domingo, 4 de agosto de 2019

A lenda de Isadora

Aos 13 anos de idade, em 2014, a menina Isadora Ribeiro foi diagnosticada com um tumor cerebral. Querida pelas pessoas do bairro onde mora em Gravataí (RS), conseguiu que a comunidade se unisse em torno de sua causa, buscando recursos para pagar o tratamento.

Ela recebeu força de onde poucos imaginavam para vencer a doença: no futebol amador da cidade onde mora, através do Grêmio Esportivo 3 Estrelas, clube presidido por seu pai, Vagner dos Santos, o “Didu”, na época com 36 anos.

A união dos jogadores em torno de Isadora nunca será esquecida. Ficam lembranças emocionantes, como no dia em que todos os atletas rasparam os cabelos para ficarem parecidos com ela. E quando fizeram surpresa ao esperarem por ela na saída de uma sessão de quimioterapia.

Ou nas vezes em que o time doou gasolina e dinheiro para ajudar no seu tratamento. Ou ainda em sua festa de 15 anos, comemoração que jogadores e torcedores ajudaram a realizar.

Torcedora fanática do 3 Estrelas, logo que passou pela primeira cirurgia seu desejo foi de ir ao campo do time do coração, de onde tinha certeza, tiraria forças e energias para reiniciar a vida, mesmo contrariando a recomendação médica, que era de que permanecesse em casa.

No campo de jogo foi recebida como se fosse um troféu de “Copa do Mundo”: entrou nos braços de um jogador, virou mascote do time e música que não sai da cabeça dos torcedores: "Dá-lhe ô, dá-lhe ô, Isadora, dá-lhe ô", cantava o grupo “Bicho Papão”, torcida organizada do Três Estrelas, com as batidas graves do bumbo e secas do tarol compondo a trilha sonora.

A menina entrou em campo com 32 pontos na cabeça, máscara cirúrgica, toucas e luva. Emocionada e agradecida, Isadora disse? “Eles me deram toda a força que precisava. Foi de onde eu tirei coragem para acreditar que eu poderia vencer a doença”.

Um ano depois do episódio que uniu clube, comunidade, família e a menina, o diagnóstico médico foi de que a doença estava controlada. Foi assim que nasceu a história que ficou conhecida na região como "a lenda de Isadora".

O 3 Estrelas passou a organizar anualmente o torneio de futebol denominado “Taça Isadora Ribeiro de Futebol”, onde todo o dinheiro arrecadado é revertido para alguma criança com câncer, que é escolhida por Isadora.

Ela costuma ir à Santa Casa, onde fez o tratamento, e doar para quem tem poucas condições financeiras. Além disso, também é realizada a “Corrida Contra o Câncer Isadora Ribeiro”, promovida pela “Associação Esporte Gravataí Corridas”, que busca doações de brinquedos novos para serem distribuídos entre as crianças doentes.

Hoje, aos 18 anos, Isadora segue sendo torcedora fanática do 3 Estrelas, clube fundado em 1936 e o maior campeão do torneio municipal de Gravataí, na categoria principal. 

Ela havia saído da sede do clube instantes antes que a tragédia acontecesse. Foi num domingo, 12 de julho deste ano. Equipes de futebol amador disputavam jogos no campo do Três Estrelas. 

Carros de torcedores e familiares lotavam as ruas Itajaí e Quadros. Por volta das 17h30min, terminou a partida entre Três Estrelas X Bola Bola, sendo que o time da casa venceu por 5 X 1.

Logo após o fim do jogo, parte dos torcedores deixou o local. Os "da casa" permaneceram nos arredores do campo. Na sede do clube, que fica ao lado do gramado, começou a ser preparado um galeto.

Por volta das 18 horas, criminosos ingressaram por um beco na Rua Quadros, entraram na sede e abriram fogo contra um homem que estava no local.

Segundo o relato de testemunhas, o homem acossado correu em direção à multidão para buscar refúgio. O atentado acabou com duas pessoas mortas e oito feridas. Adélio Junior Souza Antunes, 28 anos, que era alvo dos criminosos, foi morto.

Segundo a polícia, ele havia saído naquela mesma semana do sistema prisional. O corpo dele foi encontrado no dia seguinte ao ataque, em uma área próxima ao campo. 

Ele teria tentado escapar correndo, após ser baleado. Mais oito pessoas ficaram feridas.  A motivação do ataque teria sido disputa de território, disse o delegado de Polícia, na ocasião.

No tiroteio também morreu uma das amigas de Isadora, a professora Maiara Emili Silveira da Silva, 20 anos, moradora da região. Ela trabalhava com crianças portadoras de deficiências e tinha planos de ser bombeira.

Após o ataque a tiros com duas mortes, o clube decidiu sair de campeonato de Gravata. Não havia mais clima para continuar na disputa. O clube emitiu a seguinte nota oficial: "em respeito às vítimas, familiares, jogadores, diretoria e comunidade, o 3 Estrelas comunica a saída do campeonato”.

Já a Liga Gravataiense informou que em virtude dos acontecimentos, tomou a decisão de não rebaixar clube algum em 2020.

A mãe de Isadora, Angélica Ribeiro, está presente em todos os eventos organizados para não deixar que o drama vivido por sua filha seja esquecido. Ela diz: “O amor cura e o carinho consola. Foi realmente isso que aconteceu. A semana toda os jogadores passavam nos ajudando, com roupa, comida. Agora podemos ajudar a outras pessoas”. (Pesquisa: Nilo Dias)

Isadora e seus pais, com a camisa do 3 Estrelas. (Foto: acervo do Grêmio Esportivo 3 Estrelas)


Isadora no campo do 3 Estrelas. (Foto: acervo do Grêmio Esportivo 3 Estrelas)