Não é brincadeira. A mais nova aposta dos clubes de futebol para aumentarem suas receitas está na criação de cemitérios para torcedores. O clube de futebol “R.C.D. Espanyol”, de Barcelona, pai da idéia, inaugurou em novembro do ano passado o seu novo estádio “Cornellá-Prat”, que tem incorporado um cemitério para 20.000 adeptos do clube, em uma área de cerca de 1.000 m2, divididos por 3 pisos.
Vai funcionar como uma extensão do museu do clube e as urnas serão cobertas por pinturas e fotografias com imagens da equipe catalã, escolhidas pelos futuros mortos. Cada local de repouso vai custar cerca de 4.000 euros, pouco mais de R$ 10 mil, por um período de 15 anos.
Uma pesquisa realizada pelo jornal diário “Marca”, que perguntou “você compraria um jazigo no cemitério de seu time de futebol?”, apontou que cerca de 30% dos cidadãos espanhóis têm o desejo de serem incinerados após sua morte, o que animou os dirigentes do Espanyol. Eles esperam lucrar 4,5 milhões de euros para o clube, cerca de R$ 11 milhões, com a venda dos lotes no primeiro período, até 2023.
O clube alemão Hamburgo HSV também aderiu à nova moda e está construindo o primeiro cemitério dedicado ao futebol da Alemanha, localizado a alguns metros do Nordbank Arena, onde o clube disputa seus jogos. O cemitério, que vai ser inaugurado este ano, será decorado com um portão de entrada no formato de gol e terá espaço para 300 a 500 sepulturas. Os torcedores já fazem reservas. O clube divulgou que por enquanto o comprador mais velho é Ernst Schmit, um viúvo de 85 anos de idade que torce há 57 pelo HSV. O mais novo tem 27 anos e seu nome não foi revelado.
Os túmulos serão organizados num semicírculo em três níveis diferentes para lembrar uma arquibancada. O local de 2.500 metros quadrados fica na esquina de um antigo cemitério. A construção do cemitério veio como resposta às consultas de alguns dos 50 mil sócios do clube que pediram para terem suas cinzas espalhadas pelo campo, enterradas no estádio ou até no local da cobrança de penalidade máxima.
A escolha da lápide ficará a critério dos torcedores. A idéia é que sejam plantadas flores em um canteiro no formato do emblema do time, e monumentos em pedra construídos em homenagem a famosos jogadores do HSV. O uso de cores extravagantes será desaconselhado.
Os fãs do clube Everton Football, da Inglaterra, podem ter suas cinzas enterradas em uma urna ao lado do campo. As leis de sepultamento alemãs não permitem que isso seja feito, mas os fãs dos clubes Schalke 04 e Borussia Dortmund podem ser enterrados em urnas em formato de bola de futebol, ou caixões pintados com as cores do time.
O Boca Juniors (ARG) idealizou um projeto semelhante, que virou fonte de receita para o clube. Desde 2006 está funcionando um cemitério para seus torcedores com capacidade para 3 mil sepulturas, todas decoradas com flores azuis e amarelas, as cores do clube. Está localizado em um setor do cemitério “Parque Iraola”, em Berazategui, a 30 km ao sul de Buenos Aires. Com isso o Boca Juniors põe em prática uma das estrofes de seu hino que diz: “nem a morte nos vai separar, desde o céu vou te alentar".
O cemitério foi inaugurado com a exumação dos restos mortais dos goleiros Juan Estradas e Júlio Elias Musimessi, antigos jogadores do Boca, cujas cinzas foram depositadas no local. Na ocasião o ex-atleta Antônio Ubaldo Rattin, que jogou no clube há quatro décadas disse: “Está tão lindo que dá vontade de ficar”. A motivação para a construção do cemitério foi idêntica a do Hamburgo HSV: muitos sócios pediam para jogar as cinzas de seus familiares em “La Bombonera”, o estádio do clube.
Clubes como Real Madrid, Arsenal, Manchester United, entre outros, já mostraram interesse em também criarem os seus cemitérios e para isso fizeram consultas ao pioneiro Espanhol, para saberem se o empreendimento é válido.
Mas a relação futebol-cemitério não é nova. Muitos fatos já aconteceram envolvendo coisas tão diferentes. O futebol é uma explosão de vida, de alegria. O cemitério é um local de morte, de saudade, de silêncio.
Eu sei de duas histórias de estádios que viraram cemitérios. Um deles foi o velho Estádio da Montanha, do Esporte Clube Cruzeiro de Porto Alegre, de tantas tradições, que eu cheguei a conhecer. Narrei muitos jogos entre o clube estrelado da capital e times de Pelotas, onde eu morava e trabalhava. O Cruzeiro atravessava uma fase financeira difícil, e a solução encontrada foi vender o estádio para a construção do Cemitério João XXIII, hoje o mais moderno de Porto Alegre.
Parece que o negócio não foi muito vantajoso para o Cruzeiro, clube tradicional do Rio Grande do Sul, fundado em 14 de julho de 1913, que já foi até campeão gaúcho (1929) e pioneiro no Estado em excursões para o exterior. Tanto é verdade que depois da venda do estádio o clube entrou em decadência total. Hoje amarga à segunda divisão gaúcha e ocupa um acanhado estádio no bairro de Alto Petrópolis e praticamente não tem torcida.
Moacir Scliar, escritor gaúcho e remanescente dos torcedores que acompanharam a fase áurea do clube inspirou-se no episódio da venda do estádio para escrever um divertido romance sobre uma equipe decadente, o “Pau Seco Futebol Clube”, que cede seu campo para a construção de um cemitério, a “Pirâmide do Repouso Eterno”. Entre as divertidas situações está Rubinho, o craque do time que tem medo de marcar gol em frente ao túmulo do falecido ídolo Bugio. Ao final da história o cemitério volta a ser estádio.
O estádio Manoel Brasil de Melo, em Coari, a 370 quilômetros de Manaus, é o outro estádio que virou cemitério. Coisa curiosa, uma cidade que tem uma das economias mais prósperas do Norte, em virtude da província petrolífera de Urucu e que recebe só de royalties, quase R$ 4 milhões por mês, não teve condições de manter em atividade um clube profissional de futebol. Por isso, o Grêmio Atlético Coariense, o “tricolor do petróleo”, que muitos pensavam ser a redenção do decadente futebol amazonense fechou as portas o ano passado.
Pior do que ver o time sair de campo, foi assistir o único estádio de futebol da cidade virar cemitério, sob a alegação de que não havia mais lugar onde enterrar os mortos. Junto, o prefeito de lá enterrou de vez, o futebol naquele pedaço de Brasil. A revista “Craque” fez uma série de três reportagens intituladas "A morte do futebol", com foco na incrível experiência de Coari, cujo time foi vice-campeão amazonense em 2004 e campeão em 2005. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
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