O Sport Club Guarany foi fundado numa data muito especial para todos os gaúchos: 20 de setembro, dia em que se comemora também o aniversário da Revolução Farroupilha, o épico episódio que durou longos 10 anos e até hoje é reverenciado. O clube de Cruz Alta, que ainda é chamado por seus torcedores de "Jequitibá da Serra", nasceu da vontade de um grupo de desportistas que desejava criar um time de futebol na cidade.
O nome escolhido foi Sport Club Guarany e o primeiro presidente e responsável maior pela fundação do clube foi Epaminondas Vaz, que hoje é o patrono da entidade. O clube treinava num campo aberto pertencente a firma Furian & Cia., atual Vila Brenner. Mas os jogos eram realizados no estádio “Mangueirão”, conhecido como “Colina Pão dos Pobres”, em virtude dos circos instalados lá, onde hoje está localizado o Ginásio Municipal.
A partir de 1930, mudou-se para o terreno junto ao Asilo Santo Antônio. Em 1941, o clube começou a construir a “Taba Índia”, excelente para os padrões da época, merecendo até mesmo reportagens na imprensa da Capital.
No primeiro jogo da história o Guarany empatou em 2 X 2 com o Grêmio Foot-Ball Cruz-Altense. Dois anos depois, o Cruz-Altense, após amargar uma derrota de 8 X 0 em Júlio de Castilhos, fundiu-se ao Guarany.
Naquele tempo o futebol de Cruz Alta, além do Guarany, carecia de outras boas equipes. Foi quando em 1914 surgiu o Arranca Futebol Clube, apelidado de “Arranca-Toco”, que durante muitos anos foi o mais tradicional adversário do “Bugre”.
Até 1916. A goleada provocou uma baderna geral na cidade, com brigas entre torcedores dos dois clubes. Depois do vexame os dirigentes do Guarany decidiram em Assembleia, que teve a presença de mais de 60 associados, ficou decidido não mais jogar contra o rival.
Em 1919, sem a realização do Campeonato de Cruz Alta, o Guarany foi jogar na vizinha cidade de Ijuí contra o clube local do Riograndense. Um massacre de 21 X 0 foi o resultado a favor do time “índio”, a maior goleada registrada em sua história. Como não poderia deixar de ser, ao final do jogo o time de Ijui enrolou a bandeira. Com o fim do Riograndense surgiu o 19 de Outubro, que deu origem ao atual São Luiz.
A desavença entre Guarany e Arranca durou até 1921, quando a então Federação Rio-Grandense de Desportos (FRGD e atual FGF) decidiu intervir para acabar com a briga, sob pena das duas agremiações serem expulsas. Com o recomeço do campeonato municipal, em 18 de setembro daquele mesmo ano o Guarany, ganhou por 2 x 1 em casa, e uma semana depois sagrou-se campeão ao empatar em 2 X 2 no reduto adversário.
Em 1922 o Guarany foi a Porto Alegre para ser derrotado pelo Grêmio por 5 X 0. O resultado até que podia ter sido maior, não fossem as grandes defesas praticadas pelo goleiro Dornelles, considerado pela critica o grande nome do jogo. Também mereceram elogios os jogadores cruzaltenses Breno Ribeiro, Cascudo e Romagna, este depois convocado para o scratch gaúcho.
Para aliviar o baque de tão estrondosa derrota, o Guarany conseguiu o bicampeonato da cidade, fazendo a festa no novo estádio do Arranca, que fora inaugurado apenas dois meses antes. Ainda em 1922, o Guarany disputou as finais do Campeonato Estadual, quando colocou em campo um dos melhores times de sua história.
Em Porto Alegre, pela semifinal, aconteceu um jogo polêmico. O Grêmio, que estava vencendo por 1 X 0, sofreu o gol de empate, mas o juiz anulou, gerando uma grande revolta por parte dos jogadores e dirigentes do clube de Cruz Alta. Não demorou e o Grêmio fez 2 X 0, em outro lance duvidoso. Em vez de tiro de meta o juiz marcou escanteio. Inconformados, os jogadores do Guarany se retiraram de campo e a Diretoria decidiu pela desfiliação do clube da FRGD.
No ano seguinte, à Revolução Federalista impediu a realização de competições esportivas no Estado. Em 1924, o Guarany foi campeão da cidade por W.O, pois o Arranca não quis entrar em campo para o jogo decisivo, por estar desfalcado de cinco de seus principais jogadores.
Em 1925, o torcedor famoso, Érico Veríssimo, assumiu a secretaria do clube, sendo responsável pela elaboração das atas. Ficou no cargo até 1927.
Ainda em 1925, quando já era chamado pelos torcedores de "Jequitibá da Serra", o Guarany mais uma vez venceu o certame municipal, derrotando o Arranca por 2 X 1 no primeiro jogo e empatando o segundo em 1 X 1.
Com isso ganhou o direito de participar do Campeonato Estadual, disputando a Chave da 5ª Região. Depois de eliminar o 14 de Julho, de Passo Fundo, jogou e ganhou do Bataclan, de Santa Maria por 4 X 3, conquistando o título de campeão da Serra e carimbando o passaporte para as finais em Porto Alegre.
Aí a coisa ficou mais difícil. Já de cara enfrentou o poderoso Grêmio Portoalegrense, para quem perdeu por 1 X 0, gol de Luiz Carvalho. Acabou a competição como terceiro classificado.
Nos dois anos seguintes a história se repetiu em Cruz Alta, com mais dois títulos municipais do Guarany, que se sagrou exa-campeão. Em 1927 o estádio do Arranca, que se localizava à beira da ferrovia, pegou fogo, provavelmente iniciado com as faíscas das locomotivas. Com o sinistro desapareceu toda a documentação e os troféus conquistados pelo clube.
Diante do incêndio, foi construída uma nova sede localizada na rua General Osório, antiga Cooperativa Tritícola, onde foi colocado no alto do prédio, um leão, porque o clube era identificado como o “Leão da Serra”. Depois, o mesmo leão foi destinado ao E. C. Nacional, período em que o Arranca foi desativado e o Nacional fundado, herdando o título de “Leão da Serra”.
No inverso do ditado, “depois da bonança vem a tempestade”, em 1928 morreu o ex-presidente do clube José Laydner. E como se isso não bastasse, o “back-half” (volante de hoje) Guilherme Schroeder, apelidado pelos companheiros de “Risadinha”, por estar sempre rindo, deixou o Guarany, se transferindo para o Internacional.
Na concentração, quando estava mais sério, era chamado de "Risada", apelido que se consolidou quando atuou pelo colorado gaúcho.
Ele até foi chamado de "Nenê", o que gerava uma grande confusão, parecendo que não tinha nome. Era o destaque do time e foi convocado para a seleção gaúcha.
Em 1928 o Arranca começou a temporada bem melhor, vencendo os dois amistosos realizados para a preparação da temporada, por 3 X 1 e 3 X 0. No segundo jogo aconteceu de tudo, invasão de campo por torcedores, pontapés, socos, tapas e até bengaladas.
O Arranca recuperou a condição de campeão da cidade, ao golear o Guarany por 4 X 1 no prélio final, quando novamente se registraram brigas por todos os cantos do estádio.
No dia 16 de novembro de 1928 foi realizado o último jogo da história entre Guarany X Arranca. Foi em disputa da “Taça Royal Card”. O resultado final de 1 X 1 garantiu o troféu ao Arranca, por ter um escanteio a mais.
Em 1929 o Guarany inaugurou seu estádio, que provavelmente também se encontrava no mesmo terreno onde hoje se encontra a “Taba Índia”. Como o Arranca estava enfrentando um período de crise, e se voltava mais para atividades sociais, nesse ano não houve o campeonato da cidade.
Não demorou para que o Arranca encerrasse as atividades, o que aconteceu em 8 de setembro. Só restou a sede social, atualmente uma das maiores do Estado.
Com a extinção do grande rival surgiram outros adversários, o Rio-Grandense e Clube Internacional Recreativo. Também fizeram parte do futebol de Cruz Alta, porém em épocas diferentes, o Grêmio Foot-Ball Cruz-Altense, Serrano e Santa Cecília, que representava os militares.
Quando o E. C. Nacional foi fundado, em 1941, o seu estádio foi construído onde funcionava uma hípica, permanecendo até hoje sob o nome de estádio do “Morro dos Ventos Uivantes”.
O Riograndense iniciou suas atividades no ano de 1929, no espaço onde funciona hoje a empresa Coceagro. Na sua inauguração os torcedores, autoridades e jogadores chegaram de trem até o local. Após, durante nove anos, até 1954, quando inaugurou o estádio “Brasil Siqueira Borges”. O clube também utilizou o estádio da “Baixada”, na Vila Central,
Em 1930, o Guarany também não suportou as dificuldades financeiras e fechou as portas, só retornando 12 anos depois, já na antiga "Taba Índia".
A “Taba Índia” foi inaugurada em 20 de agosto de 1942, num jogo amistoso contra o Riograndense local. O estádio tinha um pavilhão feito de tijolo e madeira. E ficou assim até a década de 1980, quando o estádio passou por uma grande reforma. A inauguração da nova “Taba Índia”, que pode abrigar até 10 mil torcedores, aconteceu no dia 7 de abril de 1985, com um jogo amistoso entre Guarany X Gaúcho, de Passo Fundo.
Em 13 de novembro de 1985 foi inaugurado o sistema de iluminação do estádio, com o jogo amistoso Guarany 0 X 2 Nacional, de Montevidéu. O futebol profissional só foi estabelecido em Cruz Alta a partir de 1953.
Em 27 de dezembro de 1971 houve a fusão entre S.C. Guarany e E.C. Nacional, sendo criada a Associação Cruz Alta de Futebol (Acafol), tendo como presidente o desportista Elias Martins. As cores do clube eram o azul e branco. A nova agremiação disputou a Copa Governador do estado de 1972 e 1973, além do Campeonato Gaúcho da Segunda Divisão. Durou apenas dois anos.
No final dos anos 90 jogou no Guarany o veterano goleiro Geraldo Pereira de Matos Filho, mais conhecido como Mazzaropi. Ele encerrou a vitoriosa carreira no clube cruz-altense.
Um dos mais destacados jogadores da história do Guarany foi o goleiro Lino Ceretta, militar reformado e pesquisador do futebol, que atuou no clube de 1951 a 1966, participando de mais de 300 jogos.
Foi campeão municipal em sete oportunidades, sendo uma delas pelo Riograndense, que vinha de um jejum de 19 anos. Foi num período em que o Guarany estava licenciado. Também foi duas vezes campeão estadual da Segunda Divisão de Profissionais e vice uma vez.
O último jogo da carreira de Ceretta foi um clássico contra o Nacional, disputado em 23 de outubro de 1966, com vitória bugrina por 2 x 1.
Depois que deixou os gramados foi dirigente do Guarany, repórter, comentarista e narrador de futebol de uma das emissoras de rádio da cidade.
Em 1996 e 1997 o clube esteve licenciado. Em 1998, 1999 e 2000 participou da Segundona Gaúcha, sem conseguir classificação para a Divisão Principal.
Apesar de momentos memoráveis, por falta de patrocinadores e apoiadores, o Sport Clube Guarany fechou as portas em 2001, deixando a cidade sem representatividade esportiva no cenário do esporte Gaúcho. Foi o clube de futebol de mais longa atividade na cidade.
Em 27 de dezembro de 2011, um acidente ocorrido na ERS 122, em Ipê, na serra gaúcha, causou a morte de Marcos Antônio Lemos Tozzi, o “Catê”, de 38 anos. O Fiat Uno Mille que ele conduzia chocou-se com uma carreta Scania que trafegava no sentido Ipê-Vacaria.
Catê iniciou a carreira nas categorias de base do Guarany, de Cruz Alta, indo depois para o Grêmio. Passou pelas seleções de base do Brasil, foi para o São Paulo, onde se sagrou campeão mundial de clubes em 1992, jogou no Cruzeiro, de Minas Gerais, voltou ao São Paulo e atuou ainda pela Universidad Católica do Chile, Sampdoria, da Itália e no retorno ao Brasil jogou pelo Flamengo. Depois de encerrar a carreira de jogador treinou o Brusque, de Santa Catarina.
O S.C. Guarany foi campeão de Cruz Alta em 14 oportunidades (1914, 1916, 1921, 1922, 1924, 1925, 1926, 1927, 1946, 1956, 1958, 1962, 1963 e 1966); conquistou três Campeonatos Estaduais da 2ª Divisão (1954, 1959 e 1987); um Campeonato Gaúcho da 3ª Divisão (1985) e o Campeonato da Serra (1955).
Dentro das comemorações do centenário do S.C. Guarany, os acadêmicos de Jornalismo da Universidade de Cruz Alta, Davi Pereira, Oscar Van Riel, Adrieli Fogaça, Pedro Henrique Amarante e Marcos Nogueira, organizaram um documentário intitulado “Taba de Memórias”.
O documentário com cerca de 30 minutos de duração, foi realizado no primeiro semestre deste ano e destaca as memórias de torcedores e ex-atletas sobre a história do tradicional clube de Cruz Alta. Foram ouvidos os ex-jogadores Teixeirinha, Batista, Rafael Reis e Cristiano Prudêncio, a torcedora Nice Padilha, o líder da torcida organizada Irineu Bilibio e o ex-jogador e historiador Lino Ceretta. A película foi exibida dia 5 de setembro, no Salão Nobre da Unicruz. (Pesquisa: Nilo Dias)
S.C. Guarany, na década de 1920. (Foto: Arquivo particular do pesquisador Lino Ceretta)