sábado, 2 de agosto de 2014

O fim de um reinado de 35 anos


Morreu na última quarta-feira (28), o presidente da Associação Argentina de Futebol (AFA), Julio Humberto Grondona, aos 82 anos de idade. Ele dirigia a entidade máxima do futebol do vizinho do país desde 1979, uma década a mais que o recordista brasileiro, Ricardo Teixeira. Era também um dos vices-presidentes da Fédération Internationale de Football Association (Fifa), desde 1988.

O dirigente foi internado às pressas na noite de terça-feira no Sanatório Mitre, em Buenos Aires, após sentir fortes dores no peito. Grondona teve uma parada cardíaca, quando ia se submeter a uma cirurgia por causa de um aneurisma na artéria aorta.

Ele estava acompanhado de seu filho, “Julito”, atual presidente do Arsenal de Sarandí. Com a piora do quadro, mais dirigentes começaram a chegar ao hospital. Também lá esteve Carlos Bilardo, diretor de seleções da AFA e treinador da seleção entre 1983 e 1990.

Levado para uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), passou a respirar por aparelhos e não resistiu, morrendo às 12h50 (horário de Brasília).

Grondona não teve tempo de anunciar o novo técnico da seleção argentina, depois de Sabela, que levou o país ao vice-mundial no Brasil, ter confirmado que não seguiria no comando. Com a morte do dirigente, acredita-se que o anuncio do nome do novo técnico, irá atrasar em 15 dias. O favorito ao cargo é Tata Martino, ex-técnico do Barcelona.

Durante o longo período que “Don Julio” comandou a AFA, a Seleção Argentina teve 10 técnicos: César Luis Menotti, Carlos Salvador Bilardo, Alfio Basile, Daniel Passarella, Marcelo Bielsa, José Pekerman, novamente Alfio Basile, Diego Maradona, Sergio Batista e Alejandro Sabella.

O dirigente deixou três filhos: Liliana, Humberto, que é técnico de futebol e Julio, o "Julito", atual presidente do Arsenal de Sarandí.

Em junho de 2012, “Don Julio” se abateu muito com a morte da esposa, Nélida Enriqueta Pariani de Grondona, de 76 anos. Ela sofria de um câncer e passou o último mês de vida conectada a um respirador artificial.

Depois da morte da esposa, Grondona passou por sério problema de saúde. Os médicos recomendaram a ele cirurgia para curar uma doença intestinal. Mandou os especialistas encontrarem outra solução. Por isso, ele usava uma bolsa excretora presa do lado direito de sua barriga.

O falecido desportista teve sua vida sempre ligada ao futebol. Nasceu em 8 de setembro de 1931. Começou a carreira de dirigente em 1957, aos 26 anos, quando junto de alguns amigos do seu bairro fundou o Arsenal, de Sarandi.

O clube teve inspiração no Arsenal inglês e tem as cores dos dois mais importantes times de Avellaneda, o azul do Racing e o vermelho do Independiente. Grondona presidiu o clube por quase 20 anos, e hoje o estádio do Arsenal, ao Sul de Buenos Aires e com capacidade para 16 mil torcedores, leva o seu nome.

Nos anos 60, mesmo sendo dirigente do Arsenal, assumiu o Departamento de Futebol do Independiente, que sob seu comando saiu das últimas divisões para a elite do futebol argentino. Nesse período o Independiente conquistou às Copas Libertadores da América, de 1964 e 1965.

Em 1970, foi suspenso por um ano e meio por agredir o árbitro Filacchione. No mesmo ano, sua chapa perdeu as eleições do clube. Retornou em 1976, dessa vez como presidente.

Em 1979, um ano após a conquista do Mundial de 1978, foi colocado na presidência da AFA pela ditadura militar, que vigorou no país de 1976 até 1983. Grondona substituiu a David Bracuto, então presidente do Huracán.

No tempo em que dirigiu o futebol argentino, a Argentina teve nada mais, nada menos, do que 13 presidentes da República: Os generais e ditadores Jorge Rafael Videla, Roberto Viola, Leopoldo Fortunato Galtieri e Reynaldo Bignone, os presidentes civis constitucionais Raúl Alfonsín, Carlos Menem, Fernando De la Rúa, Ramón Puerta, Adolfo Rodríguez Saá, Eduardo Camaño, Eduardo Duhalde, Néstor Kirchner e a atual Cristina Kirchner).

Grondona gostava de dizer que havia sobrevivido a dois Papas, João Paulo II e Bento XVI. E de quebra, Jorge Bergoglio, como Papa Francisco, iniciou um terceiro pontificado.

Sob seu comando a Argentina chegou a três finais de Copas do Mundo, ganhando o título em 1986 e sendo vice em 1990 e 2014, conquistou duas medalhas de ouro em Olimpíadas, 2004 e 2008, seis Mundiais sub-20 da Fifa e duas Copas América, em 1991 e 1993.

Em 1988 foi convidado pelo presidente da Fifa, Joseph Blatter, para dirigir a Comissão de Finanças e o Conselho de Mercadotecnia e Televisão. Tempos depois, passou a ser um dos vices-presidentes da entidade máxima do futebol.

O dirigente, durante os 35 anos que presidiu a AFA foi alvo de muitas polêmicas. Em 2003, por exemplo, foi acusado de antissemitismo, depois de dizer, em uma coletiva de imprensa, que "judeus não gostam de trabalhar".

Também foi um dos investigados no escândalo de compra de votos da Fifa, na eleição que indicou o Catar como sede da Copa do Mundo de 2022. Mas nada ficou provado contra ele.

Desde 26 de outubro de 2011, ele cumpria seu nono mandato consecutivo como presidente. Em sete, das oito reeleições, sempre foi aclamado pelos colegas do Comitê Executivo.

Uma única vez, em 1991, teve um opositor: o ex-árbitro Teodoro Nitti, que recebeu um voto, contra 40 dados a “Don Julio”. Na AFA, o voto não é secreto, e os dirigentes erguem a mão para aprovar tudo. Ninguém ousava ficar de braço abaixado no momento de apoiar proposições do chefe.

Durante o tempo que presidiu a AFA, Grandona conviveu com oito greves de jogadores, três paralisações de árbitros, mais de 40 casos de doping de jogadores da seleção, o surgimento – e o fortalecimento dos “barrabravas” (os hooligans argentinos), além de acusações de corrupção e de vínculos controvertidos com o poder e empresários amigos que possuem negócios comerciais com a AFA.

A presidente argentina, Cristina Kirchner, esteve quinta-feira, no prédio da AFA, para prestar solidariedade aos familiares de Grondona. Em 2011, para agradar a presidente, Grondona batizou o prêmio do campeonato nacional de futebol com o nome do ex-presidente Kirchner, que morreu em outubro de 2010.

O dirigente falecido foi o principal aliado da presidente na estatização das transmissões dos jogos de futebol. “Somente morto saio da AFA”, disse em 2010. E realmente isso se concretizou.

O craque argentino Lionel Messi e o presidente da Fifa, Joseph Blatter, estiveram presentes ao atos de sepultamento, ocorridos na sexta-feira (30).

Também compareceram os jogadores da Seleção Vice-Campeã do Mundo, Javier Mascherano, Maximiliano Rodríguez, Fernando Gago, Sergio Romero e Lucas Biglia, assim como o técnico Alejandro Sabella.

O corpo de Grondona foi sepultado em um cemitério de Avellaneda, no Sul da província de Buenos Aires. A AFA decretou sete dias de luto, suspendeu atividades até segunda-feira (4) e adiou a primeira rodada de todas as divisões do país.

O presidente da CBF, José Maria Marin, determinou que se respeitasse um minuto de silêncio em partidas de futebol realizadas no Brasil, para homenagear o dirigente argentino falecido.

A escolha de um novo presidente será feita em uma assembleia de clubes no mês de outubro. Até lá o comanda da AFA ficará por conta de Luis Segura, primeiro vice-presidente da Confederação e presidente do Argentinos Juniors.

O mandato do novo comandante terá validade de um ano. Em 2015, em uma outra reunião, será escolhido um novo mandatário que ficará no poder por quatro anos. (Pesquisa: Nilo Dias)

Só a morte tirou Grondona da presidência da AFA. (Foto: Divulgação)