sexta-feira, 14 de março de 2008

A polêmica dos jogos de futebol na altitude

Em maio do ano passado a FIFA decidiu proibir a realização de jogos internacionais de futebol em estádios localizados a mais de 2.500 metros acima do nível do mar, alegando risco de vida para os atletas. A reação foi imediata. Liderados pelo presidente da Bolívia, Evo Morales, os representantes das federações da Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, Peru e Venezuela, lançaram uma declaração conjunta contestando o veto.

Por solicitação do presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), o peruano Nicolás Leoz, a Fifa acabou por revogar o veto aos clubes, e tudo voltou a ser como era antes. Para as seleções, o veto continua valendo. Agora quem está chiando são os clubes brasileiros e argentinos, principalmente, que são obrigados a enfrentar, além do adversário em campo, alturas acima de 4 mil metros.

A chiadeira se volta, especialmente, contra o Club Bamim Real Potosi (fundado em 20 de outubro de 1941), time da cidade boliviana de Potosi, que a imprensa teima em dizer que é a mais alta do mundo. Será? Com cerca de 130 mil habitantes, Potosi, patrimônio cultural da humanidade está localizada na província de Tomás Frias, aos pés da montanha “Cerro Rico”, nos Andes a cerca de 4.000 mil metros acima do mar. Eu confesso que não sei a altura exata. São muitas as desinformações publicadas pela imprensa: menos de 3.800 metros, 3.967, 3.976, 4.050, mais de 4.000, 4.500, 4.690 metros e por aí vai. Se alguém souber a altitude certa, por favor, mande me dizer.

O Real Potosi está incluído no Grupo 1 da Copa Libertadores da América deste ano, junto com Cruzeiro, de Belo Horizonte, San Lorenzo, da Argentina e Caracas, da Venezuela. O Real Potosi disputa seus jogos no Estádio Mário Mercado Vaca Guzmán, que tem capacidade para 18.000 torcedores, famoso pelo “sofrimento” que causa aos clubes visitantes.

A maioria dos clubes brasileiros ainda teme jogar no Estádio Garcilaso de La Vega, em Cuzco, no Peru, há 3.350 metros acima do nível do mar, com capacidade para receber 42.000 torcedores. É a casa do Cienciano, que está no Grupo 4 da Copa Libertadores da América, junto com Flamengo, Nacional do Uruguai e Coronel Bolognese, do Peru. E também em La Paz, no Hernando Silles, casa do La Paz Fútbol Club, que não está na Copa Libertadores deste ano. O estádio comporta 42.000 torcedores e fica a 3.700 metros acima do nível do mar.

Afinal de contas, quais os prejuízos que a altitude causa aos jogadores? Por que é tão difícil chegar ao topo do mundo? Os médicos dizem que quando estamos ao nível do mar, a respiração é tranqüila, não exige maiores esforços dos pulmões. Mas, à medida que se sobe, o organismo sente a diferença. Ela é conseqüência da diminuição da pressão atmosférica, fruto da força exercida pela camada de ar.

O doutor em Ensino de Química e professor do Instituto de Química da Universidade de Brasília, Gerson de Souza Mól (gmol@unb.br) explica que quanto maior a altitude, menor será a camada de ar e, conseqüentemente, menor a pressão. Isso provoca um inchaço do cérebro que é responsável por dores de cabeça e náuseas. Num jogo de futebol a tendência é que os jogadores sintam-se mais ofegantes e se cansem mais rapidamente. E isto pode ser decisivo para o resultado final.

Acima de 6 mil metros de altitude, as pessoas não-aclimatadas encontram uma série de dificuldades e muitas chegam a perder a consciência. O ponto mais alto do mundo é o monte Everest, com 8.850 metros. Fica na cordilheira do Himalaia, na fronteira entre o Nepal e o Tibet. No Brasil, o ponto mais alto é o Pico da Neblina, com 3.014 metros de altitude. Fica em São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, e faz fronteira com Colômbia e Venezuela.

E o outro lado? Como impossibilitar a realização de jogos em cidades como Potosí? O que seria dos clubes existentes nessas regiões altas? Será que eles não têm queixas por jogar em locais mais baixos? O que dizer do forte calor do Rio de Janeiro, e à grande presença de mosquitos por lá? E o surto de dengue no Paraguai? E os desertos, como o de Atacama, no Chile? Então, os clubes da altitude também encontrarão condições desfavoráveis aqui no Brasil e em outros países. Eu não estou defendendo aquela idéia de que pimenta nos olhos dos outros é colírio.

E Potosi é mesmo a cidade mais alta do mundo? Na verdade, não é. Nem onde se pratica o futebol. No próximo artigo escreverei sobre o verdadeiro “time mais alto do mundo”. As informações são desencontradas. Vejam só o que encontrei em minhas pesquisas: o local habitado mais elevado do mundo é “La Rinconada”, cidade erguida a 5.200 metros de altitude nos Andes peruanos. Por não ter o status de distrito, é apenas uma povoação informal que não tem apoio governamental e nem aparece nos mapas.

“Cerro do Pasco”, localizada nos Andes peruanos também ganha a condição de mais alta do mundo, com seus 4.380 metros de altitude. É lá que está o “time mais alto do mundo”, que será tema de meu próximo artigo. “El Alto”, na Bolívia, antigo bairro de La Paz e emancipada em setembro de 1988, é outra cidade apontada como a mais alta do mundo, com 700.000 habitantes que vivem a mais de 4.000 metros de altura, no frio e inóspito altiplano boliviano.

E o Livro Guiness, tão importante e acreditado o que diz sobre isso? Que a cidade mais alta do mundo está muito longe das regiões montanhosas da América do Sul. È “Wenzhuan”, no Tibet, 5.100 metros acima do nível do mar. (Texto e Pesquisa: Nilo Dias)

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