Em 1958, quando o Brasil conquistou pela primeira vez o título mundial de futebol eu tinha 17 anos, estava na flor da idade. No final do ano deixamos Dom Pedrito, minha terra natal para irmos morar em Pelotas, onde meu pai encontrou melhores condições para trabalhar. E foi nesse ano de 1958 que surgiu na Rádio Gaúcha, de Porto Alegre o programa humorístico “Campeonato em Três Tempos”, baseado no programa “Miss Campeonato”, da Rádio Mayrink Veiga, do Rio de Janeiro. Produzido e apresentado por Carlos Nobre, tinha como tema o cenário esportivo gaúcho retratado de maneira caricaturada.
Naqueles tempos não havia televisão. O rádio era o grande meio de comunicação. Eu lembro que na minha casa, principalmente à noite, era costume a família reunir-se em volta de um grande aparelho de rádio, com enormes válvulas para escutar as novelas da Rádio Farroupilha. E nos domingos a noite tinha o “Grande Teatro Farroupilha” e o “Grande Rodeio Coringa”. Imperdíveis. Também se ouvia as rádios do Rio e São Paulo. Não esquecendo as emissoras locais e suas apreciadas dedicatórias.
Carlos Nobre criou um personagem para cada clube participante do Campeonato Gaúcho, além da “Miss Copa”, interpretada por Leonor de Souza, cujas atenções eram o prêmio disputado ardorosamente pelos clubes. Havia o “Greminho”, interpretado pelo próprio Carlos Nobre. Fábio Silveira era o “Colorado”. Os dois se constituíam como os mais fortes pretendentes a conseguir chegar ao casamento com “Miss Copa”.
De todos os participantes do programa, apenas o “Zequinha”, que primeiro foi interpretado por Eleu Salvador e depois por José Fontes, procurava resistir às investidas de “Miss Copa”. Isso por sua origem bendita, do Esporte Clube São José. Ficou famoso o bordão “Afasta-te, pecadora”.
Os tipos criados por Carlos Nobre exploravam características estereotipadas de cada clube ou da sua cidade de origem: Walter Ferreira vivia o gringo do Flamengo, de Caxias do Sul; Ismael Fabião, o algo afetado “Doutor Pelotas”, representante do Esporte Clube Pelotas; Pepê Hornes fazia o cheio de referências militares, representante do Grêmio Atlético Farroupilha, também de Pelotas; Gerson Luiz era o índio “Botocudão”, do Clube Esportivo Aimoré, de São Leopoldo e Dimas Costa, o “Gauchão” grosso do Guarany Futebol Clube, de Bagé.
Mas algumas situações não eram bem aceitas por todos. Por exemplo, o personagem que encarnava o E.C. Pelotas, o “Doutor Pelotas’, gerava protestos de lideranças políticas e até religiosas do município. Foi quando Carlos Nobre resolveu transformar o “Doutor Pelotas” num tipo másculo, promovendo um diálogo jocoso com “Miss Copa”.
Mas isso não se tornou praxe, foi num só programa. “Miss Copa” perguntava: “Mas, “Doutor Pelotas”, o que é isso?” E ele respondia, com voz grossa e gritando muito: “Não tem conversa, não! Não tem conversa! Agora vai ser assim”. E o diálogo foi se processando. No fim, houve uma pausa e a “Miss Copa” respirou: “Como é, “Doutor Pelotas”, mas o que houve?” E ele olhou e falou com voz em falsete: “Ah, cansei!”.
No término do campeonato havia o casamento do campeão com a “Miss Copa”, o que motivava a apresentação de um programa especial, geralmente em algum cinema da cidade. Em dezembro de 1961, para comemorar o título que acabou com uma hegemonia de cinco anos do Grêmio, o programa foi apresentado no Cinema Castelo. Além do elenco do “Campeonato em Três Tempos”, compareceram torcidas organizadas, jogadores e o presidente do campeão Sport Club Internacional.
José Evaristo Villalobos Júnior, o Carlos Nobre, nasceu na cidade de Guaíba, região metropolitana de Porto Alegre, em 7 de abril de 1929. Iniciou a carreira de radialista cantando seresta. Em 1954, já na Rádio Gaúcha, começou a levar ao público seu humor no programa "Jogo Bruto", que deu origem ao “Campeonato em Três Tempos”, pela simples mudança de nome. Um pouco antes de enveredar pelo humor e fugindo às proibições maternas, José Evaristo Villalobos Júnior adotou o pseudônimo Carlos Nobre, o mesmo escolhido por Nomar Nobre Chatelain, então intérprete conhecido no Rio de Janeiro, onde, com freqüência, apresentava-se no rádio, em especial no Programa Paulo Gracindo, da Nacional.
Ele chegou a escrever e interpretar nove programas por semana. O espaço nos estúdios da rádio era pequeno para o sucesso de público e de audiência. Nesta época, Carlos Nobre ingressava também nos jornais, através da coluna "Muro das Lamentações", que tinha no jornal “A Hora”. Em 62, passou a escrever na “Última Hora” e em 64 na “Zero Hora”.
Em 68, com o fim do programa “Campeonato Em Três Tempos”, Carlos Nobre passou quatro meses no centro do país, atuando em programas da TV Excelsior. Primeiro em São Paulo, no programa "Humor 62" dirigido por Procópio Ferreira e, em seguida, no Rio de Janeiro no "Times Square". Quando voltou para o Rio Grande Sul, passou a trabalhar para o Grupo Caldas Júnior, escrevendo para a “Folha da Tarde” e voltando a fazer na Rádio Guaíba, o programa “Jogo Bruto”. Em 1975, Nobre retornou à Rádio Gaúcha onde iniciou sua carreira, atuando novamente no rádio e no jornal.
No dia 16 de dezembro de 1985, faleceu aos 56 anos, vítima de uma parada cardíaca. Seu corpo foi velado na Assembléia Legislativa do Estado onde estavam presentes a viúva, Virgínia Vargas Villa Lobos, e seus dois filhos, José Evaristo e Marco Antonio. Além da família, centenas de amigos, colegas de profissão, intelectuais, políticos e boêmios da noite porto-alegrense compareceram para reverenciar o talento e o humor dos trabalhos de Carlos Nobre. Em 1970, em tom de sátira, ele criou um epitáfio para o túmulo dos humoristas: “Aqui jaz uma gargalhada cercada de choro por todos os lados”.
Hoje, existe um museu em Guaíba só para reverenciar a figura de Carlos Nobre. O Museu Municipal Carlos Nobre foi inaugurado em 10 de setembro de 1992, com documentos e fotografias pessoais do humorista. Depois é que a comunidade doou objetos e documentos referentes à história de Guaíba e também objetos doados pela viúva e filhos de Carlos Nobre e documentos coletados pelas funcionárias do museu. O acervo é composto por 400 códices antigos, 400 objetos, 6.700 fotografias e 100 obras artísticas, entre elas: mobiliário, medalhas, utensílios domésticos e roupas.
O prédio que abriga o museu foi construído em 1908. Serviu de residência, passando a abrigar um hotel, mas a partir da década de 1940 abrigou a Intendência Municipal e em 1988, a Prefeitura Municipal de Guaíba.
Carlos Nobre era um exímio criador de frases criticas. Eis algumas: “Lamentável a policia. Acredita que a imprensa tem este nome justamente para ser imprensada”. (ZH – 1966); “Foi criado no Brasil um grupo de trabalho para investigar, porque os grupos de trabalho não trabalham?” (ZH – 1982); “Se Deus é brasileiro, acho que ele nos deve uma explicação”; ‘Se Deus fosse um burocrata brasileiro, até hoje a criação do mundo estaria só no papel”; “Soldado de Israel não avança – investe” e “O que me grila nos debates políticos da televisão é que cada candidato me convence a não votar no outro”. (Pesquisa: Nilo Dias)
Fábio Silveira e Carlos Nobre, início dos anos 60. (Foto: Acervo da Rádio Gaúcha, de Porto Alegre).
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