Uma das figuras mais extraordinárias, dramáticas e polêmicas do futebol brasileiro em todos os tempos, sem dúvida foi Almir Morais de Albuquerque, o “Almir Pernambuquinho”, nascido em Recife no dia 28 de outubro de 1937 e falecido em 6 de fevereiro de 1973, no Rio de Janeiro. A personalidade forte, aliada a uma boa técnica fez dele um jogador imprescindível nas equipes em que atuou, pois nunca deixou de mostrar dentro de campo uma disposição incomum.
Catimbeiro, valente e brigão foi o mínimo que a imprensa esportiva da época o chamou. Adjetivos que tiveram o acréscimo de desleal e mau caráter, depois de ter quebrado a perna do zagueiro Hélio, do América do Rio, em 1959. Se jogasse hoje, certamente seria chamado pelo nome moderno de “bad boy”, um jogador que cria tanto problema que ofusca seu imenso talento.
Almir foi revelado pelo Sport Clube do Recife (1956), de onde foi para o Vasco da Gama (1957 a 1960), aos 19 anos de idade, tornando-se em pouco tempo ídolo da torcida. Depois andou por Corinthians (1960), Fiorentina, da Itália (1961), Boca Juniors, da Argentina (1961), Genoa, da Itália (1962), Santos (1962 a 1964), Flamengo (1964 a 1967) e América, do Rio de janeiro (1967 a 1968), onde encerrou a carreira. Fez sete jogos pela Seleção Brasileira e marcou dois gols.
Os principais títulos de Almir foram: Super-Supercampeão pelo Vasco em 1958; campeão da Taça Brasil de 1963 e 1964 pelo Santos; Campão Paulista de 1964, campeão da Copa Libertadores da América de 1963 e do Mundial Interclubes de 1963, todos também pelo Santos Futebol Clube.
Dono de uma personalidade forte e explosiva ganhou fama de encrenqueiro e foi principal protagonista de diversas brigas. As mais famosas foram a batalha campal no jogo entre as seleções do Brasil e do Uruguai, em 1959 e a briga generalizada na final do Campeonato Carioca de 1966, jogo que ficou conhecido pela denúncia de um grande numero de jogadores na “gaveta”, inclusive o árbitro. Naquele ano, Almir atuava pelo Flamengo e, aos 26 minutos do segundo tempo, o Bangu vencia por 3 a 0.
Quase ao término do jogo, para impedir mais gols e a volta olímpica do time banguense, Almir, enfurecido, partiu para cima dos adversários distribuindo pontapés, socos e cabeçadas. Todo o mundo brigou e o juiz expulsou cinco jogadores do Flamengo, quatro do Bangu e acabou o jogo. O Bangu foi campeão, mas não deu a volta olímpica. Pesquisando jornais da época descobri algumas declarações do jogador, depois do jogo:
“Não dava para fazer outra coisa, a não ser brigar. O ponta-direito Carlos Alberto estava machucado e só fez número em campo. O nosso goleiro Waldomiro estava tremendo e não era para ter jogado. O Bangu estava em tarde endiabrada e foi empilhando gols. O “Sansão” (Airton Vieira de Morais) já havia expulso dois dos nossos jogadores. Continuasse assim, a gente ia levar um saco de gols e eu resolvi acabar com o carnaval. Quem passou pela minha frente apanhou”.
No Boca Juniors, treinado pelo técnico brasileiro Vicente Feola, campeão do mundo em 1958, Almir protagonizou uma grande confusão num jogo contra o Chacarita Juniors, pelo campeonato argentino. Ele vinha de lesão e não queria jogar. Mesmo assim foi escalado. O adversário fez 1 X 0 e a torcida vaiava Almir. Sorte, que o empate veio no primeiro tempo. Logo no começo do segundo tempo Almir arrumou uma briga, na tentativa de ser expulso junto com dois ou três jogadores do Chacarita. Mas só ele foi para a rua. Quando saía de campo, um jogador do Chacarita o ofendeu. Não deu outra. Almir acertou-lhe um violento soco no rosto e aí todo o mundo brigou. Dois jogadores do adversário foram expulsos e Almir saiu de campo como herói. Ao final, o Boca ganhou o jogo.
Ainda quando jogava pelo clube argentino, em um clássico contra o River Plate, deu uma entrada violenta em um jogador adversário, que saiu contundido. Naquela época não era permitido fazer substituição, e foi expulso. Indo para o vestiário, agrediu outro jogador do River que revidou e também foi expulso. O Boca ficou com dez e o River com apenas nove jogadores em campo.
Mas não foi só de brigas ganhas a vida de Almir. Num jogo do Corinthians, em pleno Parque São Jorge contra o Jabaquara, o valente “Pernambuquinho” encostou o pé em Célio, não menos brigão e duro zagueiro do “Jabuca”. Garoto valente, Célio não afinou, revidou na hora. O Almir ficou louco e partiu para cima. Aí é que não prestou. O jogador do Jabaquara deu um pulo para cima e mandou um pontapé na cara do atacante, que saiu de maca e não voltou mais para o jogo.
Até hoje muitas coisas são contadas a respeito de Almir, mas a maioria não passa de lenda. Os jornalistas Fausto Neto e Maurício Azedo acompanharam Almir durante três meses, quando fizeram uma entrevista que depois de publicada em capítulos semanais na revista “Placar” virou o livro “Eu e o Futebol”. No depoimento, além de fatos de sua vida e denúncias dos bastidores do futebol, constam divertidos diálogos com os treinadores Renganeschi e Yustrick.
O técnico Armando Renganeschi, argentino exigente, perguntou ao jogador, porque bebia tanto. E a resposta: “Olha, seu Renga, não paro por duas coisas. Porque gosto e a bebida não me prejudica. Eu não treino direito? Não estou sempre em forma? Alguma vez deixei de jogar a não ser por contusão grave?”. Renganeschi bateu nas costas de Almir e foi embora.
Com o técnico Iustrick, também famoso pela intolerância, teria acontecido este diálogo: “Almir, você não acha que Copacabana fica muito distante do Vasco?”. E Almir: “Não acho não”. Iustrick: “Mas eu acho que você tem que morar perto do Vasco”. Almir: “Eu não”. Iustrick: “Estão escolhe, o Vasco ou Copacabana”. Almir: “Copacabana”. E Iustrick não tocou mais no assunto.
Em cada time que passou, Almir foi reverenciado: “O menino durão do Vasco”. “O homem furioso do Flamengo”. “O herói da “Bombonera”, no Boca Juniors. “O garoto que brigou pela seleção com meio time uruguaio”. “Um homem próspero, tomador de cerveja que sempre amou uma coisa: a vitória”. Quando de sua ida para o Corinthians foi chamado pelo folclórico presidente Vicente Matheus, de "Pelé Branco".
Quando jogou no Santos o famoso escritor Nelson Rodrigues o chamou de "Divino Delinqüente", depois de uma brilhante atuação no jogo final do Mundial Interclubes de 1963 contra o Milan. Os dois times vinham de duas partidas eletrizantes, onde cada um havia vencido por 4 X 2. Vejam o que é o destino: no terceiro e decisivo jogo, em 16 de novembro, Pelé se machucou aos 30 minutos do primeiro tempo e Almir o substituiu. Jogou um partidaço: fez um gol e ainda sofreu o pênalti inexistente que resultou no gol do título para o Santos.
No livro “Eu e o Futebol”, chama atenção duas revelações de Almir relacionadas a esse jogo decisivo contra o Milan: ter entrado em campo dopado e sabendo que o árbitro Juan Brozzi estava "comprado", assim poderia bater a vontade sem ser expulso.
Esse foi Almir, considerado o atacante mais brigão e corajoso da história do futebol brasileiro e mundial. Sua coragem e personalidade forte lhe custaram a vida. O jornalista Mário Prata, que presenciou tudo naquela noite fatídica de 6 de fevereiro de 1973, no bar “Rio-Jerez”, frente a Galeria Alaska, em Copacabana escreveu uma crônica no jornal “O Estado de São Paulo”, em 12 de janeiro de 1994, quando dos 20 anos da morte do jogador, contando como foi o crime.
Em uma mesa estavam o Almir, uma namorada e um casal de amigos. Na mesa de trás, três portugueses. Na frente da mesa de Almir, os atores gays do espetáculo “Dzi Croquetes”, ainda maquiados depois de mais um dia de trabalho. Os portugueses resolveram caçoar dos atores, chamando-os de veados, paneleiros e outras coisas. Almir não gostou do que ouviu e resolveu defender os atores, que não reagiram. Começou a discussão, até que um dos portugueses sacou um revólver, o amigo de Almir sacou outro e o tiroteio rolou solto no calçadão da Avenida Atlântica.
Os outros dois portugueses também sacaram as armas, os atores gritavam, foi uma correria, mesas foram viradas e pelo menos uns 30 tiros disparados. Quando o tiroteio parou, lá estava Almir no chão, já morto com um tiro na cabeça. Os portugueses saíram correndo. Debaixo de um coqueiro, o amigo de Almir agonizava com um tiro nas costas. Morreu ao dar entrada no hospital. As duas namoradas, apavoradas, gritavam. O resto foi silêncio. Esse crime nunca foi esclarecido pelas autoridades. Os portugueses sumiram e o grupo “Dzi Croquetes” há muito tempo não existe mais.
Fim trágico para quem nunca teve medo de nada. E por uma dessas armações que a vida prega, o violento e machão craque brasileiro morreu defendendo um grupo de homossexuais. No velório de Almir, sua mãe, dona Dedé, aos prantos gritava: "Meu Deus, para quê tanta glória? Preferia meu filho desconhecido, mas vivo". (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Nenhum comentário:
Postar um comentário