O jornalista riograndino, Willy César através de um minucioso trabalho de pesquisa, conta toda a verdade sobre a polêmica história da "Taça Serrada", que está exposta metade na sede do S.C. São Paulo, metade na sede do S.C. Rio Grande.
O assunto já foi tratado neste blog, mas com falhas que agora são esclarecidas. Mesmo passados 70 anos, o acontecimento traz ainda repercussão, inclusive nacional. Recentemente a revista do canal televisivo "ESPN Brasil" publicou matéria a esse respeito, com as fotos que estão inseridas abaixo, e que foram tiradas pelo jornalista Willy César, a quem o colunista titular deste blog, agradece pela valiosa colaboração prestada.
A incrível história da taça serrada
Por Willy Cesar
Jornalista, autor do livro "Um século de futebol popular – A história do Sport Club São Paulo", a ser publicado neste ano de 2011.
Afinal, porque razão o Sport Club São Paulo e o Sport Club Rio Grande tem cada um, em seu acervo de troféus, uma taça cortada ao meio, referente a um torneio jogado em 1940?
Em 2010, quanto perguntamos a pessoas da rua, na cidade do Rio Grande, a resposta é: “o torneio terminou empatado depois de sucessivas partidas e cobranças de pênaltis, sem que se chegasse a um resultado. Então a taça foi dividida entre os dois clubes por uma decisão do árbitro da última partida”. É, também, o que está escrito no site oficial do S.C. São Paulo, na internet.
Setenta anos depois que o São Paulo entregou a metade ao Rio Grande, a história da taça dividida ainda repercute e gera controvérsias. Voltemos ao início desse incrível episódio do futebol rio-grandino, para entendermos melhor o que se passou.
A hegemonia do esporte das multidões estava com o Foot Ball Club Rio-Grandense no final da década de 1930. Os clubes, "Caturrita" (São Paulo) e "Veterano" (Rio Grande) não conseguiam ganhar o campeonato da cidade, e o "Guri Teimoso" (Rio-Grandense) é que seguia sempre para as disputas do Campeonato Estadual de Profissionais (o "Gauchão" de hoje). Em 1938, o Rio-Grandense foi vice-campeão, mas em 1939, arrebatou o título estadual. Quanto aos títulos da cidade, desde 1937, a vitória era colorada.
Que fizeram os dois antigos rivais? Uniram-se para tentar derrubar a invencibilidade do "Guri Teimoso". Surgiu então o "Eixo Rio Grande-São Paulo", isto é, uma união informal extra-campo. Essa expressão nos remetia ao eixo Berlim-Roma-Tóquio, formado antes do início da Segunda Guerra Mundial. O "eixo" dos clubes de Rio Grande apareceu na imprensa por pouco mais de um ano, porque a expressão se tornou politicamente incorreta, quando Alemanha, Itália e Japão mostraram a cara da guerra de conquista, a partir de setembro de 1939.
A expressão foi suprimida, mas a amizade entre "Veteranos" e "Paulistas" continuou. Era evidente que isso incomodava ao Rio-Grandense, mas os três times continuavam jogando entre si. Até que surgiu um rompimento, quando o Rio Grande não compareceu a um jogo contra o Rio-Grandense marcado pela Associação Rio-Grandina de Futebol (ARGF). Na mesma data e hora, o "Veterano" estava em campo, mas para jogar a decisão de um outro torneio com o seu companheiro do eixo. "Que desaforo!", protestaram os "Colorados". Rio Grande e São Paulo romperam com o Rio-Grandense, se afastaram do campeonato e foram punidos com multas pela ARGF.
Resultado: sem os dois amigos do "eixo", o campeonato da cidade perdeu o interesse e ninguém mais foi assistir partidas sem graça. Esses incidentes aconteceram em maio de 1940 e por dois meses, os estádios ficaram às moscas.
A Federação Rio-grandense de Futebol (atual Federação Gaúcha) promoveu uma reconciliação entre os clubes, para salvar as rendas do futebol. A ata da pacificação foi assinada em 25 de julho de 1940, na capital do Estado, pelo presidente da Federação, Cícero Ahrends, e representantes dos clubes. A amizade entre Saõ Paulo e Rio Grande era de tal ordem, que o presidente veterano, J.J. Oliveira Cardoso, foi quem assinou a ata pelo clube caturrita. Nesse documento, as multas aplicadas aos clubes do "eixo" foram anuladas, ficando estabelecido que o campeonato da cidade continuaria, e que haveria um torneio de confraternização entre os três clubes.
A Federação ofereceu a taça para o torneio, que seria disputado em apenas três partidas, por contagem de pontos, em campo neutro, saindo daí o campeão. O calendário foi publicado na ata: 28 de julho, no campo do "Veterano", jogaram São Paulo 4 x 1 Rio-Grandense; 4 de agosto, no campo do Rio-Grandense, Rio Grande 1 x 1 São Paulo; e em 11 de agosto, na "Linha do Parque", Rio Grande 2 x 4 Rio-Grandense.
O torneio foi vencido pelo São Paulo, com três pontos; seguido pelo Rio-Grandense, com dois pontos, e em último, o Rio Grande, com um ponto. A pergunta agora é: qual a necessidade de se jogar outras partidas e/ou recorrer a pênaltis, se houve um vencedor?
O jornal "Rio Grande", de 12 de agosto de 1940, ao fazer a cobertura da terceira e última partida do "torneio da paz", anunciou em sub-título, na página 3:
"São Paulo conquistou a Taça Confraternização"
E no dia 21 de outubro de 1940, voltou a informar que a taça inteirinha fora entregue ao São Paulo, na véspera, no estádio da "Linha do Parque", onde o prefeito de Rio Grande, Roque Aíta Júnior, discursou em homenagem ao campeão do torneio e à pacificação do nosso futebol. No corpo da taça está escrito:
Taça Confraternização
Oferecida pela FRGD
Vencedor S.C. São Paulo
1940
Dois meses depois, a direção do São Paulo decidiu, por sua livre e espontânea vontade, que metade da troféu seria entregue ao seu "arqui-amigo" Rio Grande. Para fazer isso, foi preciso levar o artefato de metal às oficinas da Viação Férrea, onde uma serra elétrica dividiu-a em duas partes iguais, fixando-as sobre bases em madeira. A metade que foi entregue ao clube irmão recebeu a mesma gravação da outra parte, no copo, e uma plaqueta de metal em oferecimuento, onde se lê:
Sport Club São Paulo
ao
Sport Club Rio Grande
A entrega foi feita pela diretoria do São Paulo, na sede do Rio Grande, em 26 de dezembro de 1940. A amizade dos antigos companheiros do "eixo" foi a única razão para o gesto incomum. A decisão tornou esse fato único na história do futebol, até hoje não reproduzido na literatura brasileira sobre o assunto.
É aqui que começa a lenda. Décadas depois, ninguém se lembrava que a motivação foi assim tão simples e singela. A partir dos anos 1960, a imprensa de Rio Grande e da capital, começou a publicar a historinha da taça cortada ao meio, após entrevistar dirigentes dos clubes e esportistas da época. Nota-se que esses se socorreram da linguagem do futebol e de suas práticas, que prevêem partidas extras, ou até a decisão por pênaltis, para se chegar a um vencedor de um torneio. Como a taça fora dividida, “só poderia ter sido por empate”.
Ao agir dessa forma, criaram uma ficção. Teriam resolvido a questão satisfatoriamente se tivessem visitado o acervo da "Bibliotheca Rio-Grandense", e pesquisado nos jornais de 1940. A verdade sempre esteve ali, como ainda está, dormindo nas páginas da história do nosso futebol mais que centenário.
Essa é mais uma lenda urbana, de tantas que ocupam o seu lugar na história. Como toda a lenda é mais atraente e espetacular do que a realidade, e também tem a sua força, é certo que ela continuará a ser reproduzida pelas pessoas na rua. Espero que não mais pela imprensa, que tem a obrigação de informar corretamente à comunidade. A missão do jornalista é estabelecer a verdade. Viva o futebol rio-grandino!
Parte do S.C. Rio Grande.
Parte do S.C. São Paulo.
Prezadíssimo Nilo Dias. Através do Papareia cheguei no teu blog. Parabéns. Estamos envelhecendo, mas tem este lado bom, que é recordar o passado, exercitando a memória, e como no teu caso, repassando para as novas gerações. Ontem mesmo estive com o Célinho, agora escritor. Hoje visitarei o Cicica que ainda trabalha no AGORA.
ResponderExcluirO JJ de Olveira Cardoso citado era meu pai. Ele dizia que bons tempos no futebol eram aqueles que se comprava juiz com um casal de canários. Abraços na Terezinha e na prole. Claudio Renato Cardoso.
Pena que o amigo Reanato não tenha colocado seu e-mail para entarmos em contato, o que seria muito bom.
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