O Brasil inteiro sabe
quem é o “Gaúcho da Copa”, o homem que corre o mundo seguindo a Seleção
Brasileira de Futebol. Seu nome é Clóvis da Costa Fernandes, 58 anos, comerciante
em Porto Alegre, casado e pai de quatro filhos. Com justiça é reconhecido como
o mais autêntico embaixador do Rio Grande do Sul em Copas do Mundo.
Ele
vai pilchado aos jogos do Brasil, com o chapéu repleto de “pins” e uma réplica
da Copa do Mundo nas mãos. O bigode e a taça da Copa do Mundo continuam com
ele, mas já dão sinais dos tempos: completamente grisalho, o bigodão que já
foi preto agora é cinza, e a taça já mostra sinais de desgaste, principalmente
na base de madeira.
Nascido e criado no interior do Estado, Clóvis,
ainda guri, lembra que em 1958 seu pai soltava foguetes no meio do mato, para
comemorar a conquista da Seleção Brasileira na Suécia. Embora não fosse um
torcedor dos mais entusiasmados, não tinha preferência por nenhum time, sempre acompanhava pelo rádio os jogos da Seleção Brasileira.
Em 1962, já mais crescido, Clóvis recorda da
alegria de seu pai com o bicampeonato, conquistado no Chile. Ele viveu tudo
isso ao lado dele. Em 1990, já casado, resolveu dar um presente para ele mesmo.
E falou para a esposa, que estava com vontade de dar uma “esticada” até Milão,
na Itália, para ver a Seleção Brasileira jogar a Copa do Mundo.
Tudo
começou quando uma emissora de TV de Porto Alegre apresentou uma matéria sobre
a Copa do Mundo de 1990 na Itália. Ali estava tendo início uma viagem
emocionante. Clóvis Acosta Fernandes, então com 35 anos, foi fundo em seu sonho
de assistir de perto a principal competição de futebol do planeta.
Mas
antes, teria que fazer um pequeno favor para a sua esposa Débora: comprar um
piano alemão. Somente com esta condição, ela o deixaria viajar para a Itália.
Não
deu outra. Comprou o piano e 30 dias depois desembarcava no aeroporto de Milão
para dar início a uma história de paixão pela Seleção Brasileira. Conta que
essa sua primeira viagem foi difícil,
pois além de não conhecer ninguém, não tinha noção de como seria tudo.
Chegando
em Milão, pegou um trem para Turim, onde se encontrava o time nacional. Como
chegou 30 dias antes de todos, pode conhecer muita coisa. Garante que hoje
conhece Turim, como Porto Alegre. Como não tinha nada para fazer,
caminhava a pé por praticamente todas as ruas.
Nos
primeiros dias em Turim pensou em trabalhar em alguma pizzaria para aprender,
pois na época ele era proprietário de uma em Porto Alegre. Mas não levou a
idéia adiante. Resolveu então apenas passear e fazer amizades. Uma destas
amizades em 1990 foi com um gerente do Banco Nacional do Trabalho de Turim.
O
“Gaúcho” lembra que ao chegar no banco para comprar ingressos para os jogos do
Brasil, ficou impressionado com a grandiosidade do local. Entrou todo
desconfiado, vestindo os trajes típicos do Rio Grande do Sul e todos ficaram olhando
para ele.
De
repente, apareceu um homem na sua frente perguntando, com português arranhado
se ele era gaúcho de Porto Alegre. Ao responder que sim, ele disse: “Você
precisa fazer um churrasco para mim”. Como churrasco é uma das especialidades
do “Gaúcho”, o gerente do banco no outro dia mandou buscá-lo no hotel, com direito
a motorista e tudo, para fazer o tal churrasco.
A
única grande decepção que teve nessa sua primeira Copa do Mundo foi o resultado
desastroso da seleção treinada por Sebastião Lazaroni, que foi eliminada nas
oitavas-de-final pela Argentina, de Diego Maradona.
E de lá para cá não parou mais. Embora não beba
nada de álcool, garante que é a sua cachaça, o seu vício. E sem esquecer o
chimarrão. Sempre leva muita erva-mate em suas viagens.
O “Gaúcho da Copa” já recebeu criticas por ter
viajado com dinheiro público, mas ele não se preocupa com isso. Confirma que
sempre viaja calcado em parcerias, pois sozinho não tem como bancar os altos
custos. No
início ele tirava dinheiro de dentro de casa, mas todos o entediam e apoiavam.
Na Copa da África do Sul, ele buscou uma parceria
com a Marcopolo, que colocou uma van à sua disposição, que foi devidamente personalizada
com as bandeiras do Rio Grande do Sul, do Brasil e da África do Sul no meio das
duas brasileiras, como se elas estivessem abraçando o país anfitrião.
Buscou também apoio da Federação Gaúcha de Futebol
(FGF), do presidente Francisco Novelletto, que deu uma passagem de avião. O
Governo do Estado, gestão Yeda Crusius, bancou 19 diárias, no valor de 350
dólares, cada, para o “Gaúcho” assistir a Copa da África do Sul. O dinheiro foi
utilizado para pagamento de alimentação e hospedagem. Ele
era CC da Secretaria Estadual de Relações Institucionais.
O “Gaúcho” faz parte de um grupo de trabalho, de um
comitê criado pelo governo do Estado, que entrou em contato com todas as
autoridades na África, levando um material muito bonito do Estado, DVDs
trilíngues mostrando todo o potencial turístico, industrial, comercial, toda a
força do Rio Grande do Sul. E o “Gaúcho” levou também DVDs de Porto Alegre,
para que as pessoas começassem a olhar para a cidade com mais carinho.
Mas não é só a Seleção Brasileira que mora no
coração do “Gaúcho”. Também é torcedor apaixonado do Grêmio Porto Alegrense.
Nas suas andanças pelo mundo, Clóvis sempre traz
para casa alguma coisa diferente. Não coleciona nada, e procura fazer trocas
com pessoas de outros países. Também diz o destino que dá aos chapéus,
garantindo que cada um deles tem certo período de vida.
Coloca-os dentro de uma caixa de vidro junto com um
pendrive, ou DVD com as fotos que tirou das diversas autoridades mundo afora, e
presenteia alguma entidade filantrópica, para que faça uma rifa, um sorteio, e
arrecade fundos.
Otimista com a realização
da Copa no Brasil, o “Gaúcho” acredita que mais de um milhão de pessoas estarão em visita ao nosso país, no período dos jogos. Ele esteve na
Copa da Alemanha, que faz divisa com nove países, onde compareceram mais de 2
milhões de turistas. Como o Brasil faz divisa com 11, pode-se pensar com
otimismo. Além do Brasil ser conhecido como o país do futebol
Tendo por base as suas próprias andanças mundo
afora, o “Gaúcho” tem convicção de que pessoas de todas as nacionalidades têm
vontade de conhecer o Brasil. E a razão é agora, com a realização da Copa do
Mundo.
Quem viaja tanto, sempre se depara com situações
cômicas ou trágicas. Pagar “mico” é comum. As dificuldades são muitas, a
começar pela língua. Na Copa da Coréia, os torcedores brasileiros fizeram
amizade com voluntários, que muito os ajudaram. Até um jogo de futebol fizeram
com os voluntários, que mereceu cobertura da imprensa local.
Eles sempre nos falavam sobre a carne de cachorro.
Queriam que a gente provasse, mas era difícil pois as autoridades a retiraram
dos açougues, para evitar protestos, e para que a imprensa não divulgasse isso
para o mundo.
Como queríamos de fato conhecer essa “iguaria”, no
encerramento da Copa familiares dos voluntários se reuniram em uma fazenda e
nos convidaram para um almoço. Era uma mesa comprida, daquelas baixinhas em que
a gente senta com as pernas dobradas. O chefe da fazenda apresentou os pratos.
Foi um show, o primeiro era um tal de “howshubouká”.
O segundo era um “heikinhanzin”. O terceiro, o “hofsmohal”, preparado com carne
de cachorro. O “Gaúcho” disse que provou por educação, mas garante que nunca
mais quer repetir a façanha.
Na
Copa da França também aconteceu uma passagem no mínimo curiosa. O “Gaúcho”
conta que o grupo de torcedores do qual fazia parte, alugou um apartamento em
Paris. E logo cedo um dos integrantes foi comprar baguetes e patê. Na França se
fabrica os melhores patês do mundo.
De
repente, todos que estavam tomando café começaram a correr para o banheiro.
Desconfiado, o “Gaúcho” resolver olhar a embalagem do tal patê e aí a surpresa.
Era comida para cachorro. Foi muito engraçado. O companheiro achou que tinha
comprado patê e se deu mal.
Em todos esses anos que acompanha a Seleção, o
“Gaúcho” acha que o jogo final contra a Itália, na Copa de 1994, nos Estados
Unidos, foi o mais emocionante que assistiu. Para ele o pênalti que Baggio bateu
para fora, foi o grande momento daquela Copa.
Nessa
sua segunda Copa, nos Estados Unidos, tudo ficou mais fácil para o “Gaúcho”,
que em solo norte-americano, contou com o apoio do seu filho, Frank Damasceno,
que lhe ajudou principalmente no inglês.
A
sua última viagem acompanhando a seleção brasileira fora do país, foi na África
do Sul. Por lá foi tratado como personalidade internacional, dando entrevistas,
foi capa do principal jornal do país. Quando chegou ao aeroporto foi cercado
por torcedores. Deu autógrafo e apareceu muitas vezes na TV africana.
Católico convicto, ele costuma rezar muito antes e
durante os jogos. Lembra do jogo do Grêmio, contra o Náutico, nos Aflitos.
Antes da cobrança de um pênalti contra seu time, o “Gaúcho” conta que fechou os
olhos e pensou no seu pai. Pediu que ele não o abandonasse, e voltou de lá
campeão da 2ª divisão.
A
Copa das Confederações, disputada o ano passado, foi a quarta edição em que ele
esteve presente. Além das Copas do Mundo, assistiu as Olimpíadas de Londres. A
rotina é quase sempre a mesma: pegar um avião, alugar um carro no país sede e
cair na estrada estrangeira com a ajuda de um GPS.
O “Gaúcho” já esteve em
seis Copas do Mundo. Foram 46 países visitados, 112
jogos da Seleção Brasileira, quatro Copas das Confederações e cinco Copas
América. De 1990, para cá, ele esteve presente em todas as competições que a
Seleção disputou.
Hoje ele é conhecido e respeitado em todo o mundo.
A própria FIFA já reconheceu a sua importância, ao gravar um documentário com
ele em novembro de 2013, em Porto Alegre, intitulado “O Gaúcho da Copa é o
torcedor símbolo”. Em agradecimento ele retribuiu oferecendo aos visitantes o
churrasco e o chimarrão, coisas típicas do Rio Grande do Sul. (Pesquisa: Nilo
Dias)
O
"Gaúcho da Copa" entrga um brindea presidente Dilma Rousseff. (Foto:
Divulgação)