A derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950 em pleno Maracanã é considerada até hoje a maior tragédia do futebol brasileiro. Eu era um “guri”, com apenas 9 anos de idade, mas lembro bem daquela tarde fatídica de 16 de julho. Naquele tempo não existia televisão, futebol se ouvia pelo rádio. Desde manhã as pessoas se mostravam agitadas e se movimentavam ligeiro pelas ruas de Rosário do Sul, uma pequena cidade do interior gaúcho, onde morávamos. Meu pai era funcionário da antiga Companhia Swift.
O clima era de festa antecipada. Ninguém acreditava em derrota do Brasil, que tinha mesmo um “baita” esquadrão: Barbosa, Augusto e Juvenal – Bauer - Danilo Alvim e Bigode – Friaça – Zizinho - Ademir Menezes - Jair da Rosa Pinto e Chico. Esse foi o time da final. Chegou a hora do jogo, o rádio da marca “Zenith”, caixa de madeira, um verdadeiro monstro, cheio de válvulas e pesando uns 10 quilos era o centro das atenções de meus pais e de alguns vizinhos, reunidos na sala lá de casa.
A Rádio Nacional, do Rio de Janeiro era a mais ouvida. E na narração dupla de Jorge Cury e Antônio Cordeiro, vibramos muito com o gol de Friaça, aos 4 minutos do segundo tempo, para o Brasil. Depois veio o que todo o mundo sabe: a reação dos uruguaios e a virada para 2 X 1, com gols de Schiafino e Gighia. Era o fim do sonho brasileiro de ser campeão do mundo, pela primeira vez.
Terminou o jogo e para mim a vida continuou normal. Mas, milhares de pessoas, especialmente no Rio de Janeiro entenderam diferente. Foi uma grande revolta. O técnico Flávio Costa teve que se esconder. Os jogadores, também. E dois deles foram considerados os grandes culpados pela derrota: o goleiro Barbosa e o lateral Bigode. Ambos morreram, carregando nas costas uma culpa que não foi só deles.
Nossa equipe teve vários pecados. Ficou no esquecimento a derrota por 4 X 3, que os uruguaios já haviam nos imposto um mês antes (6-5), pela Copa Rio Branco, em pleno Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Estavam na lembrança só as vitórias que vieram em seguida, sobre o mesmo Uruguai: 3 X 2 (14-5) e 1 X 0 (17-5), ambas em São Januário, no Rio de Janeiro, ainda pela Copa Rio Branco. E as goleadas na Copa: 4 X 0, no México (24-6), 7 X 1, na Suécia (9-7) e 6 X 1, na Espanha (13-7). Ninguém lembrou os avisos do empate de 2 X 2 com a Suíça (28-6), no Pacaembu e da goleada do Uruguai sobre a Bolívia, por 8X 0.
Da Seleção Brasileira de 1950, apenas o zagueiro JUVENAL Amarijo e o ponteiro-direito Albino FRIAÇA Cardoso, ainda estão vivos. Há pouco tempo a televisão mostrou Juvenal, que mora na cidade baiana de Camaçari e mal consegue andar por causa de uma artrose no joelho direito. Graças à reportagem do “Esporte Espetacular”, seu drama de doença e miséria foi minimizado. Dirigentes do G.E.Brasil de Pelotas, clube que Juvenal defendeu entre 1945 e 1946 ofereceram cirurgia e tratamento gratuitos ao seu ex-atleta, hoje com 84 anos. Na Bahia, alguns médicos se ofereceram para auxiliar o ex-zagueiro. Outro clubes onde jogou também ajudaram.
Já o ex-ponteiro direito Friaça, de 83 anos, vive uma velhice bem melhor, embora também tenha problemas de saúde. Há cerca de um ano sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Seus olhos quase não enxergam e a mão se ergue devagar. Quase sem lucidez, Friaça recorda muito pouco das histórias que costumava contar aos amigos na praça. Ele mora protegido pela família, na pequena cidade de Porciúncula (RJ), onde nasceu. Se não tem hoje o reconhecimento da CBF e do país, pelo menos lá na sua terra natal é uma celebridade: dá nome ao estádio e à maior loja de materiais de construção da cidade. Foi enredo de escola de samba e é personagem de “causos” de cada um dos cerca de 20 mil moradores do lugar.
Todos os outros “vilões” que jogaram a final de 1950 já morreram. São eles: ELY do Amparo (9-3-91); ADEMIR Marques de Menezes (11-5-1996); DANILO Alvim (16-5-1996); Francisco "CHICO" Aramburu (1-10-97); Moacyr Nascimento BARBOSA (7-4-2000); Thomaz "ZIZINHO" Soares da Silva (8-2-2002); João "BIGODE" Ferreira (31-7-2003); João AUGUSTO da Costa (1-2-2004); JAIR Rosa Pinto (28-7-2005); José Carlos BAUER (4-2-2007). O técnico Flávio Costa morreu em 1999, aos 93 anos de idade. (Texto e pesquisa: Nilo Dias).
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