Na história do futebol são contados muitos casos de façanhas como a do Uruguai, no IV campeonato Mundial, onde um homem dotado de um imenso carisma, se transformou no fator decisivo para uma extraordinária conquista. O futebol tem revelado grandes personagens, que passaram à história por seus brilhantes desempenhos. Entre eles, Édson Arantes do Nascimento, o “Pelé”, Ferenc Puskas, Alfredo Di Stéfano, Johan Cruyff, Michel Platiní, Gerd Müller, Franz Beckenbauer, Lothar Mattheus, Paolo Maldini, Ronaldo (Luís Nazário), Diego Armando Maradona, Zinedine Zidane e muitos outros.
E todos eles se destacaram pela grande técnica que eram possuidores. O difícil foi encontrar um jogador, que com recursos técnicos infinitamente inferiores, tenha se convertido em um personagem mítico, igualando-se aos grandes craques que escreveram a história do futebol mundial.
Obdúlio Varela deixou os gramados em 1955, para dedicar-se a família. O maior espaço de sua vida era para a esposa, os filhos e os amigos mais chegados. No final da carreira, recebeu como recompensa um emprego público no glamuroso Casino Carrasco de Montevidéu, hoje privatizado.
Durante o resto de sua vida foi muito procurado pela imprensa escrita, rádios e por último a televisão. Quase sempre recusava dar entrevistas. Nas várias décadas que se seguiram após sua retirada dos campos, foram poucas as ocasiões em que alguém conversou com ele.
O sujeito era uma fera, não só em campo, mas também fora dele. Sua casa ficava na periferia da capital, próxima a uma poluente fábrica de pneus e era do tipo daquelas que ficam afastadas do portão. Na frente deveria haver um jardim, mas não havia.
Mas dentro dessa grande personalidade, de postura firme e sólida, se ocultava também um homem pobre e humilde. Obdúlio foi diferente daqueles ídolos que depois de saírem de cena, tinham necessidade de aparecer a qualquer custo, de serem reconhecidos, entrevistados, vistos. Pois sem isso parece que ficavam vazios, desprotegidos. Com Obdúlio Varela nada disso aconteceu. Ele não necessitava desses “pontos de apoio”. Ele sempre se considerou acima dessas coisas.
Por causa da personalidade forte, sua vida se resumia as pessoas queridas e aos poucos amigos íntimos. Isso era suficiente para satisfazer o seu modo de vida. Esse homem, que quando jogador podia assustar até mesmo o diabo, bastasse sair do sério, era também de uma personalidade muito sensível. Em 1996 faleceu o grande amor de sua vida, sua esposa Catalina.
Obdúlio Varela não conseguiu suportar a perda, e poucos meses depois, exatamente no dia 2 de agosto do mesmo ano, ele também sucumbiu ante a morte, aos 78 anos de idade. O Presidente da República, Júlio María Sanguinetti, ordenou que fossem tributadas homenagens especiais ao grande herói nacional. Praticamente todo o Uruguai parou para chorar a perda do famoso “Negro Jefe".
O que Obdúlio Varela representou no mundo do futebol, está resumido em algumas frases ditas ou escritas a seu respeito: "Ele não atava as chuteiras com cordões, mas com as veias." (Nélson Rodrigues, jornalista e cronista brasileiro.); “Fiz um país chorar de tristeza mais do que o meu país de alegria. E acho que se pudesse jogar aquela final novamente faria um gol contra.” (O próprio Obdúlio Varela, sobre o dia do fatídico "Maracanazzo" de 1950.)
"Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: porque Obdúlio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos." ((Nelson Rodrigues - Complexo de Vira-Latas - Manchete Esportiva - 31/5/58)); "A humilhação de 50, jamais cicatrizada, ainda pinga sangue. Todo escrete tem sua fera. Naquela ocasião, a fera estava do outro lado e chamava-se Obdúlio Varela". (Nelson Rodrigues). “O tapa em Bigode ardeu no rosto da multidão" (Nélson Rodrigues)
Obdúlio tinha caráter. Na metade dos anos 50, o Peñarol aceitou um contrato de patrocinador, novidade na época, em suas camisas. Os jogadores ganhariam algum dinheiro também. Mas o “Nego Jefe”, que em pouco tempo pararia de jogar, se recusou. O Peñarol entrou em campo com dez jogadores patrocinados, mas Obdúlio preferiu a velha camisa de sempre. E explicou a negativa: "Antes, nós os negros, éramos puxados por uma argola no nariz. Esse tempo já passou”.) Genioso, precisou ser convencido a jogar a Copa no Brasil: julgava-se velho demais.
No gramado, gritava o tempo todo. Nunca perdoou o fato de o tesoureiro da delegação uruguaia ter sumido depois do jogo do Maracanã, o que obrigou os jogadores a fazerem uma “vaquinha” para comprar sanduíches e cervejas para comemorar. Sentia uma amargura pelo descaso dos dirigentes uruguaios para com os campeões, humilhando-os a ponto de alguns terem que viver como funcionários estatais quando deixaram o futebol.
A recompensa pela maior façanha do futebol uruguaio foram medalhas de prata e algum dinheiro para os jogadores. Com o prêmio Obdúlio comprou um carro Ford 1931, que foi roubado uma semana depois. Já os dirigentes, deram medalhas de ouro para eles próprios. Quando terminou tudo aquilo, precisava comprar uns presentinhos para a família, mulher e dois filhos. Não tinha dinheiro, pediu 2.500 pesos de adiantamento, pensando que dariam pelo menos uns 10.000, pouco para quem tinha dado tanta satisfação a uma nação. Com muito custo conseguiu o dinheiro. Disse que queriam humilhá-lo.
Varela, após parar de jogar, tentou ser técnico, mas não conseguiu admitir a interferência de diretores. O velho capitão seguiu então caminho similar aos de seus antigos colegas, cuja maioria ingressara no funcionalismo público. Ele foi trabalhar no Cassino de Montevidéu, onde aposentou-se em 1972, afastado e desgostoso com o futebol da época: "Não presta. Falta raça". Curiosamente, trabalhou ali ao lado do ex-colega de Peñarol e Seleção Uruguaia Alcides Ghiggia.
Obdúlio Varela não viu a camisa celeste e as chuteiras que ele usou em 50 e guardou a vida inteira, serem leiloadas em 2004. A Associação Uruguaia de Futebol as arrebatou e o então presidente do Uruguai, Jorge Batlle, declarou-as "monumentos nacionais". Hoje, estão expostas permanentemente no museu do Estádio Centenário, em Montevidéu, onde, às proximidades, há o "Espacio Libre Obdulio Varela". Foi homenageado postumamente pelo pequeno Villa Española, que batizou seu campo de Estádio Obdúlio Jacinto Varela.
Em sua vitoriosa carreira, Obdúlio Varela foi campeão uruguaio em 1944/45, 1949, 1951, 1953/54, pelo Peñarol. Campeão da Copa América (1942) e Mundial (1950) pela Seleção do Uruguai. Jogou 52 vezes pelo seu país e marcou 8 gols.
O único jogador vivo daquela fabulosa seleção uruguaia de 1950, é Alcides Edgardo Ghiggia, ou simplesmente “Ghiggia”, o homem que marcou o gol que deu o título a “los hermanos”. Ele vai completar 85 anos de idade, no próximo dia 22 de dezembro. Em 2009, emocionado, deixou a marca de seus pés na calçada da fama do estádio que o celebrizou. Orgulha-se ao dizer que apenas ele, João Paulo II e Frank Sinatra calaram o Maracanã.
O gol de Ghiggia provocou um grande silêncio no Maracanã, o mais estrepitoso silêncio da história do futebol. Ary Barroso, músico autor de “Aquarela do Brasil”, que estava transmitindo o jogo para todo o país, decidiu abandonar para sempre a função de narrador de futebol. (Pesquisa: Nilo dias)
Na final de 50, os capitães Obdúlio Varela (Uruguai( e Augusto (Brasil). (Foto: Divulgação)