiores craques brasileiros de todos os tempos (Foto: Arquivo do C.R. Vasco da Gama)