domingo, 28 de junho de 2009

O racismo no futebol (01)

As acusações racistas que pesam sobre o jogador argentino Maxi Lopez, do Grêmio de Porto Alegre, que teria chamado o jogador Elicarlos, do Cruzeiro de Belo Horizonte, de “macaco”, trouxeram a tona um velho tema que vem acompanhando o futebol brasileiro desde os seus primórdios. O esporte, originário da Inglaterra, foi trazido para o Brasil no final do século XIX pelo jovem Charles Miller, um brasileiro de origem inglesa que voltava de seus estudos em Southampton, na Inglaterra.
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Nos primeiros anos, o futebol era praticado apenas pelas classes dominantes, excluindo os negros e os brancos pobres. Os jovens das camadas privilegiadas da população, todos de pele clara e filhos de “boas famílias”, vários de origem inglesa, doutores ou estudantes de medicina e direito, é que podiam praticar o novo esporte.

Mas, logo teve início o processo de apropriação popular do futebol. Moleques e malandros começaram a bater bola ao ar livre, onde quer que fosse possível. A bola podia ser feita com um maço de folhas de jornal enfiadas numa meia, de jornal amarrado com barbante, ou, simplesmente, tomava-se uma laranja, uma abóbora, uma lata velha amassada ou uma chapinha de cerveja.

Arthur Friedenreich, um mulato de olhos verdes, filho de alemão e mulata brasileira foi o primeiro ídolo do futebol brasileiro. Não porque tivesse marcado o gol da vitória do Sul-Americano de 1919. A popularidade de Friedenreich se devia, talvez, mais ao fato de ele ser mulato, embora não quisesse ser mulato. Ele mantinha uma luta íntima para parecer branco. Entre outras coisas, chegava atrasado nos jogos e se escondia no vestiário, tentando alisar e prender seus cabelos crespos com brilhantina, para não ser visto pela multidão como um mulato.

O jogador Hércules se casou com uma associada branca do Fluminense e a diretoria do clube proibiu o ingresso de atletas nos quadros sociais da entidade. Hércules tinha de saber qual era o seu lugar - lugar de empregado, lugar de mulato, lugar de crioulo. Mas Hércules se deu bem na vida: ao pendurar as chuteiras, em 1946, era dono de casas e terrenos em São Paulo.

O Fluminense, de resto, ganhou o apelido de "pó-de-arroz" em conseqüência de um caso exemplar de racismo, hoje célebre. Para poder jogar no time, sem aparecer como preto diante da multidão que lotava os estádios, o jogador Carlos Alberto tinha de disfarçar a cor da pele. De colocar a máscara branca. Para isso, cobria o brilho negro mestiço de seu rosto com espessas camadas de pó-de-arroz.

O jornalista Mário Filho, em seu livro “O negro no futebol brasileiro”, conta com riqueza de detalhes toda a trajetória negra em busca da inclusão no esporte de origem inglesa. Ele define algumas datas como importantes nesse contexto: 1900 até 1910, a elitização; de 1910 a 1930, a exclusão de negros. E a partir de 1930, a ascensão social dos negros.

Não pretendo contar aqui em detalhes a história do negro no futebol brasileiro. A intenção é apenas mostrar que o racismo nunca saiu de campo, nesses 115 anos de existência do esporte em nosso país.

Um fato curioso é que após as pressões para popularizar o "foot-ball", os negros passaram a ser aceitos sob certas circunstâncias nada desportivas. Era comum os árbitros liberarem atos violentos, como fortes entradas dos jogadores brancos nos negros, sendo que a recíproca quando feita era advertida com séria reprimenda, inclusive expulsão de campo.

O Vasco da Gama foi o primeiro clube a eleger um presidente não-branco na história do futebol carioca. Numa época em que o racismo dominava o esporte, Cândido José de Araújo, um mulato que não dispensava a elegância de um cravo branco na lapela, fez uma gestão exemplar, apresentando o Vasco como um clube aberto e sem preconceitos.

Dois clubes cariocas reivindicam o pioneirismo na aceitação de negros em suas equipes: Vasco da Gama e Bangu. Mas, na verdade, não foi nenhum deles que primeiro abriu as portas para atletas negros, e sim o Guarany F.C. da cidade gaúcha de Bagé.
A primeira liga de futebol na Bahia, fundada em 1904 era chamada de "liga branca". Em 1912, conflitos geraram nova liga, a "liga democrática", que supostamente permitiria a participação de atletas negros.

O jogador carioca Manteiga abandonou o América (RJ) em 1922 para se estabelecer no futebol baiano, onde havia um cenário bem menos racista que o da cidade do Rio de Janeiro. Ele dizia que “na Bahia estava em casa", enquanto “no Rio tinha de andar quase fugido". Existem indícios de ser Salvador a cidade pioneira no Brasil no acesso franco de negros à liga de futebol principal.

Em Porto Alegre existiu entre 1915 e 1930 a Liga Nacional de Futebol Porto Alegrense, pejorativamente conhecida (e divulgada na imprensa "branca") como Liga da Canela Preta, a liga dos negros. Em 1922, a liga "branca" criou sua segunda divisão e nela abriu oportunidades para jogadores e clubes negros, fato que originou uma lenta e gradual decadência da Liga da Canela Preta.

No interior do Rio Grande do Sul também foram criadas ligas exclusivas de negros. Em Pelotas a Liga José do Patrocínio e em Rio Grande, a Liga Rio Branco, todas exclusivas para atletas negros, em modelo semelhante ao encontrado nos EUA até 1960 e África do Sul na vigência do apartheid, quando a discriminação racial assumia forma aberta institucional.

Em 1950, quando a Seleção Brasileira perdeu o Mundial para o Uruguai, os negros do time foram massacrados pela imprensa e pela opinião pública e considerados os culpados pela derrota. Os mais execrados foram o goleiro Barbosa, o zagueiro Juvenal e o lateral Bigode. Barbosa carregou consigo até a morte, em 2000, a culpa de supostamente ter falhado no gol de Ghiggia, que deu o título aos uruguaios. “No Brasil a pena máxima é de 30 anos. Eu já cumpri 50”, dizia, amargurado, pouco antes de morrer. (Pesquisa: Nilo Dias)

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