terça-feira, 20 de setembro de 2016

O “santo” massagista do América de São José do Rio Preto

Homem de um milhão de amigos dentro e fora do futebol, de caráter ilibado e sempre solícito, Antônio Sutto, o “Tio Nico”, foi o maior massagista da história do América Futebol Clube, de São José do Rio Preto. Foram 33 anos dedicados ao “rubro”, uma de suas grandes paixões.

Nascido em Neves Paulista, no dia 10 de agosto de 1933, em sua longa carreira curou contusões de jogadores e de todos que o procuravam no alto da Vila Santa Cruz, na antiga sede do América, no estádio Mário Alves Mendonça.

Entre as muitas histórias que se contam sobre ele, o debutante América fazia boa campanha na elite paulista, com vitórias sobre o Taubaté, Ferroviária, 15 de Jaú e Guarani, de Campinas, empates com Portuguesa Santista e Nacional e somente uma derrota, para o Botafogo, de Ribeirão Preto.

"Nico", apelido que carregou desde a infância, ainda não era massagista do seu clube de coração. Trabalhava como enfermeiro no Pronto Socorro Municipal, no cruzamento das ruas Voluntários de São Paulo e Saldanha Marinho, frente o antigo “Tiro de Guerra”, no Centro de Rio Preto.

Seu irmão Arlindo Sutto e o amigo João Manoel Pereira Filho, também prestavam serviços no local. Os massagistas Osmar e Francis tinham deixado o América logo após a vitória de 3 X 0 sobre o Guarani, em Rio Preto, dia 18 de junho, pela sétima rodada do Paulistão.

Profissional qualificado, apaixonado pela profissão, nunca passou pela cabeça de "Nico" qualquer envolvimento com o futebol, a não ser o de torcedor.  

Foi quando o médico Carlos Cabbaz e o diretor Osvaldo Meucci, o “Dico”, foram até a sua casa pedir para que ele colaborasse com o América, que no domingo seguinte jogaria com o Jabaquara, em Santos.

Prestativo como ele só, "Nico" conseguiu uma folga no Pronto Socorro e foi com a delegação vermelha para o litoral santista. Deu sorte e o América conseguiu empatar em 0 X 0. E dessa maneira teve início a sua carreira de massagista.

O técnico americano era o argentino Filpo Nuñez. O time era bom e a torcida sabia a escalação de cor e salteado: Vilera - Xatara e Fogosa. Adésio - Bertolino e Ambrózio. Cuca – Leal – Dozinho - Vidal e Orias.

Era um mundo completamente diferente daquele que estava habituado. Além das injeções e medicamentos diversos, vestiário, jogadores, óleo elétrico e muita massagem também fizeram parte do seu cotidiano.

Passou a viver ativamente a vida do clube. Os jogadores aprenderam a gostar dele e confiarem no seu profissionalismo. Na hora da dor, era só consultar o "Nico" para ter alívio imediato.

Mas ele era exigente e gostava que os jogadores seguissem à risca as suas determinações. Costumava dizer que era mais fácil trabalhar quando todos são disciplinados e obedientes.

A atenção que "Nico" dedicava a todos, fez com que também se tornasse um verdadeiro conselheiro dos atletas. Muitos contavam a ele até intimidades. Foi assim com o jovem atacante Cardoso, artilheiro da equipe americana na conquista do título da Segunda Divisão de 1963.

Amante de pescaria, o “santo massagista do América” curtia os raros momentos de folga na beira do rio Turvo. Alguns atletas viraram companheiros de pesca, como o zagueiro "Nelson Coruja", que depois foi para o Palmeiras, e o goleiro Reis.

O jogador “Nélson Coruja”, que havia jogado no América e foi para o Palmeiras, chegou a indicar ao alviverde a contratação de "Nico" . Mas este agradeceu o convite e preferiu ficar no América, clube que aprendeu a amar. Além de manter suas raízes de riopretano.

"Nico" dizia que a parte financeira não era o que mais importava. Ganhando bem ou mal, o importante era executar o trabalho com dedicação, disse, em entrevista publicada em 1969 pelo jornal “Diário da Região”.

Trabalhou no América até 1991. Neste período, foi campeão da “Segunda Divisão”, de 1963 (atual A-2), com acesso ao Paulistão, e do “Torneio José Maria Marin”, de 1987 (equivalente a Copa Paulista de hoje).

Ainda participou da conquista da “Taça dos Invictos”, de 1973, quando o América ficou 17 jogos sem perder no “Paulistinha”. Também viu a equipe disputar os campeonatos brasileiros de 1978 e de 1980.

"Tio Nico" trabalhou com os treinadores Filpo Nuñez, Américo Brumell, Conrado Ross, João Avelino, Antonio Julião, Gilson Silva, Rubens Minelli, João Leal Neto, Wilson Francisco Alves, o “Capão”, Vail Mota, Urubatão Calvo Nunes, Barbatana, Candinho e outros conceituados mestres.

Em junho de 1992, Antônio Sutto sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC), o que complicou bastante a sua saúde. Os últimos 18 meses de vida foram passados em uma cadeira de rodas. Apesar da lucidez, conversava pouco.

Era um quadro bem diferente, que em nada lembrava daquela pessoa falante e divertida, dos tempos de massagista, que animava o vestiário ao contar causos saborosos.

“Nico” foi casado com Célia Rodrigues e teve os filhos Marcos Antônio, Márcio e Márcia Bruna, mas separou-se da mulher na década de 1980.

Com a saúde debilitada, foi morar em uma casa em Santa Fé do Sul, alugada por seu irmão Arlindo. Tinha acompanhamento diário de médico e de enfermeira.

Morreu de insuficiência respiratória aos 60 anos, no dia 9 de dezembro de 1993, numa manhã cinzenta de nuvens carregadas, como se o céu também chorasse a sua partida deste plano espiritual. (Pesquisa: Nilo Dias, baseada em artigo de Edwellington Villa, do jornal "Diário da Região", de São José do Rio Preto)


sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O jogador que nunca fez gol

Izídio Osorio, o “Cascudo”, foi um bom lateral direito que jogou no futebol de Pelotas (RS) nos anos 1950, 1960 e 1970. Teve uma particularidade, nunca fez um gol sequer na carreira em que defendeu os três clubes da cidade, Brasil, Farroupilha e Pelotas.

“Cascudo” nasceu em Pelotas no dia 13 de janeiro de 1935 e faleceu em sua terra natal no dia 15 de junho de 2015, aos 80 anos de idade. O ex-lateral foi sepultado pela manhã no Cemitério Ecumênico São Francisco de Paula.

Ele esteve internado por um longo período em uma casa de geriatria, localizada na rua General Osório entre Dom Pedro II e Telles e sofria do “Mal de Alzheimer”.

Começou a carreira no G.E. Brasil onde participou de 80 jogos, ao longo das temporadas de 1954, 1955, 1956 e 1957. Esteve em campo no amistoso realizado em março de 1957, entre Brasil X Santos, com “Pelé” no time paulista.

Em 1960, aos 25 anos de idade, transferiu-se para o rival, Esporte Clube Pelotas, e depois para o Grêmio Atlético Farroupilha, onde participou do time que ficou conhecido como “Academia Tricolor”, que marcou época nas décadas de 1960 e 1970.

O time base do Farroupilha era: Caramuru – Cascudo – Osmarino - Zéquinha (Noel) e Betinho. Noredim e Gilnei. Celso – Lelo - Wilson Carvalho e Dias. Depois de encerrar a carreira de jogador foi técnico do próprio Farroupilha.

Segundo registro do jornalista Augusto Santos, Izídio era o técnico do Farroupilha em 1980 quando este venceu o Grêmio Portoalegrense, em pleno Estádio Olímpico, em Porto Alegre. Foi homenageado em 2001 como ex-atleta do Farroupilha.

Quando o escritor pelotense Manoel Soares Magalhães soube do fato, ficou sem saber o que pensar. Confira a seguir sua crônica.

"Dizer o quê de um atleta que jogou profissionalmente e jamais fez um gol. Até hoje não havia pensado nessa possibilidade. Achava impossível existir um jogador que não tivesse feito pelo menos um golzinho. Um meio gol, talvez, com a ajuda do goleiro, do montinho artilheiro, de um Deus de plantão, cuja benevolência extrapolou.

Folheando o excelente livro escrito por Marco Antonio Damian, escritor e historiador, e de Luiz Cesar Freitas, comentarista e cronista esportivo, chamado “Enciclopédia do Futebol Gaúcho – Volume I - Ídolos e Craques”, lançado em 2009, descobri que houve esse jogador.

Chamava-se Isídio Osório, conhecido como “Cascudo”. Sim, “Cascudo” é o nome do jogador que jamais marcou um gol jogando profissionalmente. Encerrou sua carreira sem nunca ter marcado um gol. Sem jamais ter experimentado na alma a quentura de um gol, revolvendo suas entranhas, arremessando-o às alturas.

O ex-atleta já morreu. O que terá pensado no instante do passamento? Que procurou tratar bem a bola, porém, caprichosa como solista de ópera, frustrou suas expectativas? Difícil saber o que terá imaginado o velho lateral-direito “Cascudo”, cujo profissionalismo e dedicação aos clubes que defendeu fora grande. Isso são coisas intangíveis, inimagináveis.

O fato é que o velho “Cascudo” jamais balançou a rede. Não teve esse gosto. Por uma estranha e infeliz ironia".

Dentre os jogadores que se consagraram na academia tricolor daquela época, e que costumava derrotar Grêmio e Internacional nos jogos no “Estádio Nicolau Fico”, alguns já são falecidos: Osmarino, Gilnei, Lelo e Dias, por exemplo. O treinador tricolor, tenente José Avelino Pires da Fonseca também já morreu.

O Grêmio Esportivo Brasil, que também possuía uma equipe consagrada nesta mesma época, tinha Geovio – Adilson – Jocely - Moacir e Bahia. Caçapava e Birinha. Edy – Oli - Fonseca ou Pintinho e João Borges.

Desse time “Xavante”, já são falecidos Geóvio, Bahia, Caçapava, Edy, Oli, Pintinho e João Borges. O consagrado treinador Paulo de Souza Lobo, o Galego, também já morreu.

O Esporte Clube Pelotas também possuía um time de respeito: Piva - Hermínio – Osmar - Walmir e Severo. Serafim ou Luizito e Jara ou Joaquinzinho. Sidnei Buttini - Leal - Walter e Paraguaio.

Dos atletas da “Boca do Lobo” das décadas de 60 e 70, já são falecidos Hermínio, Osmar (Gauchão), Serafim, Joaquinzinho e Humberto Severo. O famoso treinador Oswaldo Rolla (Foguinho), e o treinador das categorias de base, Getúlio Saldanha, também já morreram.

Nessa época eu morava em Pelotas e trabalhava na imprensa local: Rádios Pelotense e Tupancy, jornal “Diário Popular” e Sucursal da Companhia Jornalística Caldas Júnior.

Era torcedor do Farroupilha, por inspiração do saudoso Gabriel Vargas Campelo, que era sogro do meu também saudoso irmão, Izabelino Tavares. O seu Campelo era dono do “Expresso Ponche Verde”, que transportava cargas de Dom Pedrito, minha terra natal, para o Porto de Rio grande e vice-versa.

Por isso conheci e fui amigo de muitos jogadores do Farroupilha, nos seus bons tempos.

Também teve destaque no Farroupilha, Luís Carlos Machado, mais conhecido como “Escurinho”, gaúcho de Porto Alegre, onde nasceu em 18 de janeiro de 1950. Morreu em Porto Alegre mesmo, em 27 de setembro de 2011, aos 61 anos de idade.

Perdeu a batalha para o diabetes que já tinha sido responsável pela amputação de uma perna. Quando morreu morava em Guaíba, tendo enfrentado dificuldades financeiras, mas conseguiu ajuda junto ao Internacional e por alguns dirigentes e conselheiros do clube.

“Escurinho” teve dois filhos, D’Marcelus e Cássius, que tentaram a sorte no futebol. Jogaram nas categorias de base de Grêmio e Internacional e por clubes do interior, mas em momento algum alcançaram o sucesso do pai. D’Marcelus jogou, também, no Paraná.

Eu conheci bem o “Escurinho”. No tempo que ele jogou no Farroupilha fizemos uma sólida amizade. Era um cara espetacular, ótimo sambista e compositor. Ele chegou ao clube por empréstimo, junto do também atacante Pedro.

Anos depois os dois atuaram juntos no Palmeiras, de São Paulo. Em fim de carreira teve passagens discretas, por Caxias e Novo Hamburgo.

Contam que era muito cuidadoso com a imagem. Vestia bem, gostava de usar calça branca, apertada, sapatos brancos, sempre bem lustrados, e camisa “volta ao mundo”, quase sempre estampadas e coloridas.

O que ele mais cuidava era o cabelo, sempre bem penteado. Gostava do “Black Power”, que era moda na sua época. Dizem que ficava duas horas antes do treino, e outras duas horas, depois, ajeitando a cabeleira arredondada, usando como pente, um garfo comprido.

“Escurinho”, certa ocasião foi convidado para participar de um programa de esportes da TV Tuiuti, Canal 4, hoje RBS TV, de Pelotas, quando seria entrevistado ao vivo.

Botou a melhor roupa, penteou o cabelo por três horas e ai notou que sua calça de linho, branca, tinha uma pequena rasgadura, bem acima do zíper, coisa de meio centímetro, imperceptível.

Mas mesmo assim, “Escurinho” entrou em pânico. Já era seis da tarde e o programa era as sete. O táxi estava para chegar e de nada adiantava os companheiros dizerem que ninguém iria notar.

Quem o convenceu que ninguém ia notar, foi o companheiro Izidio Osório, o “Cascudo”. Mas alguns jogadores mais sacanas, entre os quais o goleiro César, não quiseram perder a oportunidade de fazerem uma brincadeira com o colega.

Foram todos para a calçada, frente o Estádio, encostados na parede. Quando Escurinho apareceu, para embarcar no taxi, gritaram ao mesmo tempo: “Pô negão, tu vai na TV com essa calça rasgada. Tu tá com um baita rasgão em cima do fecho. Vai trocar de calça, pô”.

E “Escurinho”, chorou de raiva, abraçado ao técnico “Cascudo”. Disse que não iria mais. Que ia passar vergonha. E só depois de ser convencido que tudo não passava de uma brincadeira, é que Escurinho embarcou no táxi, rumo ao programa de TV, e ainda assim, desconfiadíssimo. (Pesquisa: Nilo Dias)