Só o juiz de futebol consegue ter duas mães: uma que fica em casa e aquela que o acompanha aos campos de futebol para ser xingada pela torcida. Brincadeiras a parte, juiz de futebol é uma das profissões mais difíceis do mundo. Ninguém entende o que leva alguém a querer apitar um esporte, onde a paixão muitas vezes fica acima da razão.
Eu tive uma única experiência como juiz num jogo de futebol. Faz muitos anos, foi em Capão do Leão, na época distrito de Pelotas (RS). Como trabalhava em rádio e jornal me colocaram a apito na boca e não tive como dizer não. Não agüentei mais que o primeiro tempo. Os dois times reclamavam de tudo. Saí do jogo com a sensação de ter desagradado os dois lados.
A história da arbitragem é no mínimo curiosa. Nos primeiros tempos, na Inglaterra eram os próprios jogadores que apontavam as faltas. Acreditavam no cavalheirismo de quem jogava. É claro que sempre havia quem destoasse. Já pensaram se isso fosse adotado hoje, no Brasil? Já houve um exemplo de dignidade num jogo entre as seleções do Brasil e Argentina, em Buenos Aires. É claro que o gesto de cavalheirismo não foi obra de nenhum brasileiro. O jogo estava 1 X 1 e os argentinos passaram a frente. Surpresa geral: mesmo com o gol confirmado pelo juiz, o jogador argentino pediu que fosse anulado, confessando que havia feito falta antes.
A meu ver a figura do “bandeirinha” surgiu antes do juiz, em 1874. Cada time escolhia entre os torcedores uma pessoa para ajudar a controlar o jogo. Os capitães das duas equipes os consultavam no caso de eventuais dúvidas. Eram chamados de “umpires” (fiscais, em inglês).
Em 1878 a Liga Inglesa criou a figura do "referee", que tinha poderes de apontar as faltas. O aceno de um lenço vermelho servia para chamar a atenção dos capitães. O apito só surgiu em 1881. Os primeiros foram fabricados pelo marceneiro inglês Joseph Hudson, que também atendia o Serviço de Polícia Metropolitana da Inglaterra. Mas foi somente a partir de 1894, que as decisões do "referee" passaram a ser irrecorríveis.
A primeira partida “apitada” que se tem notícia, foi entre as equipes inglesas do Nottingham Forest e do Sheffield Norfolk, em 1881. Mas não existem registros oficiais sobre a realização desse jogo. Parece estranho, mas é verdade, o apito não está previsto nas regras do futebol. Os árbitros o usam para indicar o início do jogo, paralisá-lo devido a uma infração, indicar o término do primeiro e do segundo tempo e para comunicação verbal com os jogadores.
Na Inglaterra, até 1902 os juízes usavam elegantes ternos, com colarinho e gravata, sapatos lustrados e chapéu de coco, que deram lugar a uma camisa de mangas compridas e short até o joelho. Depois foi a era do calção e camisa preta. Agora, temos a moda das camisas e calções de outras cores.
No futebol brasileiro o árbitro chegou bem mais tarde que na Europa. Era escolhido pelos clubes e depois indicava os bandeirinhas, quase sempre um associado de cada time. Nos primórdios do futebol brasileiro, até o final dos anos 30, eles vestiam calça comprida, camisas de malhas de lã, tipo suéter com mangas compridas e tênis branco. Outras vezes até paletó, gravata borboleta e chapéu de palhinha.
Os juízes não recebiam dinheiro para apitar. A paixão pelos clubes praticamente não existia, por isso a confiança era total nos escolhidos. Coisa comum e que não causava nenhum tipo de desconfiança, era os árbitros posarem nas fotografias junto das equipes. Se alguém fizesse isso hoje, certamente seria banido dos campos de futebol.
Durante longo tempo, o "referee" era chamado de juiz no Brasil. A partir de 1964, quando ocorreu a revolução que implantou o regime militar, as autoridades recomendaram à imprensa que, para diferenciar o juiz de futebol do magistrado, se usasse outra designação surgindo, assim, a de Árbitro. A figura do árbitro está prevista na regra 5 das leis do jogo. É um principal e dois assistentes. Hoje, também existe um quarto árbitro (ou árbitro reserva). Os árbitros assistentes (bandeirinhas) estão previstos na regra 6.
A grande revolução na arbitragem mundial foi a permissão para mulheres apitarem futebol jogado entre homens. Antes, elas só podiam atuar no futebol feminino. As “árbitras” brasileiras de mais sucesso são Sílvia Regina de Oliveira, Aline Lambert e Ana Paula de Oliveira. Elas foram as primeiras a dirigirem um jogo do Campeonato Brasileiro. Foi em 30 de junho de 2003, na vitória do São Paulo sobre o Guarani (Campinas) por 1 a 0. De lá para cá as árbitras triplicaram e se espalharam por todo o país. Ana Paula de Oliveira é a mais famosa de todas, tanto pelos erros cometidos num jogo do Botafogo (RJ), pela Copa do Brasil, quanto por ter posado nua para a revista “Playboy”.
As fotos na revista custaram à Ana Paula de Oliveira um afastamento de sete meses dos campos de futebol. A FPF alegou que a punição foi porque não passou nos testes físicos. Ela voltou num jogo em São José dos Campos (SP) e foi a estrela do espetáculo. Os torcedores levaram câmeras fotográficas e posaram ao lado dela. Ganhou o apoio unânime da torcida e teve uma atuação impecável. Na Série A1 do “Paulistão”, ela volta a trabalhar hoje, 23/03/2008, no jogo Rio Preto X Portuguesa de Desportos, no Estádio Anísio Hadaad, em São José do Rio Preto.
Acho que a grande maioria dos árbitros de futebol é honesta. Erram muito, é verdade. Porém errar é humano e não é fácil acertar sempre. As decisões são tomadas em frações de segundos. Mas os desonestos existem. A versão brasileira mais recente foi Edílson Pereira de Carvalho, que em 2005 foi figura central de um escândalo que protagonizou a anulação de vários jogos do Campeonato Brasileiro.
Mas não afetou a arbitragem nacional, nivelada as melhores do planeta. Duas finais de Copa do Mundo tiveram apitos brasileiros: em 1982, na Espanha, Itália X Alemanha, com Arnaldo César Coelho. E em 1986, no México, Romualdo Arppi Filho, no jogo Argentina e Alemanha.
No próximo artigo vou contar histórias envolvendo árbitros de futebol. Algumas folclóricas, outras nem tanto e que até sugerem o título: “Árbitro, profissão perigo”. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
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