segunda-feira, 24 de maio de 2010

“Caju”, a majestade do arco

A Seleção Brasileira de Futebol que vai a Copa do Mundo da África do Sul, já começou a fase de preparação para tentar trazer o tão sonhado exa-campeonato. Os primeiros dias dessa fase inicial, em que os atletas passaram por uma bateria de exames médicos e agora fazem exercícios físicos, estão se passando no Centro de Treinamento Alfredo Gottardi, do Clube Atlético Paranaense, em Curitiba.

E quem foi Alfredo Gottardi, porque mereceu essa homenagem, do tradicional clube rubro-negro da capital paranaense? Foi um ex-jogador do clube, talvez o maior ídolo da sua história. Alfredo Gottardi era o nome de batismo, mas nos gramados ficou conhecido pelo apelido de “Caju”, considerado até hoje o melhor goleiro que pisou em gramados paranaenses.

O primeiro “Caju” foi Alberto Gottardi, goleiro do extinto Savóia F.C., antigo clube de Curitiba e do Atlético, onde jogou de 1927 até 1933. Foi bicampeão invicto do Estado em 1929 e 30. Ele deu início à saga da família Gottardi no Atlético. Simples, modesto e amigo de todos, era respeitado pelos jogadores. Ocupou o arco rubro-negro de maneira absoluta, até encerrar a carreira em agosto de 1933.

Mas não abandonou o Atlético, continuou no clube, cuidando do estádio, do gramado e dos uniformes dos jogadores. Na época não tinha camisa de sobra e nem o costume de dá-las de presente. Quando havia um rasgão, Alberto as costurava em casa. Sem dúvida foi um grande nome na história atleticana. Era pai de Rui, a chamada “Maquininha do Furacão”, em 1949, e de Aldir e Almir também jogadores do Atlético na década posterior.

O lugar na meta rubro-negra foi ocupado por Alfredo, irmão de Alberto, de apenas 18 anos - nasceu em Curitiba no dia 14/01/1915 - que também herdou o apelido de “Caju”. Também era chamado de “A majestade do arco”. Ele estreou na meta atleticana em 1933, já causando uma ótima impressão a quem o viu jogar. E no ano seguinte, com 18 para 19 anos, foi convocado para a Seleção Paranaense para disputar o Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais. Campeonato que tinha uma tremenda importância na época. Foi disputado entre 1922 e 1962.

O Atlético foi o único clube na carreira de “Caju”. Permaneceu por lá até 1950. Foram longos 17 anos, jogando 620 partidas. Porém, nesses anos todos, nunca teve contrato de profissional. Por escolha própria, ficou sempre como amador. E por essas coisas, tinha épocas que ele não jogava no time profissional. Tanto é que em 1944 foi campeão no time amador, jogando como centro-avante.

De 1937 a 1939 jogou poucas partidas, sendo o doutor Lauro Rego Barros o goleiro do time. De 1942 a 1949 jogou boa parte dos jogos. Mas, em dia de Atletiba, “Caju” chegava no vestiário, botava sua camisa e dizia que ia jogar. E entrava m campo e fechava o gol. E assim, o Atlético quase sempre vencia o clássico.

Caju não era um goleiro estiloso, de saltar e voar nas bolas. Estava sempre extremamente bem colocado, onde que o atacante chutasse a bola, lá estaria “Caju” para defendê-la. Contam que quando “Caju” saía nas bolas cruzadas na área, ele a encaixava perfeitamente. Existem várias fotos que mostram o goleiro no ar, com a bola encaixada, com os quadris na altura da cabeça do zagueiro.Mesmo os torcedores de outros times diziam que “Caju” foi o melhor goleiro que já apareceu no estado do Paraná, um mito, um exímio goleiro.

O goleiro se tornou um ídolo ainda maior que seu irmão Alberto. Conquistou seis títulos estaduais (1934, 1936, 1940 , 1943, 1945 e 1949) e foi o primeiro jogador paranaense que chegou à Seleção Brasileira. Foi no Sul-americano de 1942.

Devido a sua atuação no Campeonato Brasileiro de Seleções, em 1942, o técnico Ademar Pimenta convocou "Caju" para a Seleção Brasileira para disputar o Torneio Sul Americano no Uruguai. Tal fato irritou os torcedores paulistas que queriam Jurandir do São Paulo na Seleção. Mas, nesse Torneio, "Caju" impressionou os “gringos” que o elegeram como o melhor goleiro do Campeonato. E foi lá no Uruguai que ele ganhou o apelido de “A Majestade do Arco”.

A trajetória esportiva de Alfredo Gottardi, o “Caju" foi destacada no livro “Goleiros, Heróis e anti-heróis da camisa 1”, de autoria do jornalista Paulo Guilherme, lançado pela Alameda Casa Editorial. Entre várias histórias de personagens que fizeram a história da posição número um do futebol, a obra mostra a passagem de “Caju” pela Seleção Brasileira em 1942, quando o goleiro do “Furacão” foi titular do Brasil no Sul-Americano disputado no Uruguai, tendo jogado cinco partidas.

Como a rivalidade entre Atlético e Coritiba foi sempre muito grande, os “coxas” contam esta história.. Em 1942, “Caju”, que acabara de defender a seleção Brasileira durante o torneio Sul-Americano participaria dum clássico AtleTiba, justamente para comemorar sua volta aos campos paranaenses.

Naquela época, era famosa a disputa que existia entre o centroavante coritibano Neno, e o goleiro “Caju”, dois expoentes do futebol do Paraná. A partida começa e, em pouco tempo, o Coritiba chegou a 3 × 1. “Caju” sentiu que, se nada fizesse, a derrota seria certa. Resolveu, então, adotar um ardil: sair com a bola dominada e driblar Neno, visando, com isto, acender o ânimo de seus companheiros do time da Baixada. Não deu muito certo: na primeira tentativa de drible, Neno foi mais rápido, roubou a bola e fez o gol: Coritiba 4 × 1.

Um filho de “Caju”, também de nome Alfredo jogou no Atlético de 1966 a 1977, e em 1979. Não quis seguir a trajetória familiar de grandes goleiros. Preferiu ser zagueiro, o que se explica talvez por sua personalidade forte. Por parte de mãe tinha o sobrenome Cecatto, família que gerou dois bons jogadores para o rubro-negro. Dos Gottardi, foram seis a vestir a camisa atleticana. Alfredo foi campeão paranaense em 1970 e eleito para integrar a Seleção dos 80 Anos do Atlético.

Começou a carreira aos 16 anos jogando nas categorias de base do Atlético como centro-avante. Depois virou meia-direita e foi se encontrar como quarto-zagueiro. A história de como Alfredo se tornou zagueiro – e um excelente zagueiro - também é inusitada. Foi em 1967, por puro acaso. O Atlético estava jogando contra o Água Verde, quando o zagueiro Tião se machucou. O técnico Alfredo Ramos determinou ao volante Nair que ele fosse jogar mais atrás. Por deliberação própria, Gottardi falou para Nair continuar no meio e foi ele mesmo para a zaga, por considerar que sua altura faria a diferença em favor do Atlético.

Depois disso, e dos apelos do técnico para que jogasse como zagueiro, Alfredo mudou de função. Foram meses de treinamento específico para a posição. Aprendeu a marcar, a cobrir, a cabecear, a se antecipar. A dedicação valeu a pena. Alfredo se tornou um dos maiores nomes da posição. Jogou ao lado do bicampeão mundial Bellini e com ele aprendeu muito.

Por conta da sua personalidade, em 1964, ano em que subiria ao time principal, desentendeu-se com o técnico Geraldo Damasceno, o “Geraldino”. Sem chances de se firmar como titular no Atlético foi parar no Coritiba, para desespero de seu pai, “Caju” que não conseguiu demover o filho da inusitada idéia de defender os “coxas”. Por fim, a opinião da mãe foi a mais decisiva, pois ela temia que o período parado pudesse atrapalhar a carreira de Alfredo.

Alfredo ficou por lá durante dois anos, até voltar ao seu verdadeiro lar. Quando criança, ajudava o tio e o pai a cuidarem do gramado da “Baixada”, preparando o terreno para os jogos. Portanto, não fazia sentido em jogar com outra camisa que não a rubro-negra. Jogou ainda no São Paulo e no México, onde ficou por dois anos, tendo defendido o Atlas e o Vera Cruz. Voltou em 1979 para encerrar a carreira no clube do coração. Ao deixar de jogar, foi convidado para ser técnico do Atlético e livrou o time do “Torneio da Morte”, do Campeonato Paranaense.

Alfredo tinha um estilo de jogo particular, que chegava a assustar os torcedores mais afoitos. Tinha o costume de matar a bola no peito e sair jogando. E em algumas ocasiões, o adversário lhe roubava a bola, quase chegando a fazer o gol. Uma vez, num clássico “Atletiba”, ele fez uma dessas, e o jogador “coxa” roubou a bola dele na grande área, driblou o goleiro Altevir e foi até linha de fundo, tocando para dentro do gol. Nisso, Alfredo veio na corrida e ainda conseguiu tirar a bola, praticamente de dentro do gol.

O outro filho de “Caju”, Celso Gottardi, que ganhou o apelido de “Cajuzinho” jogou como goleiro do Atlético no anos 60. Não foi um mau goleiro, mas a sombra do pai acabou por fazer com que ele não desse continuidade à carreira.

O grande ídolo “Caju” fez parte em 1949 do folclórico time atleticano que ganhou o apelido de “Furacão”. Na noite de 20 de fevereiro de 2008 a torcida atleticana fez uma bonita homenagem aos jogadores do passado que fizeram parte do elenco de 1949. Os mais festejados foram o goleiro “Caju” e o ponta esquerda Cireno, que ganharam versões adaptadas de famosas músicas da torcida para homenagear seus ídolos. Sob o coro de “é o melhor goleiro do Brasil“, os atleticanos lembraram com emoção a figura de “Caju”, o maior ídolo da história do clube, falecido em 2001.

Já Cireno Brandalise, que estava presente na festa que reuniu duas gerações do “Furacão” pode ver a bonita homenagem feita pela torcida, que em coro gritou: “ê ô, ê ô, o Cireno é o terror!”. Além deles, todos os demais titulares do super-time do Atlético de 1949 foram lembrados pelos mais de 15 mil atleticanos presentes no jogo contra o Cianorte, pelo Estadual: Laio - Nilo (Délcio) e Waldomiro – Waldir - Wilson e Sanguinetti – Viana – Rui – Neno - Jackson e Cireno.

Alfredo Gottardi, o “Caju” morreu em Curitiba no dia 24 de abril de 2001, aos 85 anos de idade. Seu corpo foi velado no Salão de Honra da Arena da Baixada e sepultado no cemitério Água Verde, na capital paranaense. “Caju” ficará para sempre lembrado no clube rubro-negro. Com todo o merecimento, hoje dá nome ao Centro de Treinamento do Atlético, considerado um dos mais modernos da América do Sul, inaugurado em 1999 e que é popularmente conhecido como “CT do Caju”.

O Centro de Treinamento começou a ser construído em 1996. Nesse ano, o clube adquiriu o terreno, que até então, era utilizado por um hotel fazenda. Várias obras foram realizadas no local, sendo a última em 2006. A área total do terreno é de 220.000 m². (Pesquisa: Nilo Dias)

Caju em 1944. (Foto: Acervo do C.|A. Paranaense)

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