O torcedor é a razão maior da existência de um clube de futebol. Que graça teria o nobre esporte se não houvesse essa figura, às vezes folclórica, outras nem tanto? Com certeza, os jogos não passariam de uma chatice repetida e burocrática. O bom do futebol é ver e sentir a reação do torcedor, quase sempre imprevisível. Existem aqueles que choram pelo clube, os que se irritam, os que procuram arruaça, os que roem as unhas e os que simplesmente não fazem nada, ficam apáticos, seja na vitória ou na derrota do seu time. Vou contar esta semana, em alguns artigos, histórias envolvendo torcedores, procurando dar uma idéia clara e divertida da paixão do brasileiro pelo futebol.
Eu conheci algumas figuras que se tornaram célebres em suas cidades pelo que de inusitado mostravam em dias de jogos dos clubes de seus corações. Em Pelotas, onde morei e trabalhei muitos anos, destaco a figura de “Marcola”, o torcedor símbolo do Grêmio Esportivo Brasil, o clube de maior torcida no interior gaúcho. “Marcola”, já falecido foi uma figura folclórica. Um negro de estatura baixa que vivia permanentemente alcoolizado. Não perdia um jogo do “xavante” pelotense, gritava o tempo todo, xingava o juiz e os jogadores adversários, mas em momento algum deixava de sorrir e mostrar os dentes milagrosamente inteiros e alvos.
Em Rio Grande, havia o “Fala Meu”, um estivador do tamanho de um guarda-roupa. Era torcedor apaixonado do Rio-Grandense, o “colorado marítimo”. Dono de uma voz potente, tipo trovão, que nunca mais ouvi nada parecido, abria as mãos ao lado da boca e gritava: “juiz ladrão”, entre outras palavras de um vocabulário rico em impropérios, que se ouvia em todos os cantos do estádio. Conheci muito o “Fala Meu”, figura popular e folclórica da cidade. Também gostava de Carnaval e sua escola favorita era a “Quem é do Mar não Enjoa”, entidade que eu presidi.
Em São Gabriel, cidade gaúcha em que também morei, lembro de uma torcedora chamada Margarida, que vendia amendoim durante os jogos da S.E.R. São Gabriel. Gostava de uma “branquinha”, chegava ao estádio com “todas” na cabeça, e a cada ataque do time local gritava e levantava o vestido para delírio dos demais torcedores. Já morreu e deixou um vazio imenso nas tardes futebolísticas do Estádio Silvio de Faria Corrêa.
Mas esses torcedores que conheci não passam de café pequeno perto de outros que existem ou existiram por esse Brasil afora. Na década de 20 o Corinthians tinha um torcedor de nome José da Costa Martins, que a cada gol que o time marcava, acendia um charuto. Foi ele que inspirou a criação do "mosqueteiro corinthiano", mascote do clube, que está sempre fumando um charuto. O Internacional gaúcho também teve um torcedor conhecido por “Charuto”. Foi nos anos 40. Seu amor ao clube lhe deu o direito de entrar no estádio sem pagar ingresso e de lambuja beber de graça na copa.
A paixão pelo Corinthians não pára de crescer, mesmo com o time na segunda divisão do Campeonato Brasileiro. A torcida “Gaviões da Fiel” possui a maior bandeira de times do Brasil, com 143 metros de comprimento por 35 de altura e pesa aproximadamente duas toneladas. Esta bandeira foi feita em 1995 por Dentinho, idealizador e ex-presidente da polêmica “Gaviões da Fiel”.
Para ser levada ao estádio o departamento de bandeira da Organizada utiliza um caminhão baú e 60 homens na locomoção. A bandeira cobre 16.000 torcedores e é estendida no momento em que o time entra em campo no primeiro e no segundo tempos, e na hora em que sai gol do Corinthians. Até quando o time perde os fanáticos torcedores abrem o bandeirão, segundo dizem, “para calar a boca da torcida adversária".
A torcida possui ao todo sete bandeirões. O primeiro foi feito em 1989, medindo 25 metros por 50. O segundo mede 30 metros por 60, e foi feito para homenagear o piloto Ayrton Senna. Tem um de protestos, e outros quatro de exaltação ao clube.
Um caso muito famoso foi o de Elisa, uma fanática corinthiana que nas horas vagas era cozinheira e doméstica. Ela nasceu no mesmo ano que o Corinthians e carregava sua bandeira alvi-negra por todos os estádios em que o time jogava. Era dócil e educada, jamais xingou um jogador por mais perna de pau que fosse. Apoiou o time com garra durante todos os infindáveis 23 anos de fila para ser campeão paulista. Recebeu merecida homenagem da diretoria, que colocou uma placa com seu nome no Estádio Parque São Jorge. A Federação Paulista também lhe premiou com o direito de entrar sem pagar ingresso em qualquer estádio paulista.
Outra mulher que se destacou no cenário futebolístico foi Dulce Rosalina, que em 1961 ganhou o concurso de “Melhor Torcedor do País” e doou o troféu ao Vasco da Gama, seu time de coração. Ela costumava acompanhar o time em jogos pelo Rio de Janeiro afora, além de visitar as concentrações para animar os atletas, ouvir dirigentes e dar palpites. Andava sempre em companhia de Ramalho, outro torcedor destacado do clube da Cruz de Malta.
Dulce Rosalina foi a primeira mulher a liderar uma torcida organizada no Brasil. Em 1944 o torcedor João de Luca fundou a Torcida Organizada do Vasco (TOV), mas em 1956, muito doente passou a presidência para Dulce Rosalina. Em 1976, por problemas políticos ela deixou a TOV e fundou a “Renovascão”, da qual participou até morrer, em 2004. Foi casada com o jogador Ponce de Leon, que defendeu o São Paulo.
Na Bahia não existe quem não conheça “Alvinho Barriga Mole”, o maior torcedor do Vitória, por quem torce há longos 74 anos. Quem assistir jogos no “Barradão” com certeza já o viu ajoelhar-se e atravessar o gramado com a imagem de Padre Cícero nas mãos, mesmo carregando no peito rubro-negro, duas pontes de safena e uma mamária.
Se “Alvinho Barriga Mole” é um torcedor cordial, incapaz de dizer um palavrão ou ofender alguém, um outro torcedor do Vitória, Marciades Marinho Pereira, conhecido como “Louro”, já é bem diferente. É um provocador nato, que o digam os torcedores do rival Bahia. “Louro” chama mais a atenção nas ruas do que no estádio. É dono de um incrementado “Fusca 95”, todo pintado de vermelho e preto, decorado com o escudo do clube.
A torcida do Vitória foi comandada durante muito tempo pelo rubro-negro Osvaldo Hugo Sacramento, mais conhecido como "Barão de Mococoff", de saudosa memória. No tempo do Campo da Graça, seu grito "Vitóóóóóória" era ouvido em qualquer parte do estádio.
Já o Esporte Clube Bahia tem um torcedor para lá de especial, o servidor aposentado da Assembléia Legislativa da Bahia, Lourival Lima dos Santos, o “Lourinho”, chefe de torcida por mais de 30 anos. Desde o final dos anos 50 que acompanha os jogos do Bahia, se tornando o torcedor-símbolo do clube. Sua casa é quase um museu do tricolor baiano. Guarda com carinho fotografias de varias épocas, especialmente de jogos em que o Bahia derrotou o Vitória e ganhou títulos. Uma foto em preto e branco se destaca entre as demais, em que ele aparece ao lado do rei Pelé. “Lourinho” é casado com a piauiense Maria Lúcia Bezerra e desde 2002, quando começou a ter problemas de saúde, passou a residir em Teresina, longe do seu querido Bahia. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
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