Todo o mundo sabe que gandula é aquele garoto escalado para buscar a bola que é chutada para fora do gramado. E que o nome é uma homenagem a um antigo jogador argentino do Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, de nome Bernardo Gandulla, que gostava de correr atrás da bola para devolvê-la, quando saía do campo. Isso contribuiu para que ganhasse a simpatia dos torcedores. Quando retornou para a Argentina, seu nome passou a ser referência para os que apanham as bolas que saem do campo. Mas foi a partir da inauguração do Maracanã, que jovens foram chamados para a função, e logo apelidados de gandulas.
Segundo o Regulamento Geral das Competições, elaborado pela CBF, o clube mandante deve disponibilizar seis gandulas para cada jogo. São obrigatoriamente maiores de 18 anos, assim como nos campeonatos estaduais. Eles ficam em pé devendo buscar a bola e com a maior rapidez e devolvê-la ao campo de jogo.
Quem pensa que o gandula se limita apenas a sua tarefa de recolocar a bola em campo o mais rápido possível, está enganado. Existem registros de várias cenas pitorescas envolvendo esses personagens. A mais famosa de todas, sem dúvida é aquela que aconteceu em 2006, no Estádio Leônidas Camarinha, em Santa Cruz do Rio Pardo, num jogo entre Santacruzense X Atlético Sorocaba, pela Copa Federação Paulista de Futebol
O time sorocabano vencia por 1 X 0 até os 44 minutos do segundo tempo, quando aconteceu o inesperado: houve um lance polêmico que ninguém sabia dizer se tinha sido gol ou não. Foi quando o gandula tocou a bola para dentro do gol. Alguém na arquibancada gritou gol e o auxiliar Marco Antônio de Andrade Motta Júnior correu para o meio do campo, tendo a árbitra Silvia Regina de Oliveira validado o gol.
A brincadeira do gandula custou caro para o seu clube, que foi multado em R$ 50 mil e perdeu o mando de campo por toda a copa, já que segundo a Federação Paulista a culpa foi do clube pelo ato do gandula. Mas o jogo não foi anulado.
Na partida Grêmio Osasco 3 x 2 Juventus, pelo Campeonato Paulista da Série A3 deste ano, o gandula Luiz Antônio da Costa foi expulso pelo árbitro Thiago Luis Scarascatiz, por ter extravasado na comemoração do gol da vitória do seu time. O árbitro colocou o seguinte na súmula do jogo:
“Informo que, aos 82 minutos, expulsei o gandula Luiz Antônio da Costa por comemorar a marcação do terceiro gol da equipe do Grêmio Esportivo Osasco, subindo no alambrado e dando cambalhotas na lateral do campo. Após a expulsão, o mesmo adentrou ao campo de jogo, se deitou no gramado, rolando e saindo correndo fazendo aviãozinho. O mesmo foi retirado pelos fiscais e exerceu resistência para sair de campo”.
O jogo Rio Preto 0 x 1 Corinthians,no Estádio Anísio Haddad, pelo Campeonato Paulista de 2008, foi decidido com um gol de Héverton, mas o personagem principal da partida esteve fora das quatro linhas. O gandula Leandro Augusto Ribeiro chamou a atenção por seu comportamento durante os 90 minutos de jogo. Usando luvas de goleiro, distribuiu carrinhos cinematográficos cada vez que corria para pegar as bolas que caiam fora do gramado.
E o gandula não perdeu tempo, tratou logo de aproveitar o seu momento de fama e deu entrevistas dizendo da vontade de trabalhar num clube grande de São Paulo. “Depois do “Paulistão”, nem sei que campeonato o Rio Preto disputará. Se um time grande quiser me contratar para o segundo semestre, podemos negociar”. Se a transação tivesse se consumado, seria a primeira vez na história que um gandula sairia de um clube para outro.
No Rio Preto, onde começou a atuar em 1999, ganhava entre R$ 25 (jogos com clubes menores) e R$ 30 (contra os times grandes). E ainda recebia um lanchinho com suco no intervalo. Como quase todo garoto, tentou ser jogador de futebol. A carreira de zagueiro do Automóvel Clube ele largou aos 17 anos. Na infância, brincava como goleiro.
Num jogo do “Paulistão” deste ano, o lateral Roberto Carlos, do Corinthians, fez um gol olímpico contra a Portuguesa de Desportos. Para o jogador, o lance deu certo por conta da rapidez do gandula Rafael Nonato, na reposição da bola. Reconhecendo o bom trabalho do rapaz, ao final do jogo Roberto Carlos o presenteou com sua camiseta.
A vida de gandula não é fácil. Alguns jogadores costumam descarregar sua ira contra els. O goleiro Fábio Costa já derrubou um gandula do Flamengo. Consta que no final do jogo pediu desculpas e deu uma camisa ao garoto. Pior fez o goleiro do Bonito, em jogo contra o Corumbaense, em abril de 2007, pelo Campeonato do Mato Grosso do Sul. Agrediu e levou a desmaiar um gandula com apenas 13 anos.
Pela Copa Libertadores de 2008 no jogo Flamengo X Nacional, de Montevidéu, a bola saiu pela lateral esquerda e um gandula retardou a devolução e foi agredido por Toró, que acabou expulso de campo. O goleiro Luiz Müller, quando jogava pelo Brasiliense foi expulso num jogo contra o Santa Cruz, do Recife por agressão ao gandula. Também o goleiro Clemer, no jogo Internacional x Vitória, em 2004, foi expulso pela mesma razão. O goleiro do Vélez Sarsfield, Gaston Sessa, no início deste, ano chutou fortemente uma bola contra um gandula.
Pela Copa do Brasil deste ano no jogo entre Avaí X Botafogo, aos dois minutos do acréscimo do segundo tempo, o gandula Deivid Dias atirou uma bola dentro do campo com a intenção de prejudicar o contra-ataque. Como não houve interferência na jogada a partida prosseguiu. Por esse motivo o gandula foi expulso.
Entre os gandulas mais famosos está o menino José Mourinho Júnior, de 10 anos de idade, filho do técnico José Mourinho, do Real Madrid. Quando do jogo Real Madrid 4 X 0 Getafe, realizado em maio deste ano pelo Campeonato Espanhol, ele atuou pela primeira vez como gandula do clube “merengue”. Segundo informações da imprensa espanhola, o menino, que é goleiro das categorias de base do clube Canillas, pareceu tranquilo e muito atento ao jogo, desde o aquecimento da equipe em campo.
O zagueiro italiano Fabio Cannavaro tem uma história, no mínimo, curiosa. Amante de futebol desde quando era muito novo, nasceu em 1993 e participou da Copa do Mundo de 1990, mas não como jogador. Aproveitando o fato de o Mundial ter sido sediado em sua terra natal, ele trabalhou como gandula da competição. Mal sabia o que o destino lhe reservava exatos 16 anos depois, na Alemanha.
Muitas outras histórias envolvendo gandulas fazem parte do dia-a-dia do futebol. Uma das mais bonitas envolveu a gandula botafoguense Sonja Martinelli, que a TV mostrou chorando após uma derrota do Botafogo de 6 X 0 para o Vasco, em dezembro de 1988, em jogo pela Copa União. Apaixonada pelo alvinegro desde pequenininha ela estava realizando um sonho: chamada para ser gandula do clube, ia poder ver seus ídolos de perto, pisar no gramado do Maracanã. Ao final do jogo, emocionada, verteu lágrimas por ver de perto a goleada sofrida pelo seu Botafogo. (Pesquisa: Nilo Dias)