Sebastião
José Ferri, o “Tião Abatiá”, um centro-avante troncudo, forte e com o topete
caindo na testa, nasceu em 20 de janeiro de 1945, na cidade de Abatiá no Norte
do Estado do Paraná. Começou a carreira jogando em sua cidade natal, mas foi no
Colégio Cristo Rei, em Jacarezinho, para onde foi em 1958, que teve melhores
oportunidades de mostrar o seu bom futebol.
O
colégio possuía uma ótima estrutura para os alunos que quisessem jogar futebol,
com uniformes completos para as categorias mirim, infantil e juvenil.
Foi no Cristo Rei, onde estudou de 1958 a 1963, dos 13 aos 18 anos, que Tião se
destacou defendendo a equipe amadora do colégio. Já mostrava ser um atacante
diferenciado e chamava a atenção de todos que acompanhavam os jogos do Cristo
Rei.
Tião
lembra de um jogo amistoso do Flamengo, do Rio de Janeiro, em Jacarezinho,
contra o Londrina, em 3 de abril de 1960, para inauguração do sistema de
iluminação do estádio da cidade. O time paranaense jogou naquela ocasião com a
camisa da Esportiva, time local, e o clube carioca venceu por 3 X 2. Os gols do
Flamengo foram marcados por Gerson (2) e Moacir.
Na partida preliminar, os
meninos do Colégio Cristo Rei deram um verdadeiro show, enfrentando um time
amador da cidade. Tião marcou um gol. Lembra que naquele jogo participou o seu
amigo Torquato Ducci, que depois seria campeão paranaense em 1961 com o Esporte
Clube Comercial, de Cornélio Procópio.
A
atuação do time do Cristo Rei foi tão boa, que os dirigentes do rubro-negro
carioca quiseram levar o time inteiro para o Rio de Janeiro, o que só não
aconteceu porque os familiares dos garotos de 13 e 14 anos não deixaram.
A
partir daquele jogo, Tião se tornou torcedor do Flamengo, o primeiro time
grande que teve a oportunidade de ver jogar. O onze carioca tinha em seu elenco
jogadores categorizados como Moacir, Henrique, Gerson, Dida e Babá.
Depois
de sair do colégio, Tião voltou a sua cidade natal e jogou pelo time local, até
se transferir para Ribeirão do Pinhal. Em 1965, foi para o Cambará Atlético
Clube, de Cambará, onde assinou seu primeiro contrato como atleta profissional.
O
Cambará foi resultado de uma fusão de dois times em 1963, o Clube Atlético
Operário e a Associação Atlética Cambaraense, que já havia sido vice-campeã
Paranaense em 1953 e bi-campeã do Norte Velho
em 1962/1963.
No
Cambará atuou com jogadores conhecidos, como o goleiro Bigode, Mané, Sinésio,
Zé Carlos, Adauto, Sorocaba, Cláudio, Benê, Ariston, Chuvisco, ponta-esquerda
que jogou no Comercial de Cornélio Procópio e no Londrina, Bira e Gasolina.
Em
1966, quando já era cobiçado por vários clubes em razão de suas grandes
atuações, acabou sendo contratado pelo União Bandeirante, na época o caçula do
futebol paranaense. A partir daí a carreira de Tião ganhou considerável avanço.
Foi
no time de Bandeirante que ele conheceu o jogador Paquito, com quem formou uma
das melhores duplas de atacantes do futebol paranaense em todos os tempos. Mas
para chegar a titularidade passou um ano no banco, até ganhar a posição de
Carlinhos, que era o companheiro de Paquito.
Foi
num jogo contra o Jandaia de Kosilek, Carvalho e Servílio, que o técnico De Sordi
chamou Tião para entrar aos 43 minutos do primeiro tempo, no lugar de
Carlinhos. Na primeira bola que pegou fez o gol. No segundo tempo saiu com uma
bola do meio campo, driblou quase todo o time adversário e fez outro gol. A
partir daí nunca mais saiu do time, para azar de Carlinhos.
Tião
e Paquito disputaram a artilharia dos Campeonatos em 1968, 1969, 1970 e 1971 dentro do mesmo time. Em 1968 e em 1969 Paquito foi artilheiro e Tião
vice, e nos anos de 1970 e 1971 Tião foi o artilheiro e Paquito vice.
Em
janeiro de 1971, Tião Abatia foi contratado por empréstimo pelo São Paulo F.C.,
da capital paulista, onde ficou por apenas quatro meses. O alto preço pedido por seu
passe impediu sua continuidade na equipe tricolor.
Em
sua época de jogador do União Bandeirante, Tião Abatia nunca perdeu jogo para o
Coritiba. Talvez esse tenha sido um dos motivos que levou o alviverde a
contratá-lo em 1971, juntamente com Paquito. Um táxi aéreo pousou em
Bandeirante e dele saiu Almir de Almeida, supervisor do Coritiba, com a missão de levar uma dupla que, há cinco anos,
perturbava os adversários do União Bandeirante: Tião Abatia é Paquito.
Os dois
foram indicados pelo técnico Elba de Pádua Lima, o “Tim” e levados para a
capital. O Coritiba estava mal no Campeonato Brasileiro e jogaria no final de
semana contra a Portuguesa de Desportos.
Os
dois chegaram na quarta-feira, e já foram treinar na quinta, sexta e no sábado.
A imprensa os badalava como artilheiro e vice-artilheiro do Paranaense de 1971,
além dos anos anteriores. Os jornais só falavam nos dois. Entraram como
titulares frente a Lusa e responderam positivamente: Tião fez o primeiro e
Paquito o segundo gol, na vitória de 2 X 1.
Tião
fez um grande campeonato, o que lhe valeu no fim do ano o “Troféu Bola de Prata”,
de 1971, promoção da revista “Placar”, como o melhor centroavante do
campeonato, entre os 11 melhores de todas as posições.
As
atuações da chamada “dupla caipira” no Coritiba, deixaram saudades. Quando o
Santos foi jogar em Curitiba, em 27 de outubro de 1971, o estádio Belfort
Duarte lotou, pois todos queriam ver o
“rei Pelé”. O Coritiba ganhou por 1 X 0, gol de Tião Abatiá, que “roubou” a
festa.
O
gol foi uma pintura. Num rush espetacular, Tião Abatiá deixou Ramos Delgado e
Lima para trás e tocou para a rede na saída do goleiro argentino Cejas.
Outros
jogos memoráveis de Tião. Empate de 1 X 1 com o Flamengo, em pleno Maracanã.
Rodrigues Neto marcou para o rubro-negro carioca e Tião para o Coritiba. O
goleiro flamenguista era Ubirajara Alcântara.
Dois
de outubro de 1971. Coritiba e Atlético Mineiro se enfrentaram e o Coxa venceu por 1 X 0, gol de Paquito. Mas o grande lance do jogo
foi proporcionado por Tião Abatiá. Aos 45 minutos do segundo tempo ele foi
lançado por Paquito, dominou a bola, driblou Vantuir, Grapete e o goleiro Renato
por duas vezes, cruzou para a área e Leocádio, outro super craque da época,
cabeceou sozinho, mas por cima do gol.
A
torcida alviverde, presente no “Couto Pereira” levantou e aplaudiu de pé a
jogada de Abatiá, que depois foi usada por muitos anos como abertura de programas esportivos em todo o país. Em outro jogo inesquecível, Tião Abatiá
e Paquito fizeram gols na vitória de virada contra o Corínthians, em 1971.
Em
1972, Tião Abatiá ia ter sua grande chance na Seleção Brasileira que jogaria a Mini-Copa do Mundo. Em um jantar com o técnico Osvaldo Brandão, este
lhe garantiu a convocação e a titularidade. Mas deu azar. Num jogo contra o
Cianorte, quebrou a perna e não foi para a Seleção.
Em
1975 foi contratado pela Portuguesa de Desportos, de São Paulo, em uma troca
temporária por Luisinho e Maisena, mas não conseguiu boas atuações, voltando ao
“Coxa”, para ser campeão paranaense daquele ano. Depois, comprou seu
passe e foi jogar no Colorado, onde permaneceu até 1977.
Em
1976 a dupla caipira estava desfeita. Tião no Colorado e Paquito, no Maringá.
Os dois disputaram a artilharia do campeonato paranaense até a última rodada,
quando chegaram empatados, cada um
com 24 gols. Paquito fez um gol na rodada final e foi o artilheiro.
Os
dois são grandes amigos e compadres. Sobre a disputa pela artilharia em 1976,
Paquito conta que tira sarro em Tião até hoje. Em contrapartida Tião garante
que levou Paquito "nas costas", durante todo o tempo em que jogaram juntos.
Tião
Abatia deveria encerrar a carreira no Colorado, em 1977. Não quis saber de jogo
de despedida, pois não disse a ninguém que iria parar. Era seu último dia de
contrato.
No
vestiário, o roupeiro foi o primeiro a saber. Mas na verdade levou mais um
pouco de tempo para deixar os gramados de vez, pois encerrou a carreira jogando
pelo E.C. Pelotas, do Rio Grande do Sul…
Do
tempo em que jogava, Tião Abatiá lembra de muitas histórias, duas
delas que não esqueceu até hoje. Primeira, o folclórico Serafim Meneghel era o presidente do União Bandeirante.
Num
jogo frente o Seleto, de Paranaguá, o juíz marcou pênalti contra o União. Tomado
de indignação, Meneghel, de revólver na cintura, entrou em campo para reclamar
do árbitro Vander Moreira. Este, frente a tamanha “argumentação”, desistiu da
penalidade e marcou tiro de meta para o Bandeirante.
Segunda.
Iustrich treinava o Coritiba e costumava marcar treinos para às seis horas da
manhã, embora os jogos se realizassem à tarde ou a noite. Mas compensava o
sacrifício, mandando servir um café da manhã “cinco estrelas". Isso sem
falar nas vezes que interrompia o treino para oferecer melão e pêssego aos
jogadores.
O
ex-presidente do Coritiba, Evangelino da Costa Neves, o “Chinês”, dizia que ele
iria quebrar o clube. A explicação do técnico para um horário nada usual de treinamentos,
é que assim conseguia tirar alguns jogadores da vida noturna. Por "alguns",
entendia-se Zé Roberto, que muitas vezes chegava atrasado ao treino da manhã. E
Iustrich dizia: “Não me incomodo se o Zé treina ou não. Domingo, ele decide".
Títulos
conquistados: Pelo Coritiba: campeão paranaense (1972, 1973, 1974 e 1975 e
Campeão do Torneio do Povo (1973). Em 1972, fez parte da equipe que ganhou a
“Fita Azul”, na excursão invicta do Coritiba pela Turquia, Itália, França e
Marrocos. O prêmio era dado pelo jornal “Gazeta Esportiva” ao clube brasileiro
de melhor campanha em amistosos pelo exterior.
Tião considera o
título de campeão do “Torneio do Povo” de 1973, como o mais emocionante da sua
carreira. E conta que foi um torcedor do Bahia quem garantiu a conquista. O “Coxa”
perdia em Salvador, quando da arquibancada alguém apitou. Achando que era o
juiz, os zagueiros do Bahia pararam. E o Hélio Pires continuou e fez o gol.
Tião
Abatiá, em 1971 serviu de inspiração para a equipe da “Disney”, que criou o personagem
“Tião Abaterá”, das histórias do Zé Carioca. Foi o primeiro jogador a ter um
personagem na “Walt Disney”. Pelé também serviu de inspiração para o
"Pelézinho", de Maurício de Souza.
Depois de parar com o futebol, Tião Abatiá montou uma agência
lotérica em Bandeirante, e também passou a cuidar dos imóveis que comprou em
Curitiba e no Norte Pioneiro. Não quis ser treinador e nem retomou a faculdade
de Educação Física, que interrompeu nos anos 70, em Assis (SP). O ex-jogador
guarda uma única mágoa: a morte da filha Janaína, num acidente de automóvel, em
1998. (Pesquisa: Nilo Dias)
Tião Abatiá e Pelé. (Foto: Arquivo fotográfico de Tião Abatiá)