Meu personagem de hoje não é nenhum grande craque do futebol brasileiro. Mas nem por isso sua importância merece menor destaque. O massagista Mário Américo, mineiro de Rio Claro, foi um profissional competente que trabalhou em clubes importantes como a Portuguesa de Desportos (SP), contratado na década de 50 com direito a luvas e tratamento de grande estrela. Sua transferência para o Vasco da Gama (RJ) teve enorme repercussão na época. Mas os melhores momentos da carreira foram vividos na Seleção Brasileira, tendo participado de sete copas do mundo entre 1950 e 1974, e colocado no currículo os títulos de campeão em 1958, 1962 e 1970.
Seu sonho de infância era ser músico. Mas o destino não quis. Enveredou por caminhos bem diferentes. Em 1937, no Madureira Atlético Clube, do Rio de Janeiro, começou uma carreira dupla: massagista e lutador de boxe. Nos ringues alcançou importantes vitórias, até mesmo fora do país. E na massagem, depois de se especializar na Escola Nacional de Educação Física do Rio de Janeiro, o sucesso foi maior, merecendo ser chamado de “Massagista dos Reis”, título de um livro onde contou ao jornalista Henrique Matteucci, fatos marcantes de sua longa carreira.
Também foi chamado de “pombo-correio”, pela rapidez com que transmitia recados dos treinadores aos jogadores dentro de campo. Folclórico, protagonizou histórias que quase viraram lendas. A mais conhecida aconteceu na Copa do Mundo de 1962, no Chile. O juiz Nicolai Latishev (URSS) apitou o fim do jogo contra a Tchecoslováquia, em que vencemos por 3 X 1, e como era costume na época pegou a bola para levar como souvenir. Mas foi surpreendido pelo massagista Mário Américo, que veio por trás e a surrupiou, correndo para o vestiário.
O juiz relatou o fato aos dirigentes da FIFA, que de imediato exigiram a devolução da bola. Aí funcionou o jeitinho brasileiro e uma replica foi entregue, como se fosse verdadeira. A original veio para o Brasil e foi parar nas mãos de outro importante personagem do futebol brasileiro, o saudoso empresário paulista (dono da rádio e TV Record) e chefe da delegação brasileira, Paulo Machado de Carvalho (falecido em 1992). Ele foi apelidado de “Marechal da Vitória”, pelo jornalista Joelmir Betting. Em 1961, o Estádio Municipal do Pacaembu passou a se chamar “Paulo Machado de Carvalho”. Em 2005, os jornalistas Tom Cardoso e Roberto Rockmann escreveram sua biografia no livro intitulado "O Marechal da Vitória – Uma história de rádio, TV e futebol".
Mas voltemos a Mário Américo e algumas de suas gostosas histórias. Tão conhecido quanto os grandes jogadores da seleção, entre as décadas de 1970 e 1980, ele fez um comercial de um determinado anestésico para a TV, em que olhava para a câmera e dizia: “Ih, com essas “mão” eu já massageei muitos “craque”. Os mais antigos com certeza devem lembrar.
Certa vez, entrevistado num programa de televisão, “titio Mário” como era carinhosamente chamado pelos jogadores, não fugiu da raia e respondeu uma pergunta sobre a existência de homossexualismo no futebol. Não titubeou e lascou essa jóia: “Ah, meu filho, esse negócio de homem sexual no futebol sempre existiu”.
Em 1952, num jogo entre Vasco da Gama e Fluminense, pelo Campeonato Carioca, Mário Américo evitou um gol do adversário, ao invadir o campo e dar uma “gravata” num atacante na hora em que este ia chutar para o gol. Deu briga generalizada.
Antes do Mundial de 1958, a Seleção Brasileira jogou um amistoso no Pacaembu, contra o Corinthians. Ganhou por 5 X 0 e quase ao final do jogo Pelé machucou um dos joelhos, num choque com o jogador Ari Clemente. Susto geral. Só viajou para a Suécia por que o médico, Hilton Gosling garantiu que ele poderia estar em campo, a partir do terceiro jogo. Isso era uma possibilidade, pois o Brasil teria antes que vencer Áustria, Inglaterra e União Soviética, três grandes selecionados.
Pelé viajou e não participou dos dois amistosos na Itália, ficando em tratamento com o doutor Gosling e o massagista Mario Américo. Na concentração de Hindas, na Suécia, Pelé passava horas tratando do joelho. Até que um dia Américo chegou junto a ele e disse: "Você está pronto, crioulo, pode jogar se o Feola quiser". Entrou no jogo contra a antiga URSS e o resto da história não é preciso contar.
Na mesma Copa de 1958 o Brasil ficou sabendo na véspera do jogo final contra a Suécia, que teria de jogar com o uniforme reserva. Os jogadores tremeram, nenhum queria vestir a camisa branca, de triste lembrança em 1950. Paulo Machado de Carvalho, chefe da delegação não quis dar chance ao azar. Supersticioso, usava sempre o mesmo terno marrom antes dos jogos, comprou uniformes azuis de última hora, dizendo que era a cor do manto de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Os números foram recortados das camisas amarelas, usadas nos jogos anteriores, e costurados pelo massagista Mário Américo.
Garrincha, o extraordinário atacante brasileiro não era um tipo daqueles que se podia chamar de esperto. Ao contrário. Muito simples, acreditava em tudo que lhe diziam. Um dia, ele apareceu na concentração da seleção com um rádio transistor, moderno e caro, que custou mais de 100 dólares. Por tal compra todos os companheiros o felicitaram, exceto Mario Américo. Chamando o jogador para perto de si, disse-lhe ao ouvido: “Você fez um mau negócio. Abusaram da sua inocência e ignorância, pois esse rádio não serve para o Brasil, pois só transmite em sueco”.
Com grande ingenuidade, Garrincha ligou o aparelho e constatou que realmente em todas as estações de rádio, os locutores falavam no idioma escandinavo. Depois disso, concordou em vender o rádio para o massagista por 40 dólares para “diminuir o prejuízo”, mas sob a condição de que dissesse a quem lhe perguntasse que pagou os mesmos 100 dólares.
Outra ocasião Pelé foi contratado pela fabricante de material esportivo “Puma” para fazer um comercial na televisão, em que teria de se agachar para ajeitar o cadarço da chuteira. O interessante dessa história é que as chuteiras usadas não eram da marca “Puma”, e sim "Adidas". Isso, porque Pelé não se adaptou as novas e teve que usar o seu par antigo, já surrado por muitos gols e jogos. Mário Américo teve a idéia de pintá-lo todo de preto, e colocar por cima o símbolo da “Puma”. Ninguém notou diferença. E Pelé pode embolsar pelo comercial, o equivalente a R$ 100 mil por quatro anos, e mais uma participação sobre a venda das chuteiras.
Uma vez pediram para Mário Américo fazer uma comparação entre Pelé e os demais jogadores. A resposta foi rápida: “Tirando o Pelé é tudo japonês”. O folclórico massagista faleceu em São Paulo, no dia 9 de abril de 1990 (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
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