A gíria faz parte do futebol, por ser um esporte popular nos dias de hoje, embora tivesse chegado ao Brasil através de classes elitistas, e assim permanecido por muitos anos. A criativa lista de apelidos dados a jogadas e acontecimentos envolvendo o esporte é bastante extensa. Neste artigo, vou me limitar a explicar as origens de algumas expressões batizadas com nomes de animais e que volta e meia nos deparamos com elas nos noticiários esportivos. E ainda outras "participações" dos amigos bichos no esporte "bretão". E é bom que se diga, a maioria dos integrantes da imprensa se limita a repetir o óbvio, mas não sabe como e onde algumas expressçoes surgiram.
Começo com o “gato”. A definição surgiu em Pernambuco, há décadas, quando a direção do Sport descobriu que um zagueiro de apelido “Gato”, usara de tal expediente para poder jogar na equipe juvenil. E cada vez que aparecia outra situação semelhante, falava-se em "um novo Gato". Daí a expressão ganhou o Brasil. “Gato”, no futebol serve para identificar o jogador que diminui a idade, quase sempre para se inscrever nas categorias de base.
O nome “gato” também está presente numa jogada faltosa e que pode ocasionar lesão séria em quem a sofre. É quando um jogador pula para cabecear uma bola e um adversário o escora pelas pernas provocando sua queda. É a chamada “Cama de Gato”. Mas por que esse nome? Segundo o pesquisador Márcio Cotrin, em sua coluna “O Berço da palavra”, no Diário de Natal (RN) é porque o gato faz sua cama no chão. E os jogadores que sofrem a falta, caem espalhafatosamente, como os bichanos lançados pelo rabo em direção ao solo.
Tem o “frango”, prato indigesto para os goleiros. O criador da expressão foi o jornalista “Zé de São Januário” que nos anos 40, escrevia uma coluna no “Jornal dos Sports”. Como o próprio nome sugere, “Zé” era torcedor fanático do Vasco da Gama. Foi ele quem chamou de “frangueiro” um goleiro do seu time que se agachou bem ao estilo de um “pegador de frango” para defender uma bola fácil e acabou levando o gol. No dia seguinte “Zé de São Januário” escreveu, que o goleiro engolira um “frango”. A partir daí a expressão é usada toda vez que acontece um lance parecido.
Foi uma questão de observação. Naqueles tempos era comum criar galinhas nos quintais das casas. E quando alguém tentava pegar uma “penosa” para o almoço dominical, tinha que agachar-se com as mãos encostadas ao chão. E muitas vezes os frangos enganavam seus algozes, passando rápido por entre as pernas ou os braços. Situação idêntica a do goleiro que se prepara para pegar a bola e esta o engana.
E o que dizer do jogador “cabeça de bagre”? É o nome que define aquele que não pensa a jogada, um “cabeça oca”, segundo a sabedoria popular. Quem criou o termo foi o ex-goleiro do Atlético Mineiro, Olavo Leite Bastos, o “Kafunga”, que depois de encerrar a carreira de jogador, tornou-se deputado estadual por Minas Gerais e comentarista esportivo em rádio, TV e jornal de Belo Horizonte.
Quem diria, o inverso de “cabeça de bagre”, o animal que denomina o bom jogador de futebol, o craque, é nada mais, nada menos do que a “cobra”. E por que? Em 1929, na Várzea do Carmo, em São Paulo, havia um time chamado “Heróis do Fogo”, formado por militares do corpo de Bombeiros. O astro do time era um jogador de grande habilidade chamado Moacir Cobra, que ganhou fama em toda a região. A partir daí, toda a vez que aparecia um bom jogador era logo chamado de “cobra”, lembrando o craque bombeiro.
E porque razão a gratificação paga aos jogadores cada vez que o time ganha um jogo, é chamada de “bicho”? Os torcedores do Vasco da Gama foram pioneiros nessa prática. Tudo começou em 1923, na primeira participação da equipe vascaína na principal divisão carioca. Como o time era formado, na maioria, por jogadores negros, operários e analfabetos, os torcedores recolhiam dinheiro para ajudar seus craques, pagando-lhes prêmios por vitória ou empate.
O valor do prêmio era calculado por fatores como o adversário, a importância do jogo e o resultado, e era anunciado segundo uma senha inspirada no jogo do bicho: um cachorro (numero 5 no jogo do bicho) significava um prêmio de 5 mil réis; um coelho, 10. E assim por diante. Uma outra versão, que não é confiável, conta que os torcedores premiavam os jogadores com galinhas, patos ou leitões.
E nessa relação de animais e clubes foram criadas as mascotes. A mais comum no Brasil é o “leão”. Dados estatísticos mostram que pelo menos 38 times escolheram o rei das selvas, embora eu tenha convicção de que o número é bem maior. O mesmo acontece em relação ao “galo”, que vem logo a seguir com 17 escolhas e tem no Atlético Mineiro sua principal referência. O Oratória, time do Amapá, tem como mascote uma “orca”. O Santos, uma “baleia”. O Cruzeiro de Alagoas preferiu uma “hiena” azul. Pura imaginação. Já o Cruzeiro de Minas Gerais optou pela “raposa”.
A Associação Atlética Portuguesa, do Rio de Janeiro tem como símbolo uma “zebra”, para lembrar o célebre jogo em 1964, em que derrotou o na época poderoso Vasco da Gama por 2 x 1. Gentil Cardoso, então técnico da Lusa, disse que seria uma tremenda “zebra” (não existe no jogo do bicho) uma vitória de seu time.
Algumas mascotes de clubes surgiram de provocações dos adversários. As mais famosas dizem respeito a Palmeiras e Flamengo. O “porco” palmeirense surgiu numa comemoração de gol do atacante Viola, na época no Corinthians. No princípio os palmeirenses não admitiam o “porco” como mascote e sim o “periquito”. Com o passar dos anos os torcedores e o clube aderiram à idéia e o “porco” foi adotado oficialmente.
O Flamengo, o clube mais popular do país tem como mascote um “urubu” nas cores vermelho e preto. E porque um pássaro tão feio e de hábitos pouco comuns? A escolha aconteceu depois que o professor de educação física, Luis Octávio, torcedor fanático do Botafogo, teve a idéia de levar ao Maracanã um urubu chamado “Caju”, quando de um jogo pelo campeonato carioca de 1969.
Naquela época, os torcedores do Botafogo viviam implicando com os do Flamengo. E como o time rubro-negro contava com vários jogadores negros, os botafoguenses em atos racistas diziam que o Flamengo era um "time de urubu". Por isso, amarrou uma bandeirinha do Flamengo na perna do pássaro e o soltou dentro do estádio. Em vez de ficarem brabos, os flamenguistas gostaram da brincadeira e resolveram adotar a mascote, que deu sorte naquele jogo que o Flamengo ganhou por 2 X 0.
Mas tem animais que os clubes e torcedores não querem nem ouvir falar, pois nasceram de xingamentos adversários e simbolizam coisas desagradáveis: é o caso do “bambi” (veado), São Paulo, e “gambá”, Corinthians. E quem quer ser "traíra", então, sinônimo de quem joga contra o próprio time e os companheiros?
A extensa lista não para por aí: tem “periquito” (Palmeiras-SP, Gama-DF e Goiás), “papagaio (Juventude-RS e Tocantinópoles-TO), "caturrita" (São Paulo-RS), "lobão" (E.C. Pelotas-RS), “canarinho” (Seleção Brasileira), “águia” (Juventus-AC e São Gabriel-RS), “touro” (Sertãozinho F.C.-SP, Intercap-TO e Araguaina-TO), “burro” (Taubaté-SP), “coelho” (América Mineiro), “macaca” (Ponte Preta-SP), “bacalhau” (Vasco da Gama), “jacaré” (Brasiliense-DF), “tigre” (Criciúma –SC, Marília-SP e Ipatinga-MG), “dragão” (América-RN, Oriente-RS e Camaçariense-BA), “morcegão” (Andirá-AC), “castor” (Bangu-RJ), “galo da campina” (CRB-AL), “abelha” (Grêmio Barueri-SP e Grêmio Bagé-RS), “tubarão” (Londrina E.C.-PR), “peixe guarajuba” (Camaçari-BA), “carcará” (Alagoinhas-BA), “timbu” (Náutico-PE), “tucano” (Ipitanga-BA), “gralha azul” (Paraná Clube), “bem-te-vi” (Catuense-BA), “cobra coral” (Santa Cruz-PE), “gavião” (Colinas-TO) e “arara” (União São João-SP e Palmas-TO).
E quantos jogadores e técnicos de futebol carregam nomes ou apelidos de animais? Certamente são muitos, cito apenas alguns: "Leão", ex-goleiro e atual técnico; Donizete "Pantera", ex-atacante do Vasco; "Aranha", goleiro da Ponte Preta; "Ratinho", ex-jogador do Corinthians; "Formiga", ex-jogador do Santos; "Bodinho", "Lula" e "Falcão", ex-jogadores do Internacional; "Coelho", lateral do Atlético Mineiro; "Cardeal", ex-craque do extinto Regimento, de Pelotas-RS; "Canário" e "Pintinho", ex-jogadores do Brasil, de Pelotas-RS; "Galo", ex-jogador do Santos e atual técnico de futebol; "Porca", ex-jogador do Guarany, de Bagé (RS); "Pavão", ex-zagueiro do Flamengo; Walter "Minhoca", ex-Flamengo e Ipatinga; Edmundo,"Bacalhau" ou "Animal", atacante do Vasco e Roberto "Cavalo", ex-jogador do Vitória-BA e atual técnico de futebol. E por aí, vai.
Tem até times: "Guará" e "Jaguar", de Brasília; "Águia de Marabá", de Marabá-PR; "Maracanã", de Maracanaú-CE; "Estrela do Mar", de Fortaleza-CE (extinto); "Fenix", de São Luiz-MA (extinto); "Tangará", de Tangará da Serra-MT; "Formiga", de Formiga-MG; Adap "Galo" Maringá, de Maringá-PR; "Cascavel", de Cascavel-PR; "Ybis", de Olinda-PE; "Tigres do Brasil", Rio de Janeiro; "Condor", de Queimados-RJ (extinto); "Piranhas", Jardim de Piranhas-RN; Atlético "Tubarão", de Tubarão-SC e "Perdigão", de Videira-SC.
Não podemos esquecer dos estádios. O mais famoso é o "Maracanã", nome de uma ave comum na região onde o estádio foi construido; "Morada dos Quero-queros", em Alvorada-RS; "Mariscão", em Capão da Canoa-RS; "Boca do Lobo", do E.C. Pelotas-RS; "Boca do Jacaré", apelido dado ao estádio de Taguatinga-DF, onde o Brasiliense manda seus jogos; "Lobo Solitário", em Guarapuava-PR; "Ninho da Águia", em Rio Brilhante-MS e "Arena do Touro", em Araguaína-TO; (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
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