Não param de ser levantadas hipóteses que contrariam o pioneirismo de Charles Miller, na implantação do futebol no Brasil. Já tivemos o Colégio São Luiz, de Itu, o Votorantim Athletic Club, da cidade mineira de Votorantim e com certeza existem muitas outras versões. A última que me chegou às mãos foi publicada recentemente no caderno de esportes do jornal “O Liberal” (20-01-2008), de Belém do Pará. Segundo a reportagem o futebol teria chegado ao Pará, cinco anos antes do histórico jogo de 1895, na Várzea do Carmo, em São Paulo.
O jornal baseou a matéria em pesquisas realizadas pelo jornalista paraense Loris Baena, que escreveu o livro “A verdadeira história do futebol brasileiro”, onde conta que no final do século XIX existia uma linha regular de navios entre Belém e Liverpool, na Inglaterra, com algumas vantagens em relação as similares de Rio de janeiro e São Paulo, como preço menor e mais rapidez. O que explica a forte presença de ingleses na Belém do fim do século XIX.
E lá não era diferente de outras cidades brasileiras, onde dominava o capital europeu. Proliferavam empresas como as inglesas “Parah Gaz Company” e “Western Telegraph”. E os britânicos, “pais” do futebol teriam promovido, no distante ano de 1890, os primeiros bate-bolas no Brasil, onde hoje se localiza a Praça Batista Campos e no Largo de São Brás, atual Praça Floriano Peixoto e nos terrenos baldios, que existiam para todos os lados. Não havia ainda a especulação imobiliária que acabou com os campinhos de futebol, até mesmo nas periferias das pequenas cidades.
Na própria reportagem, “O Imparcial” destaca a falta de provas reais - existem apenas indícios -, que sacramentem as afirmativas de Loris Baena, calcadas em pesquisas de um outro jornalista, Julio Linch, já falecido. O jornal reconhece que por enquanto o provável é que tudo tenha origem na paixão que o povo do Pará tem pelo futebol. Baena discorda, mas ameniza: “se não foi aqui que se jogou futebol pela primeira vez no Brasil, deve ter sido, no máximo, o segundo ou terceiro lugar”.
Na entrevista dada ao “O Imparcial”, Loris Baena admite que sem provas consistentes, a teoria enfraquece muito. Mas não abre mão de afirmar que o futebol chegou ao mesmo tempo no Pará e Rio de Janeiro. “Por questão de meses, um praticou antes do outro. Mas pode-se dizer que os dois começaram no mesmo momento”, garante. Pelo menos isso. Antes de aprofundar pesquisas que apontem para bem antes, o jornalista prefere manter a cautela. Mas promete que vai vasculhar o passado em busca de documentos que apontem Belém, como a cidade onde começou o futebol em nosso país. Vamos aguardar.
Por enquanto o jornalista conseguiu apenas uma edição do jornal “Folha do Norte”, de Belém, datada de 24 de dezembro de 1903, que estava em poder de Júlio Linch, neto de um antigo funcionário da “Amazon Steam Navigation” e descendente de ingleses. O achado pode favorecer a teoria. Um leitor identificado apenas pelas iniciais M. F. contestou em carta, a coluna 'Notas Sportivas', que dizia ser o futebol uma novidade no Pará. Segundo M.F., “em 1896 já se disputava com freqüência, partidas de futebol na Praça Batista Campos, entre os sócios da Associação Dramática Recreativa Beneficente”.
Familiares de Lynch contam que antes dele falecer, procurava encontrar um homem que morava em Belém, que teria em seu poder fotos e documentos das primeiras partidas de futebol realizadas no Pará. Porém, ninguém da família tem conhecimento do nome desse importante personagem. E Lynch, em seu espólio não deixou nenhuma referência.
Por causa dessa descoberta, outros pesquisadores paraenses juntam-se a Baena e reforçam a tese de que a prática regular do futebol em 1896, entre paraenses, só teria sido possível depois de um aprendizado, provavelmente em anos anteriores, através de funcionários das empresas inglesas em Belém. Argumento respeitável, defendido por Júlio Lynch em um de seus últimos artigos, publicado em jornal de Belém.
Além de Júlio Lynch e Loris Baena, também o pesquisador paraense F.F. Alves da Cunha defende o pioneirismo do Estado na introdução do futebol no Brasil. No livro “A Enciclopédia do futebol paraense”, o jornalista Ferreira da Costa, uma autoridade em termos de história do futebol no Pará, cita os relatos de F. F. Alves da Cunha, que apontam um jogo realizado em 1892, por associados do Clube de Esgryma no largo de Nazaré, em frente à sede da associação, onde, posteriormente foi instalado o teatro Chalet e, depois, o cinema Moderno.
Mas o que se sabe de real, é que o primeiro jogo oficial acontecido no Pará, foi em 1906, válido pelo primeiro campeonato do Estado, e que não terminou. O escore era de 7 X 0 para o Parah Foot-Ball Club, frente o Belém Club (time dos ingleses), quando houve um desentendimento geral dentro de campo, que não permitiu a continuidade do “match”. O campeonato foi organizado pela Parah Foot-Ball Association, ancestral da Federação Paraense de Futebol.
Eu não sei se isso seria possível. Mas com tantas controvérsias e fatos, que não podem simplesmente ser tratados como “inconseqüentes”, a própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF), patroa do futebol no nosso país, deveria ser a primeira a aprofundar tais questões. Nada contra Charles Miller, inegavelmente um nome que não pode ser esquecido em circunstância alguma. Ele foi o introdutor do futebol jogado de maneira organizada. O que não quer dizer que antes dele, ninguém pudesse ter dado alguns chutes, em divertidas brincadeiras. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
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