O
ex-jogador Alcides Edgardo Ghiggia, que calou o Maracanã na final da Copa do
Mundo de 1950, ao marcar o gol que deu o título ao Uruguai, morreu nesta quinta-feira de uma parada cardíaca, aos 88 anos de idade.
O
impressionante é que sua morte ocorreu exatamente no dia 16 de julho, data em
que o “Maracanazo”, como ficou conhecido o triunfo celeste por 2 X 1 no Rio de
Janeiro, completava 65 anos.
O
herói uruguaio da Copa de 1950, Alcides Edgardo Ghiggia, morreu enquanto assistia a reprise de Inter x Tigres nas semifinais da
Libertadores, vencida pelo Colorado por 2 X 1 na última quarta-feira.
Segundo
o site "El Observador", Arcadio Ghiggia, filho do ex-jogador disse que ele e seu pai estavam quarta-feira a noite, em casa, assistindo o replay do jogo, quando em um certo momento ele começou a passar mal, com dores nas
costas e em seguida uma tontura muito forte o fez cair, ocorrendo o ataque cardíaco fulminante.
Ghiggia foi imediatamente levado a um
hospital de Montevidéu com dores no peito. Sua saúde não estava nada boa, pois há 10 anos lutava contra um câncer. Era o último jogador vivo de uma das
maiores partidas da história do futebol. Todos os demais jogadores, brasileiros e uruguaios, que
participaram daquela grande final, já haviam morrido.
Ele
tinha saúde estável, mas que ficou debilitada depois de um acidente de carro,
em 2012, que o deixou no hospital em estado grave. No entanto, sempre
comparecia a eventos importantes em que era convidado, como o sorteio dos
grupos da última Copa do Mundo, que aconteceu em 2013, na Costa do Sauípe, na
Bahia.
Ghiggia
era natural de Montevidéu, onde nasceu no dia 22 de dezembro de 1926. Começou a
carreira futebolística em 1946, quando tinha 20 anos de idade, no pequeno Atlante.
No ano seguinte, passou a defender o Sud América, modesto clube de Montevidéu
que circulava entre a elite a segunda divisão do país.
Em
1948, apenas dois anos antes do Mundial do Brasil, Ghiggia chegou ao Peñarol. O
clube foi campeão nacional em 1949 de forma invicta. Além daquele jovem
ponta-direita, a equipe tinha o ótimo goleiro Máspoli, o aguerrido centromédio
Obdulio Varella e um ataque mortal, com Schiaffino, Míguez e Vidal.
Esse
time foi a base da seleção uruguaia campeã em 1950. Ghiggia era o menos famoso
daquela linha de ataque antes da Copa, e acabou tornando-se uma das estrelas do
time.
Mas
não foi só o gol decisivo contra o Brasil que Ghiggia marcou. Antes, ele abrira
o marcador no jogo contra a Espanha, em duelo que terminou empatado por 2 X 2.
Quatro dias depois marcou o primeiro da vitória por 3 X 2 sobre a
Suécia.
Quando
da final contra o Brasil já era um nome conhecido, visto ter sido o único
jogador uruguaio a fazer gol em todas as partidas. Na decisão do “Mundial”, o Brasil
era franco favorito, pois havia feito a melhor campanha na fase final. Para
levantar a taça bastava um empate.
A
torcida estava eufórica e se respirava um ar de vitória anunciada em todo o
país. Não há registros precisos do público daquela partida. A Fifa disse que
foram 173.850 pessoas no estádio, mas há quem diga que eram 190, 200 mil
pessoas.
A
festa durou exatos 79 minutos de jogo. Aos 2 minutos do segundo tempo Friaça
fez 1 x 0 para o Brasil. Aos 21 Schiaffino empatou. O resultado ainda nos
garantia o título. Mas o inesperado aconteceu, aos 34 minutos. No meio do caminho, havia
Alcides Ghiggia.
O
ponta recebeu a bola pela direita, avançou e chutou cruzado, quase sem ângulo.
A bola não saiu forte, mas quicou no gramado e passou entre o goleiro Barbosa e
a trave esquerda. No placar Uruguai 2 X 1 Brasil, constituindo-se até então na maior
tragédia do futebol brasileiro, que só foi superada o ano passado, nos 7 X 1 sofridos
contra a Alemanha.
Esse
gol decisivo foi o quarto de Ghiggia em quatro jogos naquele Mundial.
Curiosamente, depois ele nunca mais voltou a marcar pela Seleção de seu país, cuja
camisa vestiu num total de 12 vezes.
Depois
do Mundial Ghiggia permaneceu no Peñarol por mais três anos, até ser contratado
em 1953 pela Roma, onde ficou até 1961. Em 1957, naturalizado italiano, defendeu
também a “Azurra”.
Bem
que Ghiggia poderia ter disputado outras duas Copas do Mundo, mas o Mundial de
1950 foi o seu único, já que em 1954, a Roma não quis liberá-lo para jogar pelo
Uruguai. Quatro anos depois, quando defendia a Itália, a Seleção ficou fora da
Copa do Mundo na Suécia.
Voltando
ao seu país, Ghiggia jogou pelo Danúbio, antes de se aposentar. Fora dos
gramados, passou a trabalhar como funcionário de um cassino em Montevidéu, ao
lado de Obdúlio Varela, companheiro de Peñarol e de seleção uruguaia. Ali,
aposentou-se pela segunda vez, garantindo condições financeiras de se manter
até o fim da vida.
Em
2009, com sérios problemas de saúde e dificuldades de locomoção, voltou ao
Maracanã, dessa feita para receber a maior homenagem da sua vida. O uruguaio
foi o centésimo jogador a colocar os pés na “Calçada da Fama” do estádio que
havia calado 59 anos antes.
Dono
da medalha de "Ordem de Mérito da Fifa" foi o sexto jogador estrangeiro na
história a ter essa honraria, após o chileno Elías Figueroa, o paraguaio
Romerito, o alemão Beckenbauer, o português Eusébio e o sérvio Petković. Na ocasião ele chorou emocionado e
agradeceu ao Brasil pela homenagem.
A
grandeza de Ghiggia pode ser medida pela consideração que teve com o goleiro Barbosa,
que teria falhado no seu gol decisivo. Nos últimos momentos de vida, Barbosa recebeu
pedidos de desculpas e apoio de seu algoz, de quem ficara amigo, segundo contou
Tereza Borba, a filha que cuidou do ex-goleiro em Praia Grande (SP) de 1992 até
a sua morte, em 7 de abril de 2000.
O
grande jogador uruguaio teria dito a Barbosa em um encontro que tiveram em
Montevidéu, que se soubesse que o Maracanã se calaria daquela forma e que o
goleiro brasileiro seria considerado culpado pelo resto da vida, não teria
feito aquele gol.
Teresa
disse que a bondade de Ghiggia ajudou Barbosa a lidar melhor com o “Maracanazo”,
fardo que o acompanhou até a morte. Quando ele morava no Rio, a
cobrança era maior, disse ela, acrescentando que tinha hora em que deitava no
travesseiro e pensava muito naquele jogo.
Quando
morava no Rio de Janeiro sempre pegaram muito pesado com ele, por isso a mudança
para Praia Grande foi benéfica. Tanto que escolheu ser enterrado lá,
na mesma ala da Clotilde, sua esposa.
Mas
o Rio de Janeiro se redimiu do mal que fez ao goleiro, ao homenageá-lo com o
título de ”Cidadão Honorário”, em proposição do então vereador, o ator Rogério
Cardoso, hoje falecido.
O
parlamentar pagou a viagem do ex-goleiro para a capital carioca, onde lhe foi prestada
a homenagem. O político aproveitou a ocasião e ajoelhou-se, emocionado,
implorando pelo perdão em nome de todos os brasileiros.
Barbosa
ainda teve o direito de escolher quem estaria presente. Entre os convidados,
constava o nome do humorista Chico Anysio, que não pôde comparecer, mas lhe
enviou um e-mail no qual pedia "mil desculpas ao melhor goleiro brasileiro
de todos os tempos". O recado foi impresso e é guardado até hoje por
Tereza Borba.
A
morte de Alcides Ghiggia mereceu uma nota oficial da Confederação Brasileira de
Futebol (CBF), que prestou solidariedade aos irmãos uruguaios pela morte do
ex-grande jogador.
O
presidente da Fifa, Joseph Blatter, lamentou a morte de
Alcides Ghiggia, lenda do futebol uruguaio, autor e último dos sobrevivente do que
ficou conhecido como "Maracanaço". "Muito triste pela perda de Alcides
Ghiggia, um verdadeiro herói. Meus respeitos a sua família e ao futebol
uruguaio", escreveu Blatter no Twitter.
José
Mujica, ex-presidente do Uruguai, lembra de ter ouvido a final da Copa do
Mundo de 1950, quando tinha 15 anos, em um velho rádio Edison. Disse que o nome
de Ghiggia vai ser indelével, pois o gol feito por ele marcou a maior façanha esportiva da história
do Uruguai e provavelmente a maior que poderia ser escrita.
Já
o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, que se encontra em Brasília, onde
participa da "Cúpula Semestral do Mercosul", expressou sua "profunda
dor" pela morte de seu compatriota.
Salientou
que pelas ironias da vida, Ghiggia morreu exatamente em uma data na qual o país
tinha que festejar, mas que lamentavelmente a festa se transformou em dor.
(Pesquisa: Nilo Dias)
O histórico gol de Ghiggia em 1950.