O
primeiro ídolo do futebol baiano foi o negro Apolinário Santana, mais conhecido
por “Popó”, que brilhou nos gramados da “boa terra” nos anos 20 e 30. Seu nome
é lembrado até hoje, pois foi um dos raros jogadores de futebol que se tornou
nome de ruas em cidades baianas.
Uma
delas fica no bairro do Engenho Velho da Federação, um dos maiores agrupamentos
de afrodescendentes de Salvador e liga a Cardeal da Silva ao fim de linha do
antigo bairro. Tem status de avenida entre os moradores, e é a principal e mais
movimentada da localidade.
Ali,
provavelmente numa das travessas que também levam o seu nome, “Popó” teria
morado durante muito tempo. Talvez por isso tem o nome reconhecido por qualquer
residente da área. Ninguém o confunde com o pugilista homônimo. "Um grande
jogador do passado", afirmam os mais jovens. Somente perguntando a um e a
outro, é possível encontrar pessoas que tiveram ligação com Apolinário
Foi
bicampeão estadual jogando pelo Ypiranga, numa época em que o popular clube da
capital acolhia artesãos, soldados, comerciários e estivadores negros,
escandalizando a alta sociedade local do Corredor da Vitória, reduto dos
primórdios do futebol baiano.
Em
vista da crise que se instalou, o Sport Club Victoria, que representava a alta
burguesia, retirou-se da Liga, que era conhecida por “Liga dos Brancos”, já que
os atletas pioneiros do futebol baiano, eram jovens de cor branca, que
resolveram fundar times essencialmente baianos, para se oporem às equipes de
ingleses, fechadas em suas chácaras ou “cantonments”. O clube ficou pito anos
afastado, pois não aceitava a “mistura étnica”.
O
fato do Ypiranga aceitar negros e pobres em sua equipe, fez com que fosse
chamado de “Clube do Povo”, e por essa razão escolhido por Popó, que em pouco
tempo se tornou o maior ídolo da torcida, a maior que comparecia ao “Campo da
Graça”, estádio onde os jogos eram realizados. O Ypiranga só deixou de ser o
time de maior torcida, depois da fundação do Esporte Clube Bahia, em 1931.
Não
demorou para que a fama de “Popó Baiano”, como era conhecido, ultrapassasse as
fronteiras da Bahia, em razão de sua capacidade de realizar difíceis manobras
com a bola nos pés, além de jogar em diversas posições com o mesmo desempenho e
qualidade.
“Popó”
foi tema de um livro de autoria do jornalista Aloildo Pires, que entre os anos
de 1997 e 2002 manteve no Jornal “À Tarde”, a coluna “Memória do futebol”. Ao
perceber a importância do jogador, chegou a evitar tratar de Apolinário nas
matérias, para garantir material para o seu livro.
Só
depois viu que se tratava de inesgotável fonte de histórias e curiosidades. Uma
delas aconteceu com o próprio autor. "Em meados dos anos 70, quase duas
décadas depois da morte do jogador, lembrou que sua sogra, ao jogar futebol com
a sua filha, de apenas 2 anos, gritava: “Chuta, “Popó!” Chuta!".
Em
23 de julho de 2006, o jornal “Correio da Bahia”, em seu “Caderno Repórter”,
publicou uma reportagem intitulada “Apolinário está vivo”, em que conta a vida
do grande craque.
Também
foi tema de versos do livro de Cordel “Historietas do futebol baiano”, de
autoria de Edson Bulos, lançado em 1997. Talvez “Popó” seja um dos poucos
jogadores de futebol do inicio do século passado, a ser lembrado ainda de forma
marcante.
Outro
jogador lembrado é o célebre atacante “Dois Lados”, mais por ter sido
companheiro de “Popó” na Seleção Baiana. Da mesma forma, “Mica” e “Nebulosa”,
que completavam a linha média da seleção de 1922. Mas somente o mito de
Apolinário está presente em histórias lendárias e escritos heroicos do
imaginário popular.
O
campeonato baiano de 1920, o primeiro organizado pela Liga Bahiana de Desportes
Terrestres (LBDT), disputado no “Campo da Graça” ou “Stadium da Bahia”, que
fora inaugurado naquele ano, teve o Ypiranga como campeão. Um jogador se
destacou na conquista, João Manuel da Silva, o “Dois Lados”, como era conhecido
por ser magro e quase esquelético.
Fora
dos gramados era soldado do Esquadrão de Cavalaria da Policia Militar da Bahia.
Tratava-se de um jogador de rara técnica e de dribles e jogadas eletrizantes.
Era o ídolo maior do futebol da Bahia naquela época. Seu grande momento
aconteceu no dia 19/12/1920, quando o Ypiranga entrou em campo para buscar o
titulo daquela temporada.
A
Associação Atlética precisava vencer a partida. Mesmo jogando pelo empate o
Ypiranga tomou a iniciativa do ataque e com seu quinteto ofensivo comandado
pelo celebre Soldado da Cavalaria, que fez toda a jogada do gol de seu time, ao
driblar dois adversários e tocar a bola com maestria para o fundo da meta do
goleiro Aragão.
Nas
comemorações na sede do clube regada a muita gasosa de limão e quitutes
variados, “Dois Lados” teve o pé que marcou o gol do título banhado com
champagne francês para delírio dos presentes no Clube Comercial da Bahia, no
Centro da Cidade.
“Dois
Lados” jogou até 1925 pelo Ypiranga e depois caiu no esquecimento de todos. Em
1931 saiu uma noticia publicada no Jornal “A Tarde”, informando que ele estava
desempregado, cego e mendigando pela ruas da cidade.
A
partir dai houve uma grande campanha de solidariedade, que se encerrou em 1932
com um belo saldo, que permitiu ao ex-jogador comprar uma casa na “Curva Grande
do Garcia”, no centro da cidade, mobiliada com uma mesa de jantar com seis
cadeiras e um guarda comidas.
O
craque do passado, com esta ajuda pode trazer alguns parentes do interior da
cidade de Castro Alves. No dia 1 de junho de 1954 “Dois Lados” faleceu, mais
deixou registrado seu nome como um dos destaques do inicio do futebol na Bahia.
Nos
primeiros tempos do futebol baiano, quando ainda não havia o Ba-Vi, os
clássicos eram disputados entre o Botafogo de Salvador, Ypiranga e depois o
Galícia. Quando do surgimento do Bahia, no final da década de 30 e inicio da de
40 o jogo entre Bahia e Galícia era comparado ao Fla-Flu no Rio de Janeiro.
Até
meados da década de 10 não tinha nenhuma grande rivalidade futebolística no
Estado. Esta passou a se acirrar a partir do ano de 1917 quando Ypiranga e
Botafogo dominavam o futebol baiano, com suas conquistas alternadas.
De
1917 a 1930 apenas duas agremiações, fora Botafogo e Ypiranga, venceram o
campeonato baiano: a Associação Atlética da Bahia e o Clube Bahiano de Tênis.
Os outros títulos ou eram do Botafogo ou do Ypiranga.
A
rivalidade que começou no Ground do Rio Vermelho logo se transferiu para o
então inaugurado Campo da Graça que tinha uma capacidade para 7.000 pessoas e
100 vagas para automóveis, como nos drive-in.
Com
uma linha média formada por Mica, Nebulosa e Hercílio e uma linha de ataque
formada por Lago, Popó, Dois Lados, Matices e Cabloco, o Ypiranga assombrava
com goleadas de quatro, cinco, seis e até mesmo de dez gols. Em 1930 o Ypiranga
aplicou uma sonora goleada no Democrata F.C. por 16 X 0, com Pelágio marcando 6
vezes e Popó 4 vezes.
Já
o Botafogo também tinha uma linha media espetacular, formada por Serafim,
Tenente e Chico Bezerra, e um ataque vigoroso formado por Tatuí, Macedo,
Manteiga, Seixas e Pelego.
O
principal jogador botafoguense era Manteiga, que foi o principal nome na
vitória do Botafogo sobre o Fluminense carioca, em 12 de abril de 1923, quando
marcou os dois gols de sua equipe.
É
de se estranhar, porém, que o nome de “Popó” tenha praticamente sido apagado da
memória do Ypiranga. Nos livros do clube e em suas atas, não existe o menor
registro sobre a brilhante passagem de Apolinário Santana pelo clube da Vila
Canária. O Ipiranga busca se reerguer e voltar ao seu passado de glórias.
Pena
que sua história tenha se perdido em desastrosas administrações anteriores,
levando junto às façanhas do grande jogador, o “Craque do Povo”. É incrível que
nenhum jogador, nem mesmo o próprio presidente do clube conheça os feitos
extraordinários do seu maior craque.
O
pouco que resta está nas coleções dos antigos jornais baianos, como “A Tarde”,
que em sua edição de 26 de setembro de 1994, em matéria intitulada “Lembranças
de Popó”, transcreve cantiga de quadrilha junina, entoada na Salvador do início
do século. O termo "melar" significa "drible", na linguagem
da quadrinha: "Chuta, chuta, Popó chuta/Chuta por favor/Mela, mela, mela,
mela/Mela e lá vai gol".
Se
o próprio Ypiranga desconhece a história de seu maior jogador, os torcedores
mais antigos do Fluminense, do Rio de Janeiro, sabem muito bem de quem se
trata. Em exibição histórica no dia 15 de abril de 1923, no Campo da Graça,
“Popó” marcou todos os gols da vitória por 5 X 4 sobre o
"Pó-de-Arroz".
Em
telegrama enviado por dirigente tricolor ao Rio de Janeiro, via-se escrito de
forma lacônica: "Popó 5 X 4 Fluminense", manchete de jornal carioca
no dia seguinte. Por muitos anos o nome de “Popó” foi lembrado no estádio das
Laranjeiras, no Rio.
Qualquer
jogador visitante que se destacasse contra o Fluminense, era chamado de ”Popó",
lembra o historiador esportivo Normando Reis. Aquele jogo histórico e todos os
outros que o Fluminense realizou na visita a Salvador, foram filmados por
produtora cinematográfica e exibidos no Cine Teatro Politeama, na época.
Passados
décadas da sua morte, antigos admiradores do ex-jogador, fundaram em sua
homenagem, na Ladeira da Fonte das Pedras, perto do “Estádio Fonte Nova”, o
clube de várzea “Popó Baiano”, que por muitos anos disputou competições
amadoras em Salvador.
Mesmo
com toda a reverência popular ao seu nome, apenas em 2002 se deu a ele um raro
reconhecimento oficial. O troféu de “Campeão Baiano” daquele ano, entregue ao
Vitória, levou o nome de “Apolinário Santana”. (Pesquisa: Nilo Dias)