Quem quiser duvidar, que duvide. Mas que aconteceu, aconteceu. Foi no início da década de 50, na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul.
Domingo de tarde, inverno, tempo ruim, uma chuva fina e fria e um vento Minuano de fazer doer as orelhas. Mesmo assim o campo de jogo estava cheio. Umas quatrocentas pessoas se amontoavam por debaixo dos pés de cinamomo, buscando abrigo.
O Gaúcho, da vila do Bolacha e o Vila Verde, da vila de mesmo nome decidiam o campeonato amador da cidade. Jogo parelho, difícil de apitar. Muita rivalidade entre os times. As duas vilas que representavam, eram separadas por um córrego e unidas por um pontilhão.
Jogo duro, era falta em cima de falta, os ânimos cada vez mais exaltados e o relógio correndo mais rápido que a bola. E nada de sair do 0 x 0. Ninguém queria perder. Foi quando Saci, o craque do Gaúcho, um crioulo magro e serelepe fugiu da zaga adversária e mandou bala em direção ao gol.
Por uma dessas brincadeiras de mau gosto que só o destino pode aprontar, a bola parou numa poça d’água bem em cima da risca fatal. Formou-se a confusão. O pessoal do Gaúcho gritava pedindo gol. A gente do Vila jurava que a bola não havia entrado.
Coitado do juiz, um tal de Chico Cachaça, que apitava de graça, só para colaborar, se viu de repente no meio de uma confusão danada. Se desse gol, ia apanhar. Se não desse, ia apanhar também.
Para piorar, não havia nenhum brigadiano no campo. Tomar qualquer decisão seria uma loucura, quase um suicídio. Pensou rápido e decidiu dar no pé. Saiu correndo rua afora, com os jogadores dos dois times e as torcidas atrás. Como era ligeiro, conseguiu chegar ao posto policial da vila.
Novo bate boca. É gol, não foi gol. Com a proteção dos brigadianos ninguém se atreveu a tocar no Chico Cachaça, que prometeu colocar na súmula a sua decisão. Mesmo assim, só conseguiu chegar em casa já quase meia-noite.
No outro dia, debaixo de enorme expectativa o presidente da Liga, rodeado de dirigentes e jogadores leu a súmula do jogo. Para surpresa geral estava escrito: ”Terminei o jogo aos 42 minutos do segundo tempo por falta de garantia, ficando o escore em meio gol a zero, favorável ao E.C. Gaúcho”. Há quem jure que até hoje a súmula está guardada no cofre da Liga, como prova aos incautos de que isso realmente aconteceu. (Texto: Nilo Dias)
A vida de juiz de futebol é dura.