No futebol amador de São Paulo, na legendária região varzeana da Barra Funda, era comum encontrar algumas dessas figuras que se agarram no alambrado, xingam o juiz incessantemente e topam qualquer briga. O mais famoso de todos foi o temível “Barrabás”, briguento e louco, o maior torcedor do Carlos Gomes, um clube quase tão velho quanto a Ponte Preta de Campinas.
O time varzeano do Falcão do Morro, também de São Paulo, se destacou pelo número de torcedores fanáticos. Seu Marcolino ganhou lugar perpétuo na história do clube, por não ter perdido um único jogo. Lá estava ele sempre sentado em um banquinho, com o guarda-chuva aberto, não importando se chovia ou fazia sol. O curioso é que ele não olhava o jogo, o que mais gostava era de jogar Sueca com qualquer um que se dignasse a sentar ao seu lado. Do jogo em campo ele só ficava sabendo o resultado quando alguém dizia o placar final. Já com a idade avançada, faleceu faz alguns anos.
Ainda no Falcão do Morro teve um outro torcedor que deixou saudade: Pedrão Jacaré. Era um mulato forte que ganhou o apelido pelo tamanho enorme da boca. Pedrão era funcionário da prefeitura, mas parecia que estava sempre de folga, pois não saía dos bares, onde “derrubava” generosas doses de pinga. Nos jogos, era o responsável pela pinga com groselha, comprada com o dinheiro que arrecadava junto aos torcedores, que depois rodava de boca em boca, até mesmo dos jogadores que davam uma escapada até a beira do campo sem que o treinador visse.
Havia o “Chico Torto”, também conhecido por “Neguita”, parecido com o cômico Grande Otelo. Ganhou o apelido de Torto, porque tinha um defeito na perna causado por um acidente, quando era ajudante de motorista. De sexta-feira a domingo estava sempre bêbado. Para colocá-lo no caminhão quando o time ia jogar fora de casa era um sacrifício. O local de embarque ficou conhecido como Embarque de Bêbado ou Ponto do Chico. Morreu de tanto beber pinga, aos 60 anos de idade.
Digno de admiração é Carlinhos, um fanático torcedor do Clube Atlético Paranaense. Gosta de usar gravata vermelha e preta, bóton na lapela, relógio e chaveiro com o escudo do time. A calça, sapato e camisa de mangas compridas são apenas acessórios que completam a indumentária do seu dia-a-dia. No celular, a cada ligação recebida ecoa o hino do “Furacão”.
Por causa do Coritiba, não veste verde, não come alface e nada da mesma cor. Recusa-se a pronunciar o nome do clube rival, que para ele é sempre “O Porco”. Também não assiste a jogos no Estádio Couto Pereira, do Coritiba, “para não dar lucro ao inimigo”. Costuma dizer que uma derrota do “Porco” lhe dá mais prazer do que uma vitória do Atlético.
O Ferroviário do Ceará teve um torcedor que entrou para a história: Zé Limeira, falecido em 2004. Ele deixou uma lacuna enorme no seio da torcida coral, de quem foi a expressão máxima durante décadas. Costumava levar uma buzina para o estádio, com um som estarrecedor. Sua importância era tanta, que participava quase que diariamente dos programas esportivos das principais rádios de Fortaleza. Sempre pregou a paz entre as torcidas dos três grandes clubes cearenses, por isso tinha passagem livre em todos eles.
Além de Zé Limeira, o futebol do Ceará teve e tem outros torcedores consagrados, como "Pedrão da Bananada", pelo lado do Ceará, que tinha uma lanchonete no Abrigo Central, lugar de muitas discussões. José Amaro Sobrinho, o “Bodinho”, Gumercindo, Rolim, com mais de 90 anos e que ainda vai aos jogos e mais recentemente o “Coca-Cola”, pelo Fortaleza.
O São Paulo F.C., e não poderia ser diferente, também tem o seu torcedor número 1. É Aparecido, o “Cidão”, um sexagenário que se tornou uma verdadeira lenda das arquibancadas. Foi ele que nos anos 80 fundou a torcida organizada “Dragões da Real”. O clube o imortalizou: sua imagem faz parte do Memorial do São Paulo: basta entrar no computador do Museu e procurar por "torcedor símbolo". Hoje, “Cidão” vive da fama e carisma que conquistou no passado. Depois de passar por muitos percalços, ganha seu sustento vendendo bonés, chaveiros e gorros do tricolor nas imediações do Morumbi, sempre antes ou depois dos jogos.
No Palmeiras o torcedor mais badalado é o personal trainer Maurício Bonatti, de 40 anos mais conhecido nas arquibancadas do Parque Antártica por “Incrível Hulk”. Símbolo do time na campanha da Série B, Bonatti é professor de academia. Já foi policial e dançarino do Clube das Mulheres. De vez em quando faz “bicos” como Hulk em festas infantis e programas de TV. Em 2003, surgiu a idéia de acompanhar os jogos do Palmeiras, vestido de Hulk. Foi até Garanhuns, no interior de Pernambuco, torcer pelo Palmeiras contra o Sport, no jogo que garantiu o retorno do clube à Série A.
Ele demora mais de uma hora para recobrir o corpo, de 103 quilos distribuídos por 1,85 metro, com uma maquiagem verde. Para completar o visual, veste uma bermuda jeans detonada, coloca lentes de contato brancas, iguais às usadas em fantasias de vampiro e põe na cabeça uma volumosa peruca preta.
Figura fantástica, digna de um filme foi Henrique Leite Ribeiro, o “Coalhada”, torcedor do Santos nos primórdios de sua história. Sempre ia aos jogos vestido com elegância, usando chapéu de palheta. Foi o primeiro chefe de torcida do clube.
Em 1917, num amistoso contra um combinado uruguaio, na Vila Belmiro, o “Coalhada” teve a idéia de que cada jogador visitante ao entrar em campo, viesse coberto por um guarda-chuva com gomos pretos e brancos empunhados por um jogador santista da posição correspondente. Foi um belo espetáculo visual dado de presente de boas-vindas aos uruguaios, que no final saíram derrotados de campo pelo placar de 6 X 2. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
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