domingo, 23 de março de 2014

Um patrimônio do rádio de Rio Grande


Dia desses o amigo Cláudio Carvalho de Moura, riograndino de nascimento, ardoroso torcedor do veterano Sport Club Rio Grande, o “vovô” do futebol brasileiro, “provocou” uma interessante troca de informações no “Facebook” a respeito da Rádio Cultura Riograndina, que no último dia 14 comemorou 72 anos de fundação. É a mais velha emisora de rádio da cidade de Rio Grande, a mais antiga cidade gaúcha, fundada em 1737.

A Rádio Cultura foi a primeira rádio da cidade de Rio Grande, fundada em 14 de março de 1942 com o nome de Rádio Cultura Riograndina. A emissora, idealizada por Alcides Lima Faria, surgiu através do esforço de um grupo de entusiastas, liderado pelo filho de Alcides, Ay Lima, que possibilitou a continuidade de suas transmissões em um período muito difícil.

Eu também participei das reveladoras postagens, pois tive a honra de fazer parte da equipe de funcionários da emissora, junto de minha esposa a jornalista Teresinha Motta. Foi uma época de muitas e boas lembranças. Fui chefe dos Departamentos de Esportes e de Jornalismo e tenho convicção de que colaborei para uma guinada de 360 graus, no modo de fazer rádio na cidade de Rio Grande.

Sob a direção do saudoso engenheiro doutor Paulo Naois Coelho, a emissora que recém havia sido adquirida pelo Grupo Delfim, de propriedade do empresário riograndino Ronald Levinsohn. A Delfim era, na época, a maior Caderneta de Poupança do país. Fui escolhido pelo diretor para levar adiante o projeto de mudança da imagem da rádio. E para isso ganhei carta branca e dei ínicio a uma verdadeira revolução.

Comecei mudando integralmente a programação, que até então não apresentava nenhum atrativo, estava repleta de programas religiosos. Mesmo não tendo nada contra religiões, decidi  tirar quase todos do ar.

Ficaram um ou dois, que eram programas bem organizados e até contavam com relativo número de ouvintes, apresentados pelos pastores Belmar Alves Clarindo e Vanderli dos Reis, embora a audiência geral estivesse pouco acima de zero.

Na verdade, só o programa de avisos ao meio-dia tinha grande audiência, e assim mesmo no interior dos municípios de Rio Grande e São José do Norte.

As mudanças começaram de manhã bem cedo, com a vinda de Airton Lopes da Silva, para apresentar das 5 às 7 da manhã o programa “Gente da Gente”, que não demorou para ser o líder de audiência no horário.

Depois, das 7 às 8 da manhã eu e o saudoso amigo e advogado, Jorge Ravara, apresentávamos o programa “Roda Viva”, pioneiro na cidade de Rio Grande, com entrevistas e comentários.

Das 8 às 10 horas o programa “Gley Santana”. E das 10 ao meio-dia o programa de Jonas Cardoso, uma das mais bonitas vozes do rádio gaúcho. Eu fui buscar o Gley em Pelotas, para ser o narrador principal de futebol da rádio. E o Jonas, na Rádio Minuano, também de Rio Grande.

Ao meio-dia o programa de avisos “Alô, Alò Zona Sul”, na voz inconfundível de Delmar Pacheco. Os programas da tarde foram entregues a Cleusa Pimenta, das 14 às 16 horas e a João Luiz Cardoso, das 16 às 18 horas. Os dois fizeram grande sucesso na época.

O João Luiz Cardoso depois trabalhou na Rádio Batovi, em São Gabriel, também levado por mim. A Cleusa eu fui buscar em Pelotas. O programa de esportes ia das 18 às 19 horas e era apresentado por mim e pelo Gley Santana.

Às 22 horas ia ao ar o “Grande Jornal Falado”, com apresentação do Edson Figueiredo e Pedro Aguiar. O Pedro Aguiar, tempos depois foi o primeiro narrador de futebol da Rádio Batovi, de São Gabriel.

O Departamento de Notícias era formado por mim, minha esposa Teresinha Motta, o jornalista Carlos Thompson, atualmente trabalhando em São Paulo, Édson Costa, que até hoje continua na emissora, Gley Santana, Pedro Aguiar, Jonas Cardoso e Delmar Pacheco.

O Departamento de Esportes tinha os narradores Pedro Pinheiro, Gley Santana, Mário Lima e Elodir José, catarinense vindo de Xanxerê. Os comentaristas eram Antônio Azambuja Nunes, o “Nico”, grande artilheiro do futebol de Rio Grande, o saudoso Jorge Ravara e Ney Amado Costa.

Os repórteres eram Horácio Gomes, o melhor profissional que conheci em toda a minha vida, na atividade, Édson Figueiredo, Sérgio Satt, que também comentava e o ex-jogador de futebol dos três clubes da cidade, João Ferreira. O plantão esportivo era Denis Olinto, que depois brilhou na radiofonia de Porto Alegre.

O Denis, a exemplo do saudoso Dinei Avelar, em Pelotas, eu “encontrei” em uma série de testes que promovi na Riograndina e na Tupancy. Eu, como chefe e o mais experiente da equipe fazia de tudo um pouco, era um verdadeiro “homem dos sete instrumentos”, narrava, comentava e fazia reportagens, além de ajudar na montagem técnica para as transmissões.

Um amigo meu, o jornalista Paulo Mattos, que hoje reside no litoral gaúcho, quando colegas de rádio em São Gabriel, costumava dizer que quem cria “monstros” é “monstruário”, uma brincadeira saudável, em alusão aos companheiros que coloquei na profissão. E foram muitos.

Aqueles três anos de ouro em que estive na Cultura Riograndina, nunca mais esquecerei. Foi um tempo bom em que a satisfação pessoal pelo dever cumprido foi muito grande. Escrevemos páginas imorredouras na história do rádio de Rio Grande.

Acompanhavámos os times de futebol de campo e de salão da cidade, onde quer que estivéssem, dentro e fora da cidade e do Estado. Também cobrimos a Seleção Brasileira, que se preparava para a Copa de 1982, na Espanha. Nossa equipe viajou por vários locais do Brasil, coisa antes nunca vista na imprensa local.

Havia muita coisa boa na emissora. Aos sábados pela manhã eu apresentava o programa tradicionalista “Nativismo”. Depois vinha um programa de Variedades, apresentado pelas amigas Iara Bandeira, que foi minha colega na Sucursal da Companhia Jornalística Caldas Júnior, em Rio Grande e pela jornalista Regina Alvarez, hoje trabalhando na Sucursal de “O Globo”, em Brasília.

Apenas para ilustrar esta modesta peça de saudade, vale a pena contar algumas historinhas, das muitas vivenciadas na rádio, com a ajuda de colegas.

Acho que a principal e mais conhecida delas, diz respeito à assombração do velho prédio da avenida Silva Paes. Bem em cima havia uma casa, onde por muitos anos morou o funcionário Celso Flores.

O seu Sadi, da parte técnica, contava que à noite se ouvia barulhos de janelas e portas se abrindo, se fechando e batendo, ruídos que vinham da casa. Barulhos de chuva, quando não havia uma só nuvem no céu e de vidros quebrando, sem que se encontrasse um único caco no chão.

O Jose Carlos Rocha, eficiente operador de som me garantiu que não gostava de trabalhar a noite, acrescentando que foram inúmeras vezes que ouviu passos na escada, quando não tinha ninguém. Ele conta que nunca chegou a ver, mas o locutor Carlos Fuão jurava que sempre, exatamente a meia noite, uma noiva toda de branco descia as escadas da rádio.

Seria interessante uma pesquisa sobre a história do prédio, para se chegar fundo na origem dessas histórias. Será que ali morou alguma jovem que se tornou noiva e algo aconteceu com ela? Quem sabe se ache uma explicação para tudo o que contam.

O José Carlos Rocha também disse que ouvia barulho dos teclados de máquinas de escrever em pleno funcionamento no Departamento de Notícias, sem que alguém estivesse lá. E que luzes acendiam e apagavam sozinhas.

Já o Edson Costa, de muitos anos na casa, conta que o operador de som dos anos 80, Mário Franco, que também apresentava um programa musical na madrugada e outro aos sábados no final da tarde, certa noite levou um grande susto, que quase o derrubou no chão do estádio de locução. Ele viu um "gato preto" estendido nas costas do Celso Freitas, que estava no controle de som. Este garantiu que não houve nada, e que tudo não passou de uma alucinação do colega.

O Trebe Vaz, grande figura humana, locutor e noticiarista, foi contratado pelo seu Ay Lima para recortar notícias dos jornais da cidade, para os noticiários da emisora. Era a famosa agência noticiosa “Gillete Press”, em pleno funcionamento.

Como o pagamento era por comissão, por notícia apresentada, e o dinheiro bastante curto, Trebe aproveitava tudo que estava nos jornais, especialmente o “Rio Grande”.

Certa vez, ele, que era muito brincalhão, incluiu no noticiário um recorte que nominava pessoas que chegavam ao porto de Rio Grande, de vapor. Coisa da década de 1920, com nomes de gente já falecida há muitos anos, como se fosse notícia atual. Deu um forrobodó daqueles.

E as brincadeirinhas de mau gosto com o ex-diretor e proprietário da emissora, Ay Lima, de saudosa memória? O Trebe costumava colocar grafite na fechadura do escritório do homem. Este, ao chegar pela manhã não conseguia abrir a porta.

Algumas vezes teve de acionar os bombeiros, que subiam por uma escada colocada na rua, entravam na sala pela janela e abriam a porta.

E os telefonemas então. O Edson Costa, e eu também, telefonávamos para o seu Ay, que dizia “alô” e a gente só assoprava. E ele respondia dizendo: “Seu assoprinho FDP, vai te f..., liga para a tua mãe”.

Dizem que havia no corredor da rádio, junto a Discoteca um painel para que ali fossem colocados avisos, ordens de serviço, coisas desse tipo. Uma certa manhã apareceu no painel um papel com os seguintes dzeres: “O seu Ay é viado”.

Para quê? O homem ficou enfurecido, e com um revólver engatilhado na mão gritava: “O FDP que fez isso apareça. Mostre que é homem, que vai levar um tiro na cara”. É claro que ninguém apareceu, embora todos na rádio soubessem de quem se tratava. Por motivos óbvios não digo quem foi o autor da façanha.

Foi muito comentado na época, o “acidente” ocorrido com um locutor, que não vou revelar o nome, dado o inusitado da história. Ele vinha pela rua 24 de Maio, passo apressado, pois já era quase meio-dia e ele tinha que apresentar o “Alô, Alô Zona Sul”. Foi quando o inesperado se fez presente: deu uma dor de barriga daquelas e a “coisa” desandou perna abaixo. Não teve como conter.

Com a calça toda borrada, não conseguiu ir adiante. Teve de se encostar em uma parede e, disfarçando, seguiu se arrastando até chegar em casa e tomar um necessário banho. Não pode nem avisar a rádio, pois naquele tempo nõ havia telefone celular.

O diretor Paulo Coelho pediu ao Cláudio Castro, que era o operador de som do horário, que também lesse os avisos, com a orientação de que começasse pelas notas de falecimento.

Obediente, o Cláudio leu a primeira delas: “Nota de falecimento e convite para sepultamento. Os familiares de Fulano de tal convidam para as cerimônias de seu sepultamento, que ocorrerão hoje, às 11 horas”. Como já era passado do meio-dia, o Cláudio emendou: “Opa, esse defunto já foi enterrado, Vamos para outro”.

Certa ocasião eu, acompanhado do Gley Santana e Cláudio Castro fomos transmitir um jogo em Santa Maria. Viajávamos de véspera, como era costume. Sábado, à tardinha, fomos dar um passeio pelo Calçadão da Cidade Universitária. O Cláudio levou um rádio enorme, daqueles de 12 faixas de ondas, ligado sobre o ombro. Parecia um daqueles alto-falantes de propaganda.

As pessoas curiosas olhavam para ele rindo, sem entenderem nada. E ele, nem aí. Eu e o Gley apuramos o passo, nem olhávamos para trás, fingindo que não o conhecíamos.

Esta foi o Edson Costa que me contou. É bárbara. Trabalhava na rádio um locutor de nome Eli Faria, que fazia o “Repórter Popular”. Gostava muito de falar ao vivo. Certa ocasião, ele foi verificar como andava o problema das filas nos estabelecimentos bancários da cidade. Foi quando largou esta pérola: “As bixas dos bancos estão muito compridas”. Se dissesse isso hoje, correria o risco de ser taxado de homofóbico.

E o Fernando Furci, certa vez foi guindado ao cargo de discotecário, o que fez? Dizendo que se tratava de uma limpeza e para abrir espaço, jogou na rua centenas de discos 78 rpm, colocando fora grande parte do acervo musical da emissora.

Eu consegui salvar um álbum dos 10 anos de carreira de Luiz Gonzaga, uma verdadeira relíquia, que hoje se encontra no museu do cantor em Caruaru, Pernambuco.

Mas isso não foi nada. Pior foi o que o Edson Costa me contou. Uma carroça deixou o prédio da emissora em direção ao lixão da cidade, carregada com livros de presença contendo assinaturas de cantores e cantoras de sucesso dos anos 50 e 60.

E muitas outras histórias, que se as contasse, ocuparia um espaço muito grande deste blog.Só do saudoso Rui Grilo, são muitas.do a história da rádio, certamente vai encontrar subsídios suficientes para isso, embora também vá se deparar com muitos problemas, pois a grande parte da memória da rádio já foi perdida.

Para ilustrar esta peça de saudade, relembro alguns dos valores que
ajudaram a construir a história da simpática emissora. É claro que a lista é incompleta, pois em 72 anos muita gente passou por lá.

Mas vamos citar outras pessoas que trabalharam ou cooperaram com a emissora, aquilo que a memória de vários colegas lembrou, além dos que já foram citados acima. 

Valdomiro Oliveira (noticiarista), Cláudio Silva, José Paulo Nobre,Carlos Eduardo Concli, Laila Araújo (secretária), Magrão, Leda Maria Chaves, Guaracy Costa, Altemir Lima, Jose Carlos Rocha (operador de som), Cléo Rocha (secretária), Gil Rocha, Sidnei Rocha (operador de som), Paulo Milbrath, Nilton Freitas (operador de som), Cremilda (secretária, falecida em acidente de moto), Vera (assistente de limpeza), Rui Grillo (apresentador de programas de auditório), Yolanda Grillo (auxiliar de seu esposo Rui Grillo), Dorvalino Valadão (plantão esportivo), Guaraci Camanho, Saulo Machado, Ernesto Martins (apresentador do programa “A voz de Portugal”), junto do auxiliar Reguffe, José Maria de Almeida Pinto, o "Almeidinha", Vera Beatriz Comin (colunista social), Paulo Ferreira (colunista social), Ayrton Ferreira (operador de som), Elmar Costa (comentarista esportivo), Alfredo Batista (locutor tradicionalista, falecido em um acidente de trânsito), Antonio José Piccolli (locutor), Alcides Silva, o "Bigode", falecido há cerca de três anos, Mário Franco (operador de som), Cleo Rocha (discotecária), José Adão Vieira, o “Lápis” (repórter esportivo), Regina Macedo (locutora), Fernando Furci (locutor), Fernando Weikamp (locutor), Ronaldo Silva (repórter), Arlindo Mota, o popular "Taita" (motorista), Rui Ferreira (motorista), Azambuja Junior (locutor), Gil Rocha, Jotta Huch, Valdir Lima, Adao Rosa, Vilmar Pereira “Gaguinho”, Julio Jardim, Carlos Roberto Souza Mendonça, Paulo Roberto Dijavan, Carlos Magno Pereira Ramos, Carlos Eduardo Concli, Deivid Pereira, Odair Noskoski, Américo Souto (narrador esportivo), Dilair José, Rudinei Moreno, Rudinei Jesus, Rudinei Lima, Carlos Roberto Silva, o “Ternurinha”, Antonio Carlos da Rosa, Jorge Antônio Menestrini, Carlos Esperon, Jurema (recepção), Luiz Carlos Leal, Erní Freitas, Iberê Marchiori (noticiarista), Leda, Weimar Minuto (locutor) e Alfredo Batista. (Texto: Nilo Dias)


Flâmula comemorativa aos 20 anos de fundação da Rádio Cultura Riograndina, que faz parte do acervo do historiador Chico Cougo, riograndino de nascimento, residente em Porto Alegre. 

Ele achou a reliquia no “Rancho da América”, um local existente na Capital do Estado especializado na venda de velharias. Produzida em Porto Alegre, pela Guaíba Flâmulas, que ficava na rua Dr. Flores, está escrito na parte detrás da relíquia: “Sob encomenda da ZYC3, Rádio Cultura Riograndina”.