Morreu no último sábado, 31/12/2011, na cidade de Santos, onde residia, o último remanescente do time do Santos F.C., que conquistou o primeiro campeonato paulista para o clube, no distante ano de 1935. Mário Pereira tinha 97 anos de idade e na sua época de jogador era conhecido como “Perigo Loiro” por causa dos longos cabelos que já não possuia mais. A causa da morte não foi revelada.O corpo foi velado no Memorial Ecrópole Ecumênica, próximo ao estádio da Vila Belmiro.
Mário Pereira, que tinha 21 anos de idade, era titular absoluto da equipe que bateu o Corinthians no Parque São Jorge, por 2 X 0, gols de Araken Patusca e Raul Cabral Guedes, no jogo final, disputado no estádio de Parque São Jorge, que deu ao Santos o seu primeiro título de expressão. Hoje o clube soma 19 títulos estaduais.
Ele nasceu em Santos, no dia 4 de abril de 1914, dois anos após a fundação do alvinegro. Foi um meia-direita tão eficiente no ataque como na defesa, que marcou 24 gols nos 41 jogos que fez pelo Santos, média de 0,58 por jogo. Mário teve a carreira abreviada por uma grave lesão. Marcado às vezes com violência, teve a infelicidade de quebrar o joelho esquerdo em 1938, com apenas 24 anos, e ser obrigado a abandonar a carreira. “Nem me lembro quem foi. Só sei que entrou por trás e me quebrou aqui”, dizia ele, mostrando a cicatriz que já tinha 73 anos.
A última aparição pública de Mário Pereira foi em janeiro de 2011, no Memorial das Conquistas do Santos. Ao lado do Rei Pelé, o campeão paulista de 35 tirou fotos, distribuiu autógrafos e posou com a bola da competição que venceu sobre o Corinthians. O Santos estudava escalar o ex-meio-campista para uma série de ações referentes à celebração do centenário da equipe que será celebrado neste ano de 2012. Em 2004, como forma de homenagem, a equipe inaugurou um camarote com o nome do ídolo falecido neste sábado.
Ele adorava a cidade onde nasceu, foi criado e passou toda a vida. Nunca pensou em morar em outro lugar. Quando lhe perguntavam o que aconteceria se jogasse hoje e recebesse uma proposta milionária de um clube europeu, respondia apressadamente: “Não aceitaria nenhuma proposta para sair daqui. Aqui é a minha cidade, minha terra”, dizia sorrindo. Torcedor fanático do Santos, acompanhava todos os jogos do time pelo “pay per view”. Como ficava muito nervoso, colocava as mãos e os pés em bacias d’água, para se acalmar.
Antes de 1935 o Santos teve um período, mais especificamente de 1927 a 1931, em que foi um dos melhores times do país e poderia, naturalmente, ter sido campeão paulista em mais de uma temporada. Porém, vários fatores contribuíram para que isso não acontecesse. O Santos não só foi prejudicado pelo poder do futebol paulista, como pela intransigência de seus próprios dirigentes. Mário Pereira guardava certa bronca de um árbitro chamado Artur Cidrim, que segundo ele, beneficiava principalmente o Corinthians, que tinha “dirigentes dentro da liga” e “já era o time de maior torcida na época.
O ano de 1935 não começou bem para o Santos, que perdeu os dois primeiros amistosos que fez: 3 X 2 para o São Paulo e 1 X 0 para a Portuguesa de Desportos, ambos na Vila Belmiro. Como o Campeonato Paulista demoraria a começar, deu tempo para o time se redimir, com vitórias sobre Corinthians, por 3 X 2, São Cristóvão, 2 X 1 e Espanha, 10 X 1.
Deu até para aceitar um convite para uma excursão ao Rio Grande do Sul, de 12 a 26 de maio, quando venceu o Novo Hamburgo por 4 X 2 e Riograndense (Porto Alegre), 4 X 3, empate em 1 X 1 com o Internacional e derrotas para o Grêmio por 3 X 2 e Seleção Gaúcha, também por 3 X 2.
Uma excursão como essa, naqueles tempos de poucas viagens, era tudo que os jogadores queriam. Só que chegaram a Santos no dia 29 de maio e descobriram que a tabela marcava para o dia 2 a estréia contra o Palestra, que era o atual campeão paulista.
Logo de cara, um jogo decisivo, pois se o time tinha alguma pretensão de brigar pelas primeiras posições, deveria vencer o Palestra na Vila. No segundo turno o jogo seria no Parque Antártica e a dificuldade seria bem maior. Sabendo disso e lutando como nunca, o Santos venceu por 1 X 0, gol do centroavante Raul.
A vitória sobre um dos favoritos ao título animou os santistas, que em seguida venceram também o Espanha, no campo do Macuco, por 2 X 0, e o Paulista, da Capital, no Parque Antártica, por 5 X 1. No quarto jogo veio a derrota para o Corinthians, na Vila Belmiro, por 2 X 1. Mas o time se aprumou de novo e venceu a Portuguesa Santista, na Vila Belmiro, 3 X 1 e o Juventus, na Capital, 4 X 1. Nesta última partida, a que encerrou o primeiro turno, o time ganhou o reforço de Araken, que voltava ao Santos.
Na estréia do segundo turno, outro confronto com o Palestra, desta vez no Parque Antártica. Jogo tenso, difícil, que terminou sem gols. Depois, uma goleada no Espanha, na Vila, 4 X 1 e outra no Paulista, 5 X 2, também em casa. Mas a Portuguesa Santista complicou as coisas em Ulrico Mursa, empatando em 3 X 3. O time depois teve de vencer o Juventus em nervosos 2 X 1, na Vila. Na última partida, frente o Corinthians, no Parque São Jorge, o time precisava apenas de um empate para ser campeão.
Bilu, o técnico santista, temia que a emoção traísse seus jogadores, ou que o árbitro, Heitor Marcelino Domingues, pudesse puxar a sardinha para os times da Capital. O Corinthians não tinha chance de ser campeão, mas sua vitória daria o título ao Palestra Itália, mesmo clube que venceu o Santos na Vila Belmiro, em 1927, quando o empate bastaria para que a taça ficasse em Santos.
Bilu, que jogou a decisão de 1927 como zagueiro, jamais escondeu a mágoa pela forma com que o campeonato lhe tinha sido tirado, com uma atuação parcial e cínica do árbitro Antonio Molinaro. Naquele 17 de novembro, no Parque São Jorge, finalmente Bilu teria a chance de, por linhas tortas, saborear sua vingança.
A boa torcida que subiu de trem para São Paulo fez o time se sentir à vontade, mesmo no campo do rival. Um grupo de torcedores do Santos que trabalhava na estiva do Porto, cansados de ver o time ser prejudicado pela arbitragem em jogos decisivos, levou galões de gasolina para o estádio do Corinthians. Se o Santos fosse roubado mais uma vez, prometiam colocar fogo na Fazendinha. Mas não precisaram chegar a tal extremo. Jogando melhor, o Santos venceu por 2 X 0.
O título ficou mesmo com o melhor do campeonato. Em 12 jogos foram 9 vitórias, 2 empates, uma derrota, 32 gols marcados, 12 sofridos e saldo de 20 gols. Mário Pereira fez cinco gols na competição. O São Paulo faliu, nem disputou o campeonato, foi refundado no mesmo ano e voltou á Liga Paulista em 1936. O Palestra perdeu alguns jogadores para o Fluminense (RJ),como o meia Romeu Pelicciari. O Corinthians, depois de fazer um primeiro turno impecável, perdeu um jogo atrás do outro no segundo. O Santos não tinha nada com isso, e foi campeão.
Ficha Técnica do jogo que deu o primeiro título estadual ao Santos:
Corinthians 0 X 2 Santos
Data: 17 de novembro de 1935, domingo à tarde.
Local: Parque São Jorge
Gols: Raul aos 36 minutos do primeiro tempo; Araken aos 17 do segundo.
Árbitro: Heitor Marcelino Domingues.
Público: 15.000 pagantes.
Corinthians: José - Jaú e Carlos – Brito - Brandão e Munhoz – Teixeira – Carlito – Teleco - Alberto e De Maria. Técnico: José Foquer.
Santos: Cyro - Neves e Agostinho – Ferreira - Martelete e Jango – Sacy - Mário Pereira – Raul - Araken e Junqueira. Técnico: Bilu.
Em 2005, quando da comemoração dos 93 anos do Santos F.C., um dos momentos mais emocionantes, foi quando o presidente, na época, Marcelo Teixeira pediu uma salva de palmas para Mário Pereira, até então o único ex-jogador ainda vivo campeão paulista de 1935. Todos os convidados o aplaudiram de pé. (Pesquisa: Nilo Dias)
Time do Santos, campeão paulista de 1935, com Mário Pereira.
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