Vez por outra alguém lembra de indagar sobre como surgiu o termo “drible da vaca”, que denomina uma das jogadas mais bonitas do futebol. Ontem (4) a tarde ouvindo o jogo entre Linense X Osasco, pela Copa São Paulo de Futebol Júnior aconteceu o famoso lance, que originou comentários de parte do narrador e do comentarista do Canal 38 do Sportv.
A jogada também é conhecida por “meia-lua” e “gaúcha”, e sua origem remonta aos primórdios do futebol brasileiro, quando os primeiros campos eram improvisados em locais de pastagem. Era, pois, comum o jogador ter que driblar, não apenas o adversário, mas também a vaca que porventura entrasse nas quatro linhas à procura de grama para comer. O drible da vaca se caracteriza quando o jogador passa a bola por um lado do jogador adversário e vai pelo outro e consegue recuperá-la.
Nos tempos mais modernos a jogada se popularizou graças ao fenomenal ”Mané Garrincha”, que dentro da sua simplicidade de falar, contava que lá na sua terra natal, Pau Grande, no Estado do Rio de Janeiro perdeu a conta das vezes em que teve de driblar vacas, nos improvisados campos abertos de futebol, onde se misturavam os animais e os jogadores.
E isso não é nenhuma novidade. No primeiro jogo de futebol, de forma organizada que se tem notícia no país, disputado na manhã de 14 de abril de 1895, na Várzea do Carmo, no Brás, em São Paulo, entre os funcionários da Companhia de Gás de São Paulo (Gas Company of São Paulo) e da Companhia Ferroviária de São Paulo (São Paulo Railway Company), vencido pelo time da ferrovia por 4 X 2, burros a todo momento entravam no gramado para pastar. Se alguém naquele dia tivesse que driblar um burro, e a imaginação funcionasse, talvez hoje a jogada tivesse outro nome, em vez de “drible da vaca”, “drible do burro”.
Para alguns jornalistas o ex-jogador do Cruzeiro, de Belo Horizonte, Corinthians Paulista e Santo André, Eduardo Amorim, teria sido o inventor da jogada, o que não é verdade. Em quase todos os jogos ele buscava concretizar o lance. Os torcedores entravam em delírio quando Eduardo Amorim, de frente para o adversário lançava a bola pelo lado direito dele e corria na direção do esquerdo. Dava a volta no sujeito, pegava a bola do outro lado e avançava célere rumo ao gol. A imprensa mineira, por isso o apelidou de “Eduardo Rabo de Vaca”.
Eduardo, apesar de ter sido um expert em termos de “drible da vaca“, não foi um daqueles jogadores que se poderia chamar de craque. Ele até viveu um grande momento nos anos 70 e foi convocado uma vez para a Seleção Brasileira. Seu único jogo com a “amarelinha” foi num amistoso contra o Milan, na Itália. O Brasil venceu por 3 X 0.
Existem vários tipos de dribles, alguns até mais bonitos e difíceis que o da “vaca”, mas nenhum teve e tem a sua popularidade. O “drible da vaca” mais famoso que se tem noticia, foi aquele que Pelé aplicou em Mazurkievicz, goleiro do Uruguai, na Copa do Mundo de 1970, no México. Foi um “drible” com requinte especial, Pelé nem tocou na bola, enganou o goleiro com uma ginga de corpo e chutou. Pena que essa verdadeira “obra prima” não tenha sido transformada em gol. Caprichosa e injustamente, a bola se perdeu rente à trave. O lance é lembrado até hoje e costuma provocar assombro em quem o revê na TV.
Outra magistral execução do “drible da vaca” foi feita por Dener, morto em acidente automobilístico em 1994, aos 23 anos. Em 1991, no seu primeiro ano como jogador profissional, jogando pela Portuguesa de Desportos humilhou toda a defesa da Internacional de Limeira (SP), em um jogo pelo Campeonato Paulista.
Ele recebeu a bola no meio-campo. Sem muito esforço, foi tirando um a um de seu caminho até encarar o último zagueiro. Aplicou-lhe um “drible da vaca” e então só sobrou o goleiro, que resolveu sair como um maluco na sua frente. Dener tocou por cobertura, e marcou um golaço.
A última lembrança de um gol assinalado após um “drible da vaca” foi do atacante Leandro Damião do Internacional, de Porto Alegre, no primeiro jogo da decisão da Copa Libertadores da América, ano passado no México. Ele recebeu a bola no meio do campo, deu o “drible da vaca” no zagueiro, deixando-o para trás e arrancou em grande velocidade. Entrou na área e bateu forte na bola. Ela ainda desviou, pela violência do chute e tentativa de defesa do goleiro, mas morreu no fundo da rede.
A vaca também tem seu nome ligado à premiação dada aos jogadores de futebol. Um dos primeiros clubes a premiar seus atletas foi o Vasco da Gama, do Rio de Janeiro. E como o carioca sempre se destacou pela criatividade, misturou futebol e jogo do bicho. Até o ano de 1920, os jogadores recebiam doações vindas de arrecadações voluntárias. Se o montante conseguido fosse cinco mil réis, por exemplo, o “bicho” era o cachorro. Agora, para conseguir 25 mil réis, correspondente ao grupo da vaca, não era fácil. Tinha que ter muita gente colocando a mão no bolso.
Era, então, necessário “fazer uma vaca”, no sentido de arrecadar mais dinheiro. E virou “fazer uma vaquinha”, pelo costume brasileiro de privilegiar o diminutivo. E não demorou para que a expressão se espalhasse e viesse a designar também outras coisas fora do futebol. Por exemplo, para ajudar alguém em necessidade, é comum se fazer “uma vaquinha”.
Depois que o futebol se profissionalizou, o “bicho” saiu da clandestinidade e tornou-se prêmio adicional dado aos jogadores, quando de vitórias importantes e títulos conquistados.
Por fim, a pergunta: quem denominou a jogada de “drible da vaca” e quem foi o primeiro a realizá-la? Não tem resposta. O termo se perde no tempo e certamente veio da inspiração popular, dos próprios “peladeiros” que se divertiam em campos abertos de futebol, dividindo-os com vacas e outros animais. E acabou se espalhando por todo o país e até fora dele.
Eu mesmo, quando de pesquisa em jornais para um livro que estou escrevendo sobre o futebol de São Gabriel (RS), encontrei citação ao lance, em jornais de 1931. Isso, sem falar que nos meus tempos de "guri", lá no Sul dei e levei muito "drible da vaca". Então, é impossível se determinar quem batizou a jogada com tão curioso nome. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Bacana sua pesquisa!!! Adoreiiiii!!!!
ResponderExcluirBom dia Nilo: Sou jornalista e escrevosemanalmente no Jornl do Povo de Cchoeira do Sul. E-mail paulosanmartin06@yahoo.com.br. Teu texto me serviu bastante para uma pesquisa que estou fazendo no sentido de provar que "dribe da vaca" na verdade não existe. O que existe é a "meia lua" e o drible "rabo de vaca", que são coisas distintas mas a imprensa gerlmente confunde. Tu estás certo, foi o Eduardo quem inventou o "rabo de vaca" mas quem fazia com maestria e habilidade era o Romário (uma década depois): com o lado interno do pé direito Romário ameaçava dar um passe lateral mas rapidamente, no mesmo toque, mudava a direção da bola para que ficasse a feição de sua perna esquerda. Muitas vezes resultava em gol. Eu lembro muito bem pois jogava modestamente meu futebollde salão e ensaiava este drible. Um abraço. Volto a concluir mais tarde.
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