quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Petkovic, o "Rambo" sérvio (Final)

No início de 2005, "Pet" foi contratado pelo clube saudita do Al-Ittihad, voltando ao Rio de Janeiro em agosto, para jogar no Fluminense. Sua estreia, no dia 24, foi contra o São Paulo, em empate em 1 X 1 no Morumbi.

O ano de 2006 acabou sendo amargo nas Laranjeiras. Apesar dos altos investimentos da patrocinadora Unimed (que trouxe Tuta, Pedrinho, Rogério e Cláudio Pitbull), o clube não passou da primeira fase nos dois turnos do Campeonato Carioca.

Em janeiro de 2007, transferiu-se para o Goiás. Após o término do Campeonato Goiano,(em que o campeão foi o Atlético Goianiense), Petković rescindiu seu contrato no início do Brasileirão, insatisfeito com cobranças que julgava excessivas.

O jogador acertou então com o Santos, do técnico Vanderlei Luxemburgo, com a missão de substituir Zé Roberto, se tornando o 52º jogador dentre todos os jogadores estrangeiros do alvinegro. Porém, teve uma sequência irregular de boas partidas e foi dispensado ao final do ano.

Em março de 2008, foi para o Atlético Mineiro como a grande contratação nas comemorações do centenário do clube. Foi um dos poucos que teve atuações razoáveis no decepcionante ano dos alvinegros.

Ao final do ano perdeu espaço por causa de problemas físicos. Sua saída foi anunciada pelo técnico Emerson Leão assim que este assumiu o cargo, em 17 de dezembro. O mesmo treinador já o havia dispensado quando assumira o Santos, no final do ano anterior.

Sete anos depois Petković retornou ao Flamengo em um acordo para diminuir o valor que o clube lhe devia. Em 20 de novembro de 2009, já havia deixado sua marca na história do Maracanã, sendo o quinto estrangeiro a ser eternizado na Calçada da Fama do estádio (depois de Elías Figueroa, Romerito, Franz Beckenbauer e Eusébio).

Depois de cinco meses sem disputar uma partida, Petković finalmente foi reintegrado ao grupo para uma despedida. Entrou em campo pela última vez para um jogo oficial em 5 de junho de 2011, enfrentando o Corinthians pelo Campeonato Brasileiro.

Jogou o primeiro tempo do empate em 1 X 1. No intervalo, recebeu uma placa comemorativa da presidente do clube, Patrícia Amorim, e deu a volta olímpica na pista do “Engenhão”, sendo ovacionado pela torcida rubro-negra.

Petković, após defender seleções de base da Iugoslávia, fez partidas esporádicas pela então Seleção Iugoslava principal entre 1995 e 1999.

Sua transferência do poderoso Real Madrid para o Vitória e, antes disso, discussões com o então técnico Slobodan Santrač ainda em 1995 acabaram prejudicando-o, não sendo chamado para a Copa do Mundo de 1998.

Antes de tudo isso, o banimento imposto à seleção pela FIFA entre 1991 e 1994 devido à Guerra Civil Iugoslava foi outro fator que não lhe deixou ter mais partidas, justamente na época em que despontava no Estrela Vermelha e era considerado um dos mais promissores talentos europeus.

Em 1995, a Iugoslávia jogou sete vezes, com Petković finalmente atuando: participou das últimas cinco partidas, três como titular e vencendo quatro.

Curiosamente, foi justamente na única derrota da Seleção, no “Marakana”, apelido do estádio do Estrela Vermelha, que ele marcou o que seria seu único gol pela seleção, contra a Rússia.

Na última partida do ano, contra os mexicanos a relação de Petković com o técnico Santrač, deteriorou de vez. Temperamental, o jogador questionou a capacidade do técnico, que, não o utilizou mais e, com isso, o deixou de fora da Copa do Mundo de 1998.

Petković só voltou à Seleção após o torneio, em novo amistoso do país contra o Brasil, em setembro, no Maranhão, quando Milan Živadinović já era o técnico..

Foi titular no 1 X 1 contra os brasileiros, mas, como ainda estava no Vitória, e por aquele retorno ter sido também sua última partida pela Iugoslávia, ele declarou anos mais tarde que acredita que só foi chamado na ocasião pois seria um bom tradutor para a delegação, apesar de Živadinović tê-lo treinado no Estrela entre 1992 e 1994.

Decidido a jogar no futebol brasileiro, Petković perdeu visibilidade com os treinadores que se seguiam no comando da Iugoslávia, não sendo chamado por Vujadin Boškov para a Eurocopa 2000.

Chegou certa vez a desabafar à Placar que, se tivesse permanecido no Venezia, clube segundo ele mesmo "dez vezes mais fraco que o Flamengo (sua equipe à época)", continuaria a ser chamado.

Com o fim da Iugoslávia e o surgimento da Sérvia e Montenegro, chegou a acalentar esperanças de poder jogar pela Seleção Brasileira, visto que a seleção que já defendera não existia mais, o que o tornaria livre para jogar por outra.

Aos 33 anos quando o país se separou, às vésperas do mundial, Petković tampouco foi chamado para defender a nova Seleção Sérvia. Em 2009, o então técnico da Sérvia, Radomir Antić, declarou-se feliz com o sucesso de "Pet" no Brasil, mesmo com a idade avançada de 37 anos.

Em 26 de dezembro de 2013, foi anunciado como gerente das categorias de base do Atlético Paranaense, além de comandar a equipe sub-23 do “Furacão”, que substituiu a equipe principal, durante o Campeonato Paranaense de 2014.

No dia 12 de junho de 2015 foi anunciado como técnico do Criciúma para o Campeonato Brasileiro. No dia 13 de março de 2016, Petković foi anunciado como novo treinador do Sampaio Corrêa.

Em 11 de maio de 2017 foi anunciado como treinador pelo Vitória, ocupando também o cargo de gerente de futebol. Em 3 de junho deixou o cargo de treinador, passando a ficar somente como diretor de futebol e anunciou Alexandre Gallo como seu substituto na função.

Petković é formado em enfermagem, tendo realizado o curso de formação paralelamente ao início de sua carreira, no Radnički Niš. A continuidade dos estudos foi uma exigência dos pais, Dobrivoje e Milena, para permitir a carreira futebolística.

No curso, conheceu e passou a namorar a mulher que se tornou sua esposa, Violeta. Sua adaptação e a de sua esposa e filhas ao Brasil (onde investiu em imóveis, além de ser sócio de uma pizzaria) foi tão boa que se divulgou que todos chegaram a começar um processo para naturalizarem-se.

Ele, a esposa e as filhas, Ana e Inês, falam português fluentemente. O aprendizado do casal tornou-se de certa forma mais fácil por já saberem falar espanhol, após os dois anos passados na Espanha.

Entretanto, a notícia da naturalização seria posteriormente desmentida pelo próprio "Pet": "Não estou me naturalizando, nem minha família. A burocracia aqui é absurda. Sou um cara que moro aqui há muitos anos e não tenho nem visto de permanência, só de trabalho".

Pet já recebeu, em novembro de 2009, os títulos de benemérito e de cidadão do Estado do Rio de Janeiro, na Assembleia Legislativa Fluminense. Em 2010 foi condecorado com a Ordem do Rio Branco.

Petković já admitiu sentir saudades de quando seu país, à época Iugoslavia, era controlado por um regime socialista, afirmando que naquele tempo havia forte incentivo ao esporte e que a população vivia em ótimas condições e com emprego.

Em 2011, Boban Petković, irmão do jogador, produziu o filme “O Gringo” ao lado dos cineastas Leonardo Edde e Darko Bajić. O documentário, com entrevistas e imagens de gols de Petković por vários clubes, foi exibido no Brasil e na Sérvia naquele mesmo ano. (Pesquisa: Nilo Dias)


terça-feira, 7 de novembro de 2017

Petković, o "Rambo" sérvio (1)

Dejan Petković, foi um dos grandes jogadores que vestiram a camisa do Clube de Regatas Flamengo, do Rio de Janeiro, em toda a sua história. Não era brasileiro. Nasceu em Majdanpek, Sérvia, antiga Iugoslávia, no dia 10 de setembro de 1972.

Ainda jovem mudou-se para a cidade de Niš para jogar nas categorias de base do clube local, o Radnički Niš. Estava seguindo os passos do irmão mais velho, Boban, e do pai, Dobrivoje, que também foram jogadores desse clube.

Tornou-se o mais jovem jogador da história do futebol iugoslavo a atuar numa partida oficial, estreando em 25 de setembro de 1988 (quando tinha 16 anos e 15 dias de idade) em vitória por 4 X 0 sobre a equipe bósnia do Željezničar Sarajevo.

No Radnički, ganhou o apelido pelo qual ficou conhecido em sua terra natal, “Rambo”, em referência ao personagem de Sylvester Stallone, por seu físico robusto à época. Até hoje, faz contribuições ao seu primeiro clube, entre material esportivo e dinheiro.

O grande salto na sua carreira ocorreu em 1991, quando foi para o poderoso Estrela Vermelha, de Belgrado, capital da então Iugoslávia e que recém havia conquistado o título da “Copa dos Campeões da UEFA”. Ficou no clube até 1995.

Em sua primeira temporada, 1991/1992, o Estrela Vermelha foi campeão iugoslavo e faturou também a “Copa Intercontinental”, mas Petković não chegou a ter participação relevante nos dois títulos.

Ainda não havia conseguido espaço no elenco, repleto de jogadores de renome inclusive internacional, como Dejan Savićević, Darko Pančev, Siniša Mihajlović, Vladimir Jugović e Miodrag Belodedici.

Aquela edição, a última do campeonato iugoslavo a ter contado com equipes macedônias e bósnias, marcou também a saída destes astros que, com o agravamento da Guerra Civil Iugoslava, foram jogar no exterior.

A equipe do Estrela precisou então ser reformulada e “Rambo” finalmente obteve chances. Por dois anos, foi o arquirrival Partizan quem faturou o campeonato. Até que, na temporada 1994/95, Petković foi o grande nome no meio-campo do grupo que reconquistou a liga iugoslava.

Ele foi o único campeão a jogar as 36 rodadas, sobressaindo-se em relação a colegas que posteriormente tiveram mais prestígio na Europa que ele, como Goran Đorović, Darko Kovačević e Dejan Stanković.

Depois dessa conquista, foi contratado pelo Real Madrid. Quem esperava que explodisse no grande clube espanhol, se enganou. Isso não aconteceu. Contratado em agosto, foi obrigado a ficar por mais cinco meses no Estrela Vermelha, que se classificou para a fase preliminar da Liga dos Campeões da UEFA de 1995.

O clube acabou eliminado precocemente, mas Petković só chegou ao Real em dezembro. Apesar de ter feito uma estreia de luxo, em que marcou o gol da vitória do seu time por 3 X 2 no clássico contra o Atlético de Madrid, em jogo amistoso realizado no dia 29 de dezembro em Alicante, valendo o “Troféu de Natal”, não conseguiu mais chances com o técnico Jorge Valdano.

Em razão disso, ele foi emprestado ao Sevilla, dando espaço para o Real contratar o croata Davor Šuker. O empréstimo durou quatro meses.

No Sevilla, Petković foi titular, mas era quase sempre substituído, sob a justificativa de que só ficaria no clube até meados de 1996 e o clube precisava armar um esquema sem ele.

Pet não teve sorte mesmo. Na mesma rodada em que estreou pelo Sevilla, o Real perdeu e Valdano foi demitido. Para piorar, fraturou o pé pouco tempo depois.

Quando o empréstimo terminou e ele voltou ao Real, desentendeu-se com o novo treinador, o italiano Fabio Capello, e foi novamente emprestado, desta vez para o Racing Santander.

Teve uma passagem ruim pelo Racing. Foi quando aceitou convite do time brasileiro do Vitória, da Bahia, que o descobriu após participar de um torneio amistoso em que o sérvio se destacou pela equipe B do Real.

O rubro-negro baiano, em parceria com o Banco Excel, contratou também as estrelas Túlio e Bebeto. O "gringo" veio justamente para substituir Bebeto, que fora para o Botafogo, do Rio de Janeiro.

Inicialmente, o grande objetivo de Petkovick, ao aceitar a proposta de empréstimo ao Vitória, era jogar bem para atrair nova atenção europeia.

Desconhecido no Brasil, poucas eram as expectativas em cima dele, que, logo na estreia, contra o União São João, marcou um gol de falta e deu passe para Túlio também marcar no empate por 2 X 2 contra o time paulista.

Em oito partidas em 1997, marcou duas vezes. Em 1998, começou o ano em ritmo vagaroso, marcando poucos gols, mas ainda assim se destacando.

Acabou sendo vice-campeão do Campeonato Baiano e do torneio regional, contabilizando 11 gols nas duas competições.

No Brasileirão de 1998 marcou 14 gols em 21 partidas, fazendo com que o São Paulo chegasse a oferecer suas promessas França e Dodô por ele, na época.

Seus gols e assistências ficaram marcados na memória da torcida leonina, com a boa fase seguindo no ano seguinte, o do centenário do Vitória. No Estadual foi o artilheiro com 19 gols em 16 jogos.

Porém, se machucou, quando da final do Campeonato Baiano de 1999, marcada por guerras judiciais. A Justiça achou por bem declarar Vitória e Bahia campeões.

Em 1999, Petković também se consagrou como artilheiro da Copa do Brasil, ao lado de Romário, mesmo com o Vitória sendo eliminado ainda nas oitavas-de-final frente ao Palmeiras.

Petković conseguiu seu retorno ao futebol europeu, sendo contratado pelo Venezia, da Itália, indo no meio do ano para jogar a temporada 1999-2000.

Em agosto de 1999, mesmo tendo saído recentemente, o iugoslavo foi eleito pela “Revista Placar”, com 44% do júri popular o maior jogador do Vitória no século XX.

Na Europa, "Pet" ficou novamente sem espaço, decidindo aceitar um retorno ao Brasil no semestre seguinte, no início de 2000, desta vez para o Flamengo, do Rio de Janeiro, que pagou 7 milhões de dólares por sua contratação.

No primeiro semestre de 2001, após um fraco Torneio Rio-São Paulo do Flamengo, Petković viveu uma das melhores fases de sua carreira. Conquistou dois títulos estaduais e um nacional.

Destacou-se especialmente por suas ótimas cobranças de faltas, sendo que duas foram decisivas em finais daquele ano contra o Vasco da Gama (Campeonato Carioca) e São Paulo (Copa dos Campeões).

No coração da massa rubro-negra, Petković virou "Pet". Com tantos momentos marcantes, incluindo ainda um em que a torcida cantou-lhe parabéns em partida realizada no dia de seu aniversário, o sérvio finalmente passou a considerar o Brasil sua segunda casa.

Afetado por três meses de salários atrasados, chegou a ajuizar ação contra o clube para obter seu passe na véspera do segundo jogo da semifinal da Copa Mercosul de 2001, fora de casa, contra o Grêmio, dias antes também da partida decisiva contra o Palmeiras que poderia livrar a instituição do rebaixamento.

Porém, no início de 2002, o ambiente voltou a ficar ruim na Gávea, com a perda da Copa Mercosul nos pênaltis para o San Lorenzo (a decisão seria em dezembro de 2001, mas a partida na Argentina teve de ser adiada para janeiro em razão dos tumultos populares gerados pela crise econômica que assolava o país).

E, posteriormente, com a decepcionante campanha na Libertadores, onde o Flamengo foi eliminado na primeira fase, ficando em último em seu grupo. O time também ficou longe das fases finais do Torneio Rio-São Paulo e do Campeonato Carioca de 2002.

Chegou ao Vasco da Gama no meio de 2002, em surpreendente transferência do rival, não chegando a ser campeão carioca pelo clube cruzmaltino, pois se transferira pouco antes para o futebol chinês.

Começava a cair nas graças da torcida quando foi anunciada sua saída em virtude de um contrato de mais de R$ 10 milhões oferecido pela equipe chinesa do Shanghai Shenhua.

Após um ano na China (onde faturou o campeonato local), chegou a ser sondado pelo Botafogo, justamente o único grande time carioca que ainda não defenderia. Petković voltou ao Rio de Janeiro para jogar novamente no Vasco, durante o Campeonato Brasileiro de 2004.

Tendo liderado a equipe na campanha que garantiu a permanência, marcando 18 gols e distribuindo 11 assistências (sendo artilheiro e maior "garçom" do elenco), Petković recebeu finalmente sua primeira Bola de Prata da Revista Placar, tornando-se o primeiro (e, até o holandês Clarence Seedorf ganhar a sua, em 2013, o único) europeu a ganhar a premiação. (Continua amanhã) (Pesquisa: Nilo Dias)


quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Há 22 anos ouvindo insultos raciais

O jogador colombiano, Carlos Sánchez, nasceu em San Andrés e Providencia, mas cresceu em Barranquilla. Está com 32 anos e reside há 22 em Pontevedra. Joga no San Martín de Vilaxoán, time da Primeira Divisão regional.

Cansado de ser vitima de insultos raciais recebidos nos campos de jogo, mostrou-se disposto a parar de jogar futebol. Já nem sabe quantas vezes foi chamado de “negro de merda”. Ate´sua mãe, que era a sua maior fã, deixou de ir vê-lo jogar depois do que aconteceu um dia em que chegou ao campo com a partida já começada:

E ao perguntar como estava o jogo, alguém lhe respondeu: “Estamos perdendo de 3 X 0 e o último gol foi marcado por aquele negro.” De imediato a senhora respondeu: “Aquele negro é meu filho.”

Ser chamado de “macaco” e “negro de merda” virou rotina na vida de Carlos Sanchez.  Os campos onde seu time joga não comportam mais do que 200 pessoas. Desde que chegou ao time do San Martin, convive com insultos.

Lembra de uma partida de juniores em que ele fez dois gols, e dedicou um deles aos que o chamavam de “negro de merda”. Terminado o jogo, o pai de um menino que o xingava, desceu da arquibancada e tentou lhe bater. Foi o técnico de seu time que o impediu.

Embora tenha o apoio de seus amigos, estes o aconselham a que não ligue para os xingamentos. Eles acham que devo ficar imune a tudo porque, como ouço isso há muitos anos, pensam que estou vacinado e consideram isso normal.

Quando falam isso prefiro ficar calado e me dedicar ao jogo. Eles não entendem que isso afeta Carlos e lhe cria uma tensão emocional danada que o faz sentir-se mal. E se defende dizendo que o ingresso para o jogo não inclui o direito ao insulto.

Quando Carlos foi entregar seu pedido de afastamento do clube, devido uma lesão em um acidente, encontrou o presidente e seus assistentes comendo bolo para celebrar o aniversário de um deles. Disse que algumas semanas de repouso seriam boas para afastar-se de tudo e voltar à normalidade.

Duas semanas antes, na arquibancada do campo de Marcón, voltou a escutar insultos raciais. Desta vez, o árbitro registrou-os na ata: “Negro de merda”, “Macaco”, “Vá para Melilla” (cidade espanhola na África), e a federação galega puniu o clube com multa de 301 euros e uma partida a portas fechadas.

No final do primeiro tempo, Carlos Sánchez enfrentou o torcedor que o xingava. Disse que ele era corajoso o xingando lá de cima e o chamou para que dissesse tudo o que quisesse no final da partida.

Ao fim do jogo, os colegas o seguraram antes que as coisas piorassem. Nervoso, Sanchez disse que foi bom lhe segurarem e o levarem para o vestiário, pois caso contrário iria bater no torcedor.

Logo que entrou no vestiário anunciou que ia embora. Tremia de tão nervoso. Voltou para casa a pé, recusando ofertas de carona em carros. Andou quatro quilômetros. Nem sabia o que estava fazendo. Só precisava esquecer tudo, andar e arejar a cabeça, contou.

Colegas, técnico e presidente deixaram-no respirar por alguns dias e Carlos finalmente decidiu que não fazia sentido jogar a toalha.

Decidiu continuar porque é o que ele mais gosta de fazer. Se saísse seus opressores achariam que ganharam. E disse que é um lutador e quer lutar, mesmo que continue sendo ofendido.

No jogo seguinte, o seu time vestiu uma camisa com a mensagem “stop racism”, adotou um protocolo e convidou outros clubes a fazer o mesmo.

Também avisaram o trio de arbitragem e o diretor de campo falou que eles tem na equipe um jogador negro e pediram, caso houvessem gritos racistas, que tomassem medidas enérgicas.

E advertiram que se os insultos ocorressem não estariam dispostos a tolerá-los. E se preciso fosse, até sairiam de campo, cientes de que iriam enfrentar multas e perdas de pontos.

E acrescentaram que tudo é tão surreal que acabariam punindo o prejudicado. Em razão disso passaram a gravar as partidas para terem provas em caso de sanções.

Carlos Sanchez até fez um “mea culpa”, dizendo que não é santo e que fez coisas ruins no passado, teve brigas, bebedeiras, como todo mundo. Mas como é negro, muita gente pensa que ele não é vítima e que não passa de um provocador.

Fica incomodado ao ser julgado por coisas que fez no passado. Foi assim que ele se apresentou ao jornalista que o procurou na estação ferroviária. Caminhou rápido, sem mostrar nenhum resquício de sotaque colombiano. Ainda aprendeu a língua galega.

Sanchez, além de jogar futebol, fez um curso de atividades de animação físico-esportivas para se tornar monitor. Disse que se adaptou muito bem à Espanha, e que na rua sempre se sentiu uma pessoa como outra qualquer. Os insultos raciais só ocorrem nos campos de futebol.

No início, quanto mais gritavam negro, mais ele se motivava. Era tão atrevido ao ponto de dizer podiam lhe xingar a vontade. Em resposta faria um par de gols. Mas nos últimos anos os insultos passaram a lhe afetar ao ponto de não aguentar mais. (Pesquisa: Nilo Dias)