Pesquisadores e polêmicas a parte, não existe a menor dúvida de que Charles Miller foi pioneiro na introdução do futebol organizado no Brasil. Toda a razão para os que o credenciam como o “pai do futebol brasileiro”. As peladas nas praias e os bate bola descompromissados podem ter existido antes, mas não passavam de meras brincadeiras.
A coisa ganhou seriedade mesmo, quando Miller desembarcou de volta ao Brasil em 18 de fevereiro de 1894, depois de uma temporada de 10 anos de estudos na Inglaterra. E voltou com emprego garantido na São Paulo Railway Company, que naõ existe mais e se tornando correspondente da Coroa Britânica e vice-cônsul inglês em 1904.
Filho de um banqueiro escocês chamado John e de uma brasileira de ascendência inglesa, de nome Carlota Fox, Muller nasceu em São Paulo no dia 24 de novembro de 1874. Em 1884, como acontecia com quase todos os filhos de famílias ricas, ele foi estudar na Europa. Primeiro, na Banister Court School, em Southampton, extremo sul das ilhas britânicas. Depois, em uma escola pública no Condado de Hampshire, onde aprendeu a jogar futebol e criquete. Foi pelo time dessa escola que ele jogou a favor e contra o St. Mary e o Corinthian (sem o s), inspirador do Corinthians Paulista, fundado em 1910.
Aos 17 anos, Charles já se destacava no futebol, o que lhe deu a chance de disputar 34 partidas pela Banister School, marcando 51 gols. Pelo St. Mary ele jogou 13 partidas e fez três gols. Pelo Condado de Hampshire também emplacou três gols, só que em seis partidas. Nos 10 anos vividos na Inglaterra ganhou o apelido de “Nipper”, algo como “garoto”, ou “moleque”, por causa de seu jeito alegre e malandro de jogar.
No retorno ao Brasil trouxe na bagagem duas bolas da marca “Shoot”, fabricadas em Liverpool, presentes de um amigo, uma delas logo apelidada de "Peluda", por ainda conter pêlos no couro, uma bomba de ar, um grosso livro de regras, dois jogos de uniformes - da “Banister School” e do “St. Mary’s Football Club” - e um razoável conhecimento sobre o esporte criado pelos ingleses.
O saudoso jornalista e pesquisador De Vaney relata em seu livro, "Minhas Memórias do Futebol", in Cidade de Santos de 19 de dezembro de 1977, pág.3, que as duas bolas trazidas por Miller permaneceram fechadas em seu guarda-roupa desde a sua chegada, em 9 de junho de 1894 até 14 de abril de 1895. E se as tirou do armário foi tão-somente porque alguns de seus amigos ingleses pediram-lhe para trazê-las de sua casa.
Em conversas nas horas de folga, Miller convenceu seus colegas de trabalho e de críquete, todos altos funcionários da Companhia de Gás, do Banco de Londres e da Ferrovia São Paulo Railway, a participarem de um jogo de futebol, aos moldes do praticado na Inglaterra. Os treinos para o jogo eram realizados ao entardecer, num horário em que a Companhia de Viação Paulista soltava os animais na várzea. Por isso, era comum ter de espantá-los para ficar com toda a área à disposição.
Depois de todos terem entendido as regras e os termos em inglês, tais como “half-time”, “ground”, “match“ etc., Miller formou duas equipes, que ele denominou: "Team do Gaz" e "The São Paulo Railway", e promoveu o primeiro jogo de futebol realizado no Brasil dentro das regras oficialmente estabelecidas na Inglaterra, em 1863.
O jogo foi realizado no dia 14 ou 15, (a data não é precisa) de abril de 1895, tendo por local a Chácara Dulley, na Várzea do Carmo, ou do Gasômetro, nos arredores da rua do Gasômetro, situada entre os bairros da Luz e do Bom Retiro, em São Paulo, região que sofria com as constantes inundações do rio Tamanduateí.
Charles Miller marcou dois gols, na vitória de seu time, o "The São Paulo Railway" por 4 X 2. Como ainda não existiam uniformes específicos para a prática do futebol, os jogadores vestiram calças compridas. Segundo relatos da época, além de alguns poucos funcionários das empresas envolvidas no jogo, nenhum outro assistente. A não ser alguns burros que pastavam no local. Foi preciso enxotar os animais de dentro do gramado, para que o jogo se realizasse.
Depois disso o futebol começou a ganhar projeção na capital paulista e surgiram as primeiras equipes organizadas. Charles Miller foi fundamental na montagem do time do São Paulo Athletic e a Liga Paulista de Futebol, a primeira liga de futebol no Brasil. Com ele como artilheiro o São Paulo Athletic ganhou os três primeiros campeonatos em 1902, 1903 e 1904. Ele jogou no clube até 1910, quando encerrou a carreira e passou a atuar como arbitro. Também foi o fundador da Associação Paulista de Tênis (APT).
Miller morreu em 30 de junho de 1953. Em sua homenagem a praça junto ao Estádio do Pacaembu, criada em 1940, desde 1954 leva o seu nome. A Rede Globo de Televisão instituiu o “Troféu Charles Miller”, que premia os destaques futebolísticos de cada ano. Em 1955 foi realizado o “Torneio Internacional Charles Miller”, vencido pelo Corinthians Paulista. Miller criou o drible ou passe com o calcanhar, jogada que viria a ser conhecida com o nome de "Charles", em sua homenagem.
Miller teve apenas dois filhos, que geraram 6 netos, 11 bisnetos e 6 tataranetos. Uma neta, Maria Inês Rudge Miller, e seus filhos Rafael e Roberto Rudge Miller (bisnetos), nascidos em Curitiba são descendentes diretos de Charles William Miller. Rafael, apaixonado por futebol proferiu palestra no lançamento do livro “Charles Miller, o pai do futebol brasileiro”, do autor inglês John Mills.
Maria Inês chegou à Curitiba em 1971, a trabalho e voltou a São Paulo dois anos mais tarde, para finalmente se fixar na capital paranaense a partir de 1978. A família mora em um condomínio de classe média no bairro de Santa Felicidade. Dos descendentes de Miller, apenas Maria Inês e os filhos estão no Paraná – 90% da família mora em São Paulo, onde o Pai do Futebol nasceu (no bairro do Brás) e iniciou a difusão do futebol. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
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