Cândido José dos Santos, o “Bataclan” foi uma figura como poucos. Eu cheguei a conhecê-lo nos anos 60, quando de suas visitas a Pelotas e Rio Grande. Lembro bem dele. Era um negro alto e forte, que as vezes andava de calção e camisa regata, correndo pelas ruas das cidades e outras elegantemente vestido de terno branco, camisa social, gravata, cartola e óculos de sombra.
Eu cheguei a entrevistá-lo, nos meus tempos de Rádio Tupancy, de Pelotas. Pena que não tenha guardado a gravação, senão saberia dizer com certeza detalhes da vida desse extraordinário e folclórico personagem. Pelo que sei o pesquisador Marcello Campos, autor de biografias de personagens como Norberto Baldauf e Alcides Gonçalves, estava preparando um livro sobre a história de “Bataclan”. Não sei se essa obra já foi lançada. O certo é que em Porto Alegre existe uma banda chamada “Bataclan F.C.”, que homenageia o atleta.
Talvez nesse livro o autor tire todas as dúvidas sobre a vida de “Bataclan”, um catarinense nascido em 1896, que como um verdadeiro cigano, percorreu o país quase de ponta a ponta. O certo é que ele andou por cidades como Rio de janeiro, Florianópolis e Curitiba antes de vir morar em Porto Alegre, na década de 1940.
Existem dúvidas se ele era realmente um dos membros do grupo teatral carioca “Companhia Negra de Revista”, que atuou apenas nos anos de 1926 e 1927. Ele garantia que isso era verdade. Não demorou para que “Bataclan” se tornasse famoso na cidade. Há quem diga que ele foi o mais querido personagem popular de todos os tempos em Porto Alegre.
De manhã, fizesse frio ou calor, era comum vê-lo correndo pelas ruas da capital, de calção e às vezes descalço. À tarde, exibia a herança dos tempos de teatro: vestindo terno, gravata e cartola. Percorria o centro da Capital propagandeando lojas, bares, bebidas, sabões e colchões, entre muitos outros produtos. Na época era chamado de “reclamista”.
“Bataclan” foi também um grande desportista, admirador do futebol e frequentador assíduo dos estádios. Em dias de jogos, muitas vezes distribuía alimentos para famílias pobres. Era um propagador das vantagens de uma alimentação natural.
Era vegetariano e não fumava, nem bebia. Tanto que viveu até os 94 anos. “Bataclan” faleceu em setembro de 1990, vitima de um derrame cerebral. Seu velório foi realizado no Salão Nobre da Prefeitura de Porto Alegre.
Aos fins de tarde “Bataclan” costumava sentar em um banco da Praça da Alfândega com a Rua da Praia, para descansar depois de um dia cheio de trabalho. Para todos que passavam sempre tinha um sorriso nos lábios. Chamava a atenção dos transeuntes com um aceno, tendo nas mãos um ramalhete de flores.
Ele era uma verdadeira estrela dos reclames de rua. Quase sempre levava consigo um artigo de jornal datado de 1941, em que era citado como “o popularíssimo propagandista verbal, conhecido em várias capitais do país por seus originalíssimos anúncios”.
Nos momentos de descanso e de lazer, “Bataclan” vestia seu tradicional e elegante terno branco enfeitado por um cravo vermelho preso à lapela. Contador de histórias, gostava de conversar e relatar coisas ligadas ao fisiculturismo.
Ele como bom vegetariano dizia que o marinheiro “Popye” adquiria sua força em virtude de uma dieta baseada em espinafres. E afirmava que ele também mantinha um físico atlético impecável, graças a seus hábitos saudáveis. E era verdade. “Bataclan” exibia os privilégios de uma constituição física olímpica praticando o seu coopermatinal pela cidade. E se não foi o primeiro corredor de Porto Alegre, certamente foi o mais ilustre.
“Bataclan” gostava de contar que certa vez correu sem parar para dormir ou descansar, durante quatro dias e três noites seguidos, margeando o Guaíba durante o crepúsculo. Não se sabe ao certo se isso realmente aconteceu, ou era apenas uma das muitas histórias que criava. Dizia ter dado uma centena de voltas no Gigante da Beira-Rio e depois, para não ser injusto, repetira o mesmo feito no Olímpico Monumental da Azenha.
De como ziguezagueara entre os túmulos dos cemitérios da Oscar Pereira orando a Deus pela alma de todos que ali jaziam e acenara de longe para os internos ao passar em frente do São Pedro; falou da cobertura da imprensa local e de como prestara esclarecimentos de seu desaparecimento a policiais que o acompanhavam numa viatura em movimento para que ele não perdesse o ritmo.
Lembrou a multidão que o ovacionara ao cruzar o Parque da Redenção e a bronca que levara da mulher ao chegar em casa. E concluiu dizendo que não se sentira exausto e nem angustiado. (Pesquisa: Nilo Dias)
A elegância de Bataclan contador de histórias. (Foto: Luiz, BD, 22/9/1976)