Não sei se Paulo de Souza Lobo, o “Galego”, foi o melhor treinador de futebol que o interior do Estado do Rio Grande do Sul conheceu. Mas que está entre os mais importantes, não tem a menor dúvida. Eu trabalhava na imprensa de Pelotas quando conheci “Galego” e fui seu amigo por muitos anos. Lembro que suas entrevistas quase não tinham fim por conta das respostas intermináveis. Certa vez pedi que fosse mais objetivo e ele não deixou por menos: só dizia sim, ou não.
Ele era uma figura pitoresca, capaz de protagonizar os episódios mais estranhos. Até uma barraca no meio do gramado do Estádio da Boca do Lobo, do E.C. Pelotas, chegou a montar. Se bem me recordo, foi uma promessa feita para ganhar o campeonato da cidade. Uma ocasião mordeu o dedo em riste de um juiz, desavisadamente em sua cara. Mas, loucuras à parte, sabia como lidar com sua equipe.
Costumava fazer os jogadores apertarem as mãos antes de cada jogo, como demonstração de união, e ensinava o respeito aos adversários, proibindo seus comandados de praticarem jogo violento. Também ensinava pelo exemplo. Insistia para que seus atletas não fumassem e nem bebessem, hábitos que ele nunca teve.
Ele também era um técnico criativo, pois quando estava doente e treinava o Rio-Grandense, as instruções aos jogadores eram mandadas em gravações vindas de Pelotas, onde residia. Galego era assim, uma figura interessante, quase um psicólogo, polêmico, mas de uma enorme competência.
Era casado com dona Geni Rodrigues Lobo, com quem teve três filhos. Eu conheci toda a sua família e muitas vezes o visitei em sua casa no Bairro Simões Lopes. Tudo o que juntou na carreira de jogador e técnico, Paulo de Souza Lobo aplicou na compra de uma frota de táxis, que operavam no ponto frente o Bar Cruz de Malta, no centro da cidade.
“Galego” nasceu em Piratini (RS), no dia 23 de fevereiro de 1926 e faleceu em Pelotas, no dia 9 de outubro de 1996,estando sepultado no Cemitério São Francisco de Paula, daquela cidade. Quando tinha apenas seis anos de idade ficou órfão e foi levado pelo irmão João Alfredo, para morar na "Princesa do Sul". A carreira de futebolista teve início em 1944, nas categorias de base do G.E. Brasil, de Pelotas.
Em 1945 já fazia parte do elenco de profissionais, promovido pelo técnico José Duarte Júnior, “Teté”. Seu primeiro jogo no time de cima foi um amistoso disputado em Pelotas, no dia 10 de junho de 1945, contra o Guarany, de Bagé, em que o Brasil venceu por 3 X 1.
Era um centro-médio de técnica apurada, ora defendendo, ora armando e um líder nato dentro de campo. Como jogador teve a oportunidade de enfrentar consagrados “monstros” do futebol brasileiro, como Jair da Rosa Pinto e Zizinho, que atuaram em jogos amistosos em Pelotas, frente o G.E. Brasil.
Em 1952 foi emprestado ao Cruzeiro de Porto Alegre. Não teve sorte, ficou apenas cinco meses no “estrelado” da capital, pois acabou sofrendo uma séria lesão em um dos joelhos, e em conseqüência teve de abandonar precocemente a carreira de jogador, aos 26 anos de idade. O técnico do Cruzeiro era Gentil Cardoso, que teve influência decisiva na sua carreira como treinador. Como atleta “Galego” participou de 185 jogos e marcou 76 gols.
Seu último jogo como atleta profissional foi no dia 29 de março de 1953, um amistoso em que o Brasil foi goleado pelo Olaria, do Rio de Janeiro, por 7 X 4. Depois foi aproveitado como técnico das categorias de base. E deu certo, tanto que ao final do ano já era treinador dos profissionais. E se sagrou tri-campeão da cidade, 1953, 1954 e 1955.
Seu primeiro jogo como treinador foi no dia 19 de abril de 1953, quando o Brasil perdeu de 2 X 1 para o Pelotas, pelo Torneio Quadrangular. Em 1956 foi contratado pelo rival E.C. Pelotas e continuou a empilhar títulos. No áureo-cerúleo foi também tri-campeão municipal, em 1956, 1957 e 1958. Ao final de 1955 jogou futebol de salão no time do E.C. Pelotas, que recém havia sido organizado para disputar o campeonato da cidade.
Paulo de Souza Lobo ficou no E.C. Pelotas até 1962. Em 1963 estava de volta ao G.E. Brasil, onde permaneceu até 1966, ano em que foi técnico do G.A. Farroupilha, de Pelotas. Em 1967 comandou o F.B.C. Rio-Grandense, de Rio Grande e em 1968 o S.C. São Paulo, também da “cidade marítima”. Ao final de 1968 voltou ao G.E. Brasil, onde ficou até 1970.
Em 1971 “Galego” foi contratado pelo G.E. Bagé, onde permaneceu até 1977, voltando em 1979 e deixando definitivamente o clube em 1980. Ele escreveu seu nome história do tradicional clube bageense, sendo o técnico que mais tempo permaneceu à frente do jalde-negro: foram 405 jogos, número jamais alcançado por outro treinador.
Sua passagem por Bagé foi tão marcante, que em 1977 foi condecorado com o título de “Cidadão Bageense”, através de um decreto aprovado pela Câmara Municipal de Vereadores, por indicação do Vereador Iolando Maurente, que disse na ocasião: “... um desprendido homem que sendo pago para ministrar futebol e fabricar vitórias para alegrar o povo, também forma ideais, cuida do homem pelo homem, ensina a vida pela vida, revela talentos, exerce liderança e assume, contesta, explica, entende. Paulo de Souza Lobo fez. Fez alegria dentro e fora do estádio.”
Também foi agraciado com a "Figueira de Bronze", que destaca pessoas dos mais diferentes ramos de atividades na zona sul do Estado, outorgado em 1983. E recebeu o título de “Cidadão Pelotense”, pela Câmara Municipal de Pelotas, em 5 de outubro de 1988.
Foi considerado inúmeras vezes "melhor treinador do ano" em Bagé e Pelotas. Foi sócio laureado pela Federação Gaúcha de Futebol. No dia 9 de fevereiro de 1994, “Galego” foi homenageado pela diretoria do E.C. Pelotas, durante um almoço que contou com a presença na época do técnico da Seleção Brasileira, Carlos Alberto Parreira, e de seu auxiliar Zagalo. Uma rua do Pontal da Barra, em Pelotas, tem o nome de Paulo de Souza Lobo.
Durante mais de 40 anos de carreira, “Galego” trabalhou em apenas três cidades e sete clubes. Pelotas, onde treinou G.E. Brasil, E.C. Pelotas e G.A. Farroupilha, Rio Grande, onde comandou o F.B.C. Rio-Grandense e Sport Club São Paulo, e Bagé, onde foi treinador do G.E. Bagé e do Guarany F.C. Em três oportunidades treinou seleções gaúchas, contando com jogadores que jogavam nos clubes do interior. Seu último jogo como treinador foi no dia 29 de novembro de 1992, pelo Campeonato Estadual da 1ª Divisão, um clássico Bra-Pel, vencido pelo Pelotas, por 1 X 0.
Sempre dizia que os melhores treinadores que conheceu foram Gentil Cardoso e José Duarte Junior, o saudoso “Teté”. Antes de se tornar profissional, o seu ídolo era Teotônio Soares, ex-atacante do Brasil e que depois foi árbitro do futebol pelotense. Vários foram os jogadores revelados por “Galego”, entre eles Joaquinzinho, Suly, Ademir Alcântara e João Borges.
O consagrado treinador nunca quis treinar Grêmio e Internacional, embora tenha recebido vários convites nesse sentido. Ele achava que num clube grande sua maneira de trabalhar não seria bem aceita. Não gostava que se intrometessem naquilo que fazia. Ele saiu do próprio Brasil, em 1992, por divergir de alguns dirigentes. Nunca assinou um contrato formal como treinador. Ele acreditava que a palavra de um homem valia mais que qualquer papel.
Foi sempre bem mais que um treinador. Gostava de cuidar de tudo, nos mínimos detalhes. Não raras vezes foi cozinheiro, massagista, roupeiro, conselheiro, pai, amigo e segurança. Fazia rifas para ajudar o clube, cuidava da concentração, amparava famílias de jogadores, enfim, era um verdadeiro pai de todos.
Se algum jogador, em véspera de jogo pensasse em dar uma “fugidinha” da concentração, para ver como as coisas estavam do lado de fora, acabava desistindo, pois “Galego” sempre estava por perto. Nas concentrações, fazia questão de ele mesmo entregar o lanche aos atletas. Cuidava de todos como se fossem seus filhos.
Ao final dos treinos sempre reservava uma boa surpresa, fossem rodadas de melancias, que ele mesmo fazia questão de cortar e entregar os pedaços aos atletas, ou passeios em um dos carros novos que comprava para o ponto de taxi. Os seus atletas eram os primeiros a darem uma voltinha para experimentar.
“Galego” dirigiu a dupla Bra-Pel por cerca de 30 anos, estando sempre acima da rivalidade existente entre os dois tradicionais clubes da cidade. Treinou o “xavante” em 455 jogos, nos períodos de 1953 à 1955, 1962 à 1966, 1981 à 1982, 1989 e 1991 à 1992. Somando os 185 jogos como atleta, participou de 637 partidas pelo rubro-negro.
Títulos e troféus conquistados como jogador: Campeão Pelotense (1946, 1948, 1949, 1950, 1952); Campeão Regional (1949 e 1950); Campeão da Taça Eficiência (1945, 1946, 1947, 1948, 1949, 1950, 1951 e 1952); Campeão da Taça Galenogal Ltda – Torneio Início (1947); Taça Ouriversaria Cruz – Citadino (1950); Campeão da Taça Prefeitura Municipal de Pelotas – Festa de Encerramento da Liga Pelotense de Futebol - Temporada 1947; Campeão do Torneio Dia do Futebol (1949); Campeão do Torneio Início (1947); Campeão do Torneio Pelotas-Rio Grande (1952).
Títulos e troféus como treinador. Campeão da Cidade (1953, 1954, 1955, 1962, 1963, 1964 e 1982; Campeão da Copa Clébel Furtado (1992); Vice-Campeão Estadual (1953, 1954 e 1955); Campeão do Estadual da Divisão de Acesso (1991); Campeão do Interior (1953, 1954, 1955 e 1963); Campeão Regional (1953, 1954, 1955 e 1961); Campeão da Taça Casa Oliveira (1955); Campeão da Taça Cidade de Porto Alegre (1991); Campeão da Taça Eficiência (1953, 1954 e 1955); Campeão do Torneio Avant-Premiére (1963); Campeão do Torneio Início (1954, 1955, 1964 e 1965); Campeão do Torneio Início da Federação Gaúcha de Futebol (1965); Campeão do Torneio Quadrangular Barutot Veloso (1963); Campeão do Torneio Triangular Bagé-Pelotas (1954); Campeão do Troféu Doutor Waldemar Fetter (1965).
Quando Paulo de Souza Lobo, o “Galego”” morreu, a Federação Gaúcha de Futebol decretou três dias de luto oficial, e ordenou que em cada jogo de futebol realizado no Estado, fosse dedicado um minuto de silêncio em respeito à sua memória. (Pesquisa: Nilo Dias)