A “bicicleta” no futebol é uma jogada acrobática em que o jogador salta e chuta com os dois pés no ar, para trás, por cima da própria cabeça, como se estivesse pedalando uma bicicleta. Nos demais países da América Latina a jogada é denominada de “puxeta” ou “chilena”. O termo “bicicleta” usado no Brasil, foi criado pelo locutor esportivo Gagliano Neto, depois de observar Leônidas da Silva, o mais perfeito executor da acrobacia.
Mas Leônidas não foi o inventor da jogada, ele apenas a aprimorou e tornou popular a partir da Copa do Mundo de 1938, na França. O verdadeiro inventor do lance, o espanhol Ramón Unzaga Asla já tinha deixado os gramados e caído no esquecimento. Não foi reconhecido como o “pai” da jogada, talvez por sua própria culpa, pois não quis sair do modesto Club Atlético no Chile, onde vivia desde os 12 anos. Ninguém lembrou de pelo menos erguer um monumento em homenagem a quem primeiro desafiou a gravidade, para realizar uma verdadeira obra de arte com os pés.
Unzaga nasceu em Bilbao em 1894, e quando tinha 12 anos de idade teve que acompanhar a família que emigrou para o Chile. Foi no time da pequena cidade de Talcahuano, que Unzaga começou a dar os primeiros chutes, e não demorou para que se tornasse o principal jogador da equipe.
Em seguida trocou a cidadania espanhola pela chilena e foi por diversas vezes chamado a defender a seleção nacional. Verdade, ou lenda foi em Talcahuano, cidade onde morava que pela primeira vez alguém conseguiu a proeza de dar um pontapé acrobático no ar. Foi num jogo realizado em 1914 no Estádio El Morro que Unzaga ensaiou o golpe e deixou estupefata a torcida presente.
Depois disso, costumava repetir a cada jogo o movimento que foi batizado como “la chorera” em nome da “Escuela Chorera”, como era chamada a base da seleção chilena da época.
Em 1920, durante a Copa América disputada no Chile, o mundo ficou conhecendo a genial jogada, num confronto contra a seleção da Argentina. Os jornalistas “porteños” ficaram maravilhados e rebatizaram o lance como “la chilena”, expressão que ainda hoje, se utiliza na Espanha e na América do Sul, incluindo o sul do Brasil.
O jogador recusou convites de vários clubes argentinos e uruguaios, mas não quis sair do Chile passando assim despercebido o seu invento. Na Copa do Mundo de 1938, o brasileiro Leônidas da Silva realizou a jogada e o mundo inteiro acreditou que fosse uma invenção sua. Mas não era. O próprio Leônidas admitia ter visto bem antes o jogador Petronilho de Brito efetuar o mesmo lance.
A invenção da “bicicleta” também é atribuída ao jogador David Arellano, que jogava pelo Colo Colo do Chile, em 1927, que, anos mais tarde levaria o gesto malabarista para a Europa, quando de uma excursão da equipe pela Espanha. A acrobacia causou tanta admiração entre os espanhóis que Arellano foi contratado pelo Valladolid. Após marcar vários gols suspenso no ar, de costas para a baliza, acabou por morrer, no estádio do Valladolid, após um violento e fatal choque com um adversário.
No Peru, chamam a essa jogada “Chalaca”, porque defendem ela ter sido inventada por um jogador peruano do Chalaca F.C.. Na Argentina e no Equador chama-se “Tijera”. No Brasil, onde ganhou o nome de “bicicleta”, antes de Leônidas, já Petronilho de Brito, irmão de Valdemar de Brito, o descobridor de Pelé, executava esse gesto mirabolante.
Criador ou não da “bicicleta”, a verdade é que Leônidas dominava e executava com perfeição a jogada. A primeira vez que o craque marcou um gol dessa forma foi no dia 24 de Abril de 1932, num jogo de seu time, o Bonsucesso contra o Carioca. Por causa das acrobacias que fazia com a bola, entre elas a "bicicleta", ganhou o apelido de “homem borracha”.
Leônidas nasceu no dia 6 de setembro de 1913 no bairro de São Cristóvaão, no Rio de Janeiro. Sua carreira teve inicio nas peladas dos subúrbios do Rio de Janeiro, no modesto time do Sírio, de onde foi para o São Cristóvão, em 1926 e depois para o Bonsucesso, onde assinou um contrato ilegal em que receberia dinheiro para jogar. Em 1933 Leônidas saiu do Brasil para jogar no Peñarol de Montevidéu. Era uma época em que o futebol no Brasil era amador e hipócrita, mas duro com quem assumia jogar por dinheiro.
Em 1934, o Vasco da Gama que resolveu montar um super time o trouxe de volta ao Brasil, onde foi campeão carioca naquele mesmo ano. Em 1935 jogou no Botafogo, sagrando-se outra vez campeão estadual. Depois foi para o Flamengo, sendo um dos primeiros negros a vestir a camisa do então elitista clube carioca.
Já veterano foi para o São Paulo em 1942, vendido por uma fortuna para a época, 200 contos de réis, a maior quantia paga na América do Sul por um jogador de futebol. Por causa de sua idade avançada foi criticado pelos torcedores rivais que diziam que o tricolor paulista havia adquirido "um bonde velho de 200 contos".
E também por ele ter passado por alguns problemas no joelho e um tempo na prisão devido ter falsificado o certificado de reservista na juventude. Mas a Torcida são-paulina não ligou para as provocações e milhares de pessoas lotaram a Estação do Norte (depois Estação Roosevelt, no bairro do Brás) para recepcionar o jogador que vinha do Rio de Janeiro em um trem da Central do Brasil, contratado pela ousadia do doutor Paulo Machado de Carvalho, então dono da Rádio Record de São Paulo.
A chegada de Leônidas foi um acontecimento marcante, dizem as testemunhas da época. Calculou-se em dez mil o número de torcedores que foram à Estação do Norte, região central de São Paulo, para verem a chegada do artilheiro. Dali, o carregaram nos ombros até a sede do clube, na rua Dom José Gaspar.
A Leônidas se deve o recorde de público do Pacaembu. Em sua estréia, 74.078 pessoas lotaram o estádio, em jogo contra o Corinthians, um empate de 3 X 3. Leônidas não fez gol, mas iniciou ali a sua trajetória de glórias no tricolor paulista, vencendo 5 vezes o campeonato estadual. Mas os rivais tiveram que engolir tudo o que disseram, quando num jogo em pleno Pacaembu contra o Palestra Itália (atual Palmeiras), o craque deu sua resposta marcando um gol de “bicicleta”.
O centroavante sofreu muito com uma derrota frente ao Palmeiras, em 1950 que resultou na perda do tri-campeonato paulista, num jogo que o São Paulo teve um gol anulado pelo juiz Omar Bradley, que mais tarde ficou se sabendo que ele, depois do acontecimento, tinha ido até pular Carnaval no Palmeiras,segundo o jogador tricolor Bauer.
Leônidas marcou 406 gols em sua carreira, sendo 211 pelo São Paulo. Alguns desses gols foram decisivos ou históricos, como na Copa Rio Branco de 1932 quando fez os dois gols na vitória de 2 x 1 sobre o Uruguai, campeão do mundo de 1930 em pleno Estádio Centenário de Montevidéu. Ou na dramática vitória por 6 x 5 contra a Polônia em 1938, quando marcou quatro gols e foi escolhido o melhor jogador da Copa da França e artilheiro com 7 gols.
Diz a lenda que no jogo contra a Polônia, atuou parte da partida sem uma das chuteiras marcando um gol com o pé descalço, o sexto da partida pois em função das chuvas e do gramado encharcado ele arriscou um chute e perdeu o calçado. No mesmo lance a bola voltou para ele que sem pensar enfiou o pé, marcando um bonito gol.
Leônidas marcou 19 gols em 21 jogos oficiais, se tornando o 18º maior artilheiro da história da seleção brasileira e o jogador com a melhor média de gols entre os artilheiros, com aproximadamente 0.90 gols por jogo disputado. Disputou duas Copas do Mundo. Não teve muito sucesso na de 1934 e foi prejudicado pela falta de Copas durante os anos 40, em razão da segunda guerra mundial.
Por onde andou Leônidas colecionou títulos: campeão carioca no Vasco, 1934; campeão carioca no Botafogo, 1935; campeão carioca no Flamengo, 1939; 5 campeonatos paulistas com o São Paulo, 1943, 1945, 1946, 1948 e 1949; pela Seleção, conquistou dois títulos, Copa Rocca e Copa Rio Branco.
Leônidas teve o azar de jogar numa época em que não havia televisão. Era um centroavante técnico, veloz de grande explosão e elasticidade. Quem o viu jogar garante que era tão bom quanto Pelé ou Didi. Graças a sua habilidade e técnica ganhou o apelido de "Diamante Negro", dado pelos jornalistas franceses durante a Copa de 1938.
Foi o primeiro jogador brasileiro a ser objeto de "marketing", já que dava nome a relógios, cigarros e ao famoso chocolate “Diamante Negro”, da Lacta criado em 1938 e que faz sucesso até hoje. Na década de 40, quando jogava no São Paulo, uma companhia de tabaco lançou o cigarro “Leônidas”, pagando ao jogador dez mil réis pelo uso comercial do seu nome.
Leônidas quebrou vários tabus na sua carreira. Durante os anos 30 e especialmente após a Copa do Mundo de 1938, ele se tornou o primeiro grande ídolo nacional negro no esporte. Além de lutar pelo direito de receber salários e valores pelo seu passe, o que lhe rendeu a fama injusta de mercenário.
Em uma enquete realizada para determinar a maior seleção brasileira de todos os tempos Leônidas deixou para traz nomes como Romário, Bebeto, Tostão e Jair e importantes como Ademir e Vavá. Em 1998 na segunda Copa do Mundo da França no jogo Brasil e Chile torcedores abriram uma faixa no estádio em que se lia: "Leônidas vive".
O saudoso e genial cronista Nelson Rodrigues definiu perfeitamente o estilo do craque brasileiro: "Rigorosamente brasileiro, brasileiro da cabeça aos sapatos. Tinha a fantasia, a improvisação, a molecagem, a sensualidade do nosso craque típico”. E Mário Filho,ngrande escritor e jornalista escreveu: "Leônidas não explicava nada. Quando a gente estava arregalando os olhos para ver se via, a mágica estava feita."
Leônidas depois que deixou os gramados foi comentarista esportivo de sucesso. Abandonou a profissão quando começou a apresentar sinais de perda de memória. O ex-jogador, além de ter diabetes, sofria de pneumonia, câncer de próstata e do mal de Alzheimer (doença degenerativa das funções cerebrais). Em seus últimos anos de vida, mais precisamente desde 1993, vivia em uma casa de repouso em Cotia, região metropolitana de São Paulo, tendo todas as despesas da internação (R$ 6.000 mensais) pagas pelo São Paulo e pelo empresário José Lazaro, que se tornou seu amigo nos anos 60.
Leônidas faleceu no dia 24 de Janeiro de 2004, vítima de uma infecção pulmonar. Em 2001, chegou a estar na UTI, resultado de sua cada vez mais debilitada saúde. O corpo do "Diamante Negro" foi velado no Salão Nobre do Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi. O enterro foi realizado no domingo, dia 25, no Cemitério da Paz, também no Bairro do Morumbi, na capital paulista.
Leônidas já não estava mais entre nós quando aconteceu uma jogada que certamente o deixaria perplexo. Um lance mais que inusitado aconteceu na 8ª rodada do Torneio Apertura da Argentina, em 2008. Foi no estádio Monumental de Nuñez, durante o jogo River Plate e Racing. Ainda no primeiro tempo, as duas equipes empatavam por zero a zero quando uma bola foi alçada na área do River.
Na ânsia de afastar o perigo, o zagueiro Facundo Quiroga saltou e, com estilo, bateu de bicicleta. Mas a bola não seguiu o destino desejado pelo zagueirão e acabou morrendo nas próprias redes. Um golaço contra! De bicicleta. No segundo tempo, Quiroga marcou outro, desta vez a favor do River. O jogo terminou empatado em 3 X 3.
Antes disso já havia acontecido em gramados brasileiros um gol de “bicicleta” contra. Foi na Taça belo Horizonte de Juniores, no empate em 1 X 1 entre Cruzeiro X Flamengo. E ainda mais bonito que o de Quiroga. (Pesquisa: Nilo Dias)
Ramon Unzaga, o verdadeiro inventor da "bicicleta"
A famosa "bicicleta" de Leônidas.