Autor: Paulo Acosta
Ali, na Buarque de Macedo, onde hoje se amontoam apartamentos, era o Torquato Pontes, um estadinho cercado de uma mureta cheia de buracos em círculos redondões, e uma tela em volta dele. Do lado de cá, um pavilhão de madeira. Do lado de lá, arquibancadas de madeira. No terreno da esquerda, o vizinho vovô, Sport Clube Rio Grande. No terreno da esquerda, como diziam os locutores, "os próprios da municipalidade". Ali, pela mão de meu pai, eu comecei a viver o futebol.
É claro que só fui dar o verdadeiro valor ao Rio-Grandense muito tempo depois. Torcer pelo Grêmio ou pelo Internacional é querer ganhar, ser obrigado a ganhar. E não importa se o adversário é o Fortes e Livres, de Muçum, o Hamburgo ou o Ajax.
Torcer pelo Rio-Grandense - e aquele que torce por um time do Interior sabe disso - é comemorar cada gol como se fosse uma vitória e cada vitória como se fosse um título. Quando os grandes nos enfrentam, dizem que fazemos "Copa do Mundo" contra eles. Para o Rio-Grandense, todo jogo era Copa do Mundo.
Não vi - é claro - o Rio-Grandense ser campeão em 1939, depois de ser vice em 37 e 38. Imagino que timaço, hein! Mas estive ao lado do “Guri Teimoso” (olha que apelido mais perfeito!) nas suas maiores façanhas da minha época. Aquele empate em 2 X 2 com o Grêmio de Irno – Altemir – Airton - Áureo e Ortunho - Cléo e Sérgio Lopes – Lumumba - Alcindo e Vieira, nos anos 60, em nosso estádio! Aquela goleada de 4 X 2 num amistoso contra o Internacional no Torquato Pontes.
O locutor (Paulo Corrêa) que dava o nome todo e fazia a gente decorar (quase todos): Milton Ernesto Schultz, Ari Lanau, Jair Cutiara, Oscar Conceição, Luis Carlos Scala Loureiro, Adair Padilha, Titico, Marcos Boroni, Sanches, Vilmar, Paulo Renato, Uga, Antônio Azambuja Nunes, o Nico, Ocimar... o Bangu
Que camiseta! Que garra! Lembro jornadas heróicas como a daquele ano em que subimos à Primeira Divisão, no tempo dos Gauchões de 12 clubes do Aneron. Perdemos de diferença de dois em Livramento e tínhamos que fazer dois de diferença em Rio Grande. Fizemos. Na prorrogação, tomamos um gol. No finalzinho, empatamos. Pênaltis. Nico! Era só um que batia, e Nico fazia todos. Classificados. Na saída, quase que meu pai teve um troço. Mas o coração dele era de “Guri Teimoso”. Meu pai, Maurílio.
Final com o Gaúcho de Passo Fundo. 3 X 1 pra eles em Passo Fundo. Primeiro tempo em Rio Grande, 3 X 1 pra eles de novo... Meu pai: Vamos embora? Eu sabia que ele não queria ir, e convidava pra ficar... Segundo tempo, 3 X 2, 3 X 3, 4 X 3 e, no finalzinho, 5 X 3. Diferença de dois. Prorrogação, 0 X 0. Pênaltis. Primeira série de 5. Nico fez cinco. Gitinha chutou e também fez 5. Segunda série de 3, Nico fez três, Gitinha errou um. Rio Grandense campeão da segunda, classificado pra primeira. Foi o maior título que eu vi meu time do coração conquistar.
Anos depois saí da cidade, e o Rio-Grandense se transformou em meia-linha das colunas "Placar" dos jornais da capital. O clube caiu pra segunda, e até pra terceira. Clubes que antes eu só conhecia pelos plantões de final de jornada das rádios (Botafogo de Fagundes Varela, Fortes e Livres de Muçum, Mundo Novo de Três Coroas, etc... passaram a ser nossos adversários. Dia desses, vi no jornal que o Rio-Grandense ia jogar contra o Canoas (cidade que nem time profissional tinha naqueles tempos).
Fui lá matar a saudade. Paguei 5 pilas pra mim e mais 5 pro meu piá. Ia mostrar pra ele "o meu time". Peguei das minhas lembranças uma daquelas camisetas antigas, um vermelho de doer os olhos com gola, os números e o distintivo em amarelo. Quando o meu time entrou em campo, eu não o reconheci. Vestia uma daquelas camisetas fabricadas em série, em tons e desenhos degradé. Ainda nas cores vermelho e amarelo. Mas procurei no peito o distintivo, o famoso FBCRG com letras arredondadas. Nada! Nem distintivo tinha.
O pior, que eu fiz que não vi, mas meu Guri fez questão de me mostrar: "Pô, pai, o goleiro tá com a camisa de goleiro do Juventude, com Parmalat e tudo..." Tomamos 3 X 1 daquele time ruim do Canoas, num campinho muito abaixo do antigo Torquato Pontes. Mas isso não tinha a menor importância.
Eu só tive saudade do distintivo do Rio-Grandense na camiseta. Espero vê-lo da próxima vez que o FBCRG entrar em campo diante dos meus olhos. Quem sabe no Colosso do Trevo, o nosso novo estádio, que eu não conheço.
O jornalista Paulo Roberto Acosta Dias faleceu no dia 17 de agosto de 2005, depois de lutar um ano contra uma anomalia no sangue que o obrigou a um auto-transplante. Estava otimista e mandou recado aos amigos, depois da última operação, que ficaria alguns dias sem atualizar seu site (www.osaiti.com.br).
Acosta nasceu em Rio Grande, trabalhou na imprensa gaúcha (Rádio Continental dos bons tempos, Rádio Farroupilha, Caldas Júnior, RBS) desde os anos 70. Estava no Correio do Povo. Tinha um excelente humor, um grande texto, conduta exemplar. Figura humana admirável, o jornalista chefiou gente preparada e orientou “focas” (novatos), trabalhando com dedicação, alegria e paciência.
O seu “saite” (devido ao seu indizível www.osaite.com.br) fazia piadas até com as derrotas acachapantes do Grêmio, clube que amava de corpo e alma. Sua outra paixão era o F.B.C. Rio-Grandense, de Rio Grande, sua terra natal. (Postagem: Nilo Dias)