Segundo o dicionário “Aurélio”, a palavra torcer quer dizer “dobrar”, “vergar”, “entortar”. Mas é também, a maneira de simpatizar com um clube esportivo. Por quê? O que tem a ver uma coisa com a outra? Qual a razão? É claro que para tudo tem que haver uma resposta. Para descobrir a origem do termo, teremos que voltar ao passado distante.
O Fluminense F.C., fundado em 21 de julho de 1902, nasceu da elite carioca, sem dificuldades financeiras, bem diferente da maioria dos times da época. Seu fundador e primeiro presidente foi Oscar Cox, filho de família abastada, que recém retornara ao Brasil, depois de uma temporada de estudos na Suíça. O nome desejado era Rio Football, mas como já existia um time com esse nome ficou Fluminense.
O Estatuto do clube era preconceituoso. Fazia certas exigências para aceitar alguém como sócio. Era preciso passar por uma comissão de sindicância e não ter defeitos físicos, para evitar qualquer constrangimento ao meio social. O primeiro campo foi numa chácara no bairro de Laranjeiras, alugada do Banco da República com o aval da tradicional família Guinle. Um espaço grande, perfeito para a realização de jogos. Um luxo só. Havia até um jardineiro para cuidar do gramado e um burro que puxava, com luvas nas patas, a máquina de aparar a grama.
A nata da sociedade sempre foi Fluminense Football Club, desde a fundação, ocorrida num palacete na rua Marquês de Abrantes, pertencente a Horácio da Costa Santos. Nomes tradicionais das mais conceituadas e ilustres famílias do Rio de Janeiro, como Mário Rocha, Oscar Cox, Horácio da Costa Santos, Júlio de Moraes, Mário Rocha, Félix Frias, Walter Schuback, Mário Frias, Heráclito de Vasconcelos, João Carlos de Mello, Domingos Moitinho, Louis da Nóbrega Júnior, Arthur Gibbons, Virgílio Leite, Manoel Rios, Américo da Silva Couto, Eurico de Moraes, Victor Etchegaray, A. Mascarenhas, Álvaro Drolhe e A. Roberts estavam presentes na fundação do clube.
O primeiro uniforme do clube era muito bonito. As camisas nas tonalidades cinza e branco, metade de cada cor, os shorts brancos e as meias pretas. O escudo tinha as iniciais “F.F.C.” bordadas em vermelho. Já a bandeira era formada por dois triângulos escalenos, sendo um branco e outro cinza, com o escudo bordado na parte de cima, mais para o canto esquerdo, onde ficava a parte branca.
É claro que sendo o clube da sociedade carioca, a presença feminina nos jogos era uma constante. O escritor Coelho Neto, seguidor apaixonado do Fluminense, também era figura obrigatória nos gramados. Chegou até a compor um hino para o clube, mas que não fez sucesso. Seu filho, João Coelho Neto, conhecido como “Prego” e depois “Preguinho”, foi um dos mais importantes personagens da vida do tricolor, tendo sido destaque em oito modalidades esportivas. Ele, artilheiro histórico marcou o primeiro gol da Seleção Brasileira em uma Copa do Mundo, em 1930, no Uruguai.
Pois foi esse importante personagem, o responsável pela criação do termo “torcida”, que hoje serve para designar quem simpatiza com este ou aquele clube. Observador atento, Coelho Neto notou que quando o time atacava ou era atacado, as mulheres que iam aos jogos, com seus vestidos rendados, num misto de ansiedade, calor e nervosismo, apertavam os corpetes, empunhando sombrinhas, galgando escarpins e torcendo as luvas e lenços encharcados de suor.
Em sua coluna no dia seguinte, Coelho Neto chamou essas mulheres de “torcedoras”. Pronto, estava criado o termo que agora é símbolo da paixão clubística. Em seguida ganhou similar masculino. Hoje, torcida é sinônimo de amor ao clube do coração. Sem o “torcedor”, o espetáculo perde o brilho e a razão. Nada é mais frustrante que um estádio vazio.
Serve, neste artigo, repetir o versinho de autoria de Ivan Ney, ex-atleta do Olimpic Foot-Ball Clube, de Porto Alegre, publicado em 1915 pela imprensa do Rio Grande do Sul.
"É elegante e é chic. É distincto, é de escol, rir nervosa, ter chilique, por causa do foot-ball. Vermelhinha, como encanta ouvir-lhe palmas a bater. É nossa alegria tanta que brilhamos sem querer".
Pena que esse começo elegante, onde “torcer” era coisa chique e o respeito era obrigação, tenha se perdido com o tempo. Nos dias de hoje é complicado ir ao estádio. O advento das chamadas torcidas uniformizadas ou organizadas é a meu ver o maior responsável por esse declínio. Quando Jaime de Carvalho criou em 1942, a “Charanga do Flamengo”, a intenção era a melhor possível, levar mais alegria aos campos de futebol, com uma banda que tocava durante os jogos.
E o que acontece hoje, principalmente nas grandes cidades? Meliantes, muitos deles envolvidos com o tráfico de drogas infiltram-se no seio das “organizadas”, provocando atos de violência. E o pior, com o aval de alguns dirigentes que fornecem ingressos e permitem até que esses torcedores dêem palpites em decisões importantes. Palmeiras e Corinthians são os “piores” exemplos disso.
Entre as torcidas mais violentas estão a corinthiana “Gaviões da Fiel”, a “Mancha Verde”, do Palmeiras, “Torcida Jovem do Flamengo”, que se auto denomina "Exército Rubro-Negro" e tem um tanque de guerra como símbolo. Essa torcida se divide em pelotões, ou seja, grupos espalhados em diversos pontos do Grande Rio. A “Força Jovem” do Vasco formou suas “Famílias”, buscando inspiração na velha máfia italiana. Existem outras, como: “Núcleos de Young Flu” (Fluminense), “Esquadrões da Jovem do Botafogo” e “Comandos da Raça Rubro-Negra” (Flamengo). No Rio Grande do Sul os torcedores do Grêmio criaram a “Alma Castelhana”, responsável por depredações em estádios e outras aberrações.
A violência das torcidas também chegou às cidades menores. Eu assisti, nestes mais de 50 anos de acompanhamento do futebol, cenas lamentáveis. Conto uma, apenas como ilustração. Depois de um clássico Bra-Pel (Brasil X Pelotas), torcedores enfurecidos, de ambos os lados, travaram uma verdadeira batalha campal, jogando pedras que seriam utilizadas no calçamento da rua frente o estádio. Foi um milagre ninguém ter saído ferido. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
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