Muitos técnicos de futebol são criticados pela tolerância demasiada com os jogadores. São os chamados “paizões” ou “titios”. Casos de Orlando Fantoni, já falecido e Joel Santana. Já Luiz Felipe Scolari, mescla o estilo “paizão” com “durão”, receita de sucesso. Existem os estrategistas, exemplos dos falecidos Zezé Moreira e Cláudio Coutinho e mais recentemente Vanderlei Luxemburgo.
Não podemos esquecer os disciplinadores. Flávio Costa, Osvaldo Brandão e Aymoré Moreira foram famosos. Mas nesse quesito ninguém superou Dorival Knipe, o Yustrich, ex-goleiro do Flamengo que se tornou o mais exigente e intolerante treinador que o futebol brasileiro conheceu. Há quem diga que não teve similar no mundo.
Dorival Knipe nasceu em Corumbá (MS) no dia 28 de Setembro de 1917. O apelido Yustrich ganhou pela semelhança física com Juan Elias Yustrich, goleiro argentino do Boca Juniors. Também o achavam parecido com o ator de cinema Victor Mature. Começou no futebol aos 18 anos, jogando pelo Flamengo, por quem foi campeão carioca em 1939, 1942, 1943 e 1944, quando perdeu a titularidade para Jurandir. Descontente foi para o Vasco da Gama e depois América, também do Rio de Janeiro.
A carreira de técnico teve início na década de 1950. De cara ganhou a fama de “durão”. Arrogante e de temperamento explosivo, gostava de exibir valentia. Era chamado de “Homão”, por causa da alardeada macheza e pelos quase dois metros de altura e físico avantajado: “paquidérmico”, segundo um cronista esportivo da época. Era comum envolver-se em atritos com jogadores, colegas de profissão, dirigentes e até com a imprensa. Ele não permitia que atletas sob seu comando fumassem, deixassem a barba por fazer e usassem cabelo comprido. Não tolerava atrasos e nem falta de empenho nos treinamentos.
Tinha bronca permanente com a imprensa, que o malhava constantemente. Certa feita, quando treinava o América Mineiro, por implicância proibiu a presença de repórteres no vestiário do Mineirão. Depois proibiu na porta do vestiário, no corredor, no fosso e junto da pista. Um repórter reclamou e foi ameaçado. O presidente interino da Associação Mineira de Cronistas Esportivos (AMCE), jornalista Osvaldo Faria, foi tomar satisfações e o "homão" não quis nem saber, partiu para a porrada.
Felizmente a PM chegou a tempo e não houve nada de maior. Vendo tantos policiais cercando Yustrich, o repórter de rádio Dirceu Pereira, deu uma de bom e de punhos cerrados gritou: “Larga ele, solta esse cara que a torcida vai ver quem é quem. Solta esse Zé Mingau". E posou de herói da festa. Yustrich vendo aquilo apenas soltou um estrondoso urro: "eu te pego, eu te peeeego".
Dias depois o Dirceu, esquecido do atrito foi ao estádio do América fazer uma reportagem. Chegou num jipe da rádio, dirigido pelo motorista Alair Sabará, um baixinho também metido a brigão. Ao entrar, logo que viu Yustrich, lembrou de tudo e saiu correndo. O treinador também o reconheceu e gritou para o porteiro: “Bigoooode, fecha esse portão". Ordem dada e executada, mas Dirceu conseguiu passar e ofegante entrou no jipe aos berros: “Arranca, Sabará, arranca, Sabará".
Não deu tempo. Trêmulo, Sabará não achava o buraco da chave. Há quem diga que no aperto queria ligar o jipe com um pente. Por sorte, Yustrich estava num dia bom e não bateu em ninguém, só disse muito desaforo. O jipe sim, levou inúmeros pontapés. E Dirceu e Alair só não encheram as calças por que não tinha nada pronto. Nem líquido nem sólido.
O Atlético Mineiro foi o clube que mais se identificou com Yustrich, que chegou no “Galo” em 1952 e logo foi campeão estadual. Deixou o clube na temporada seguinte, após uma rebelião formada pelos jogadores Zé do Monte e Lucas Miranda, descontentes de verem alguns colegas preteridos pelo técnico. Dirigiu o clube mineiro em 159 jogos, nos anos de 1952, 1953, 1960, 1968 e 1969.
Em 1955 foi para Portugal, treinar o Futebol Clube do Porto, sagrando-se campeão depois de uma longa espera de 16 anos. No mesmo ano, o Porto venceu a Taça Portugal, fazendo a chamada ''dobradinha'', ganhando os 2 maiores títulos daquele país. Mesmo tendo sido um técnico vencedor no clube português, Yustrich era antipatizado por alguns jogadores, entre eles Hernani Silva, o ídolo do time.
Ao fim de um jogo em que o Porto venceu o Oriental por 5 X 0, o técnico mandou os jogadores agradecerem ao público o apoio dado. Hernani foi o único a não cumprir a ordem, dizendo que não iria “alimentar as palhaçadas do treinador”. Foi o suficiente para se iniciar uma troca de socos. No final da temporada, Yustrich foi dispensado. Dizem que por exigência da temida polícia secreta do então ditador Oliveira Salazar, que tinha no Sporting, de Lisboa seu clube preferido, e não via com bons olhos o sucesso do Porto, conduzido por um brasileiro.
Apesar dos métodos rigorosos e polêmicos, os times dirigidos por Yustrich sempre brigavam pelas primeiras posições. Por isso, era sempre requisitado por grandes clubes. Em pleno início da década de 1970, já utilizava os métodos de trabalho dos treinadores atuais. Foi um dos primeiros a perceber a importância da preparação física. Com ele os goleiros tinham treinamento especial, separados do resto do grupo. Era o único técnico da época que dava folga aos jogadores nas segundas-feiras.
De volta ao Brasil, dirigiu o Vasco da Gama em 1959. Depois o modesto time do Siderúrgica, de Sabará (MG), onde foi campeão estadual. O Siderúrgica tinha ganho o título pela última vez em 1937. No jogo decisivo contra o Atlético Mineiro, Yustrich obrigou o atacante “Noventa” a jogar com um dos braços quebrado.
Dali foi para o Vila Nova, de Nova Lima, onde jogava um meio-campista de apelido “Quelé”. Yustrich reclamava do jogador por relaxar na marcação: “Pô, rapaz, você domina fácil a bola, sabe driblar, passa bem, mas não combate. Isso é ruim. É preciso voltar para marcar. Por que não faz isso?” E o jogador respondeu: “Ah, seu Yustrich. O senhor acha que dominando bem a bola, driblando bem, passando certo e dando combate, como senhor deseja, eu estaria aqui nesse timeco?”
Yustrich dirigiu a Seleção Brasileira por um jogo. Em dezembro de 1968, o Atlético representou o Brasil num amistoso contra a antiga Iugoslávia. Vestindo a camiseta canarinho, o Atlético venceu de virada por 3x2. Nesse jogo Yustrich lançou o atacante Dario, que marcou dois gols. Em 1969, no Mineirão, o Atlético, com a camiseta vermelha da Federação Mineira venceu por 2 X 1 a Seleção Brasileira, de João Saldanha, que se preparava para a Copa de 1970. Ao final da partida, Yustrich obrigou seus jogadores a darem a volta olímpica no gramado, com a camisa alvinegra do Atlético. O Mineirão quase veio abaixo. Isto lhe valeu a inimizade de João Saldanha.
Em 1970, Yustrich foi para o Flamengo e começou o ano de forma arrasadora. Em fevereiro, num jogo pelo Torneio de Verão esmagou o Independiente, da Argentina com uma vitória de 6 x 1. Depois o Flamengo foi campeão da Taça Guanabara. E só. Os resultados decepcionantes que se seguiram e a perseguição ao atacante argentino Doval, porque usava cabelos compridos, determinaram sua demissão no segundo semestre de 1971.
Ainda no Flamengo escapou da morte por um triz. De olho no cargo de técnico da Seleção Brasileira, caso Saldanha fosse demitido, Yustrich carregou nas críticas ao treinador. “João Sem Medo”, que já estava irritado desde o jogo-treino no Mineirão, entrou armado de revólver na concentração do Flamengo, para “um ajuste de contas”, mas o técnico não estava lá. Por este gesto e pelo empate da seleção com o modesto time do Bangu, foi demitido. Em seu lugar entrou Zagalo.
Essa não foi a primeira vez que Yustrich correu o risco de levar um tiro. Em uma de suas estadas no Atlético Mineiro, se desentendeu com o jogador uruguaio Cincunegui, que havia retardado em uma semana o retorno das férias. Os dois discutiram violentamente e Cincunegui sacou do revólver e só não atirou, porque foi seguro por companheiros.
Depois do Flamengo, treinou o Corinthians e o Coritiba. Em 1977, foi para o Cruzeiro (MG) e encontrou um grupo de jogadores quase todos cabeludos, alguns barbudos e outros com penteado estilo black-power. Não se conteve e perguntou: “esse é um time de rock?” A primeira providência desagradou os jogadores: proibiu o jogo de sinuca na concentração. Ainda assim, o Cruzeiro foi campeão mineiro.
Yustrich foi dispensado do clube por conta de um fato banal. Após uma partida em Araxá, o jogador Roberto Batata deu a camisa para um garoto. Yustrich mandou o roupeiro buscar de volta. Na época, todos em Minas tinham medo dele. Ninguém desconhecia que gostava de ameaçar e bater em jogadores, e até por obrigar um então presidente do Atlético Mineiro a se abaixar e pegar uma caneta que tinha caído, em clara demonstração de poder.
No entanto o vice-presidente do Cruzeiro, Carmine Furletti enfrentou o furioso treinador, não permitindo que a camisa fosse trazida de volta. O dirigente foi curto e grosso “Aqui você não manda nada, é empregado e ponto final!”. A camisa ficou com o garoto. Foi o bastante para a diretoria se reunir à noite e tomar a decisão de demitir o técnico, que foi notificado através de uma carta.
A responsabilidade de entregar a correspondência ficou a cargo do supervisor Robson José. Ele viajou até o sítio do treinador, em Vespasiano. Há quem diga que o supervisor, temendo a reação explosiva do Homão” jogou a carta por debaixo da porta, tocou a campainha e saiu correndo.
O incidente foi só o pretexto para mandar Yustrich embora. Ele estava desgastado por tentar barrar o zagueiro Brito, por que tinha o hábito de fumar. Não conseguiu. Em represália, substituía o jogador sempre que possível. O craque se irritou a tal ponto que, ao ser substituído pela décima vez, jogou a camiseta suada no rosto do treinador e saiu em disparada. Seria suicídio enfrentar aquele brutamonte, mesmo já envelhecido.
Yustrich encerrou no Cruzeiro sua carreira de treinador. Retirou-se para o mais completo anonimato e só voltou a ser notícia quando morreu, em 15 de fevereiro de 1990. (Texto e Pesquisa: Nilo Dias)
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