No futebol brasileiro foram vários os jogadores que chamaram a atenção mais pelo perfil folclórico, do que mesmo pelo futebol apresentado. Talvez o mais famoso deles tenha sido João Batista de Sales, o “Fio Maravilha”, mineiro de Conselheiro Pena, onde nasceu no dia 19 de janeiro de 1945.
“Fio” começou a carreira futebolística no Flamengo, aonde chegou aos 15 anos de idade, levado pelo irmão Germano, ex ponta esquerda do próprio clube da Gávea (1958/1962), Milan da Itália (1962/1964) e Palmeiras (1965/1966). Michila, que também era irmão de Germano foi outro que jogou no Flamengo.
Germano, que estava muito gordo morreu de infarto aos 55 anos, no dia 1 de outubro de 1997, em sua cidade natal, Conselheiro Pena, onde era fazendeiro. Lá vivia com a esposa do segundo casamento, dona Bernardina Ilida Ferreira, e mais dois filhos.
O primeiro jogo de “Fio” com a camisa rubro-negra foi no dia 21 de abril de 1965, quando o Flamengo foi derrotado pelo Bahia por 3 X 0. O técnico rubro-negro era Válter Miraglia. “Fio” jogou no Flamengo de 1965 a 1973, tendo marcado 79 gols em 288 partidas.
O apelido de "Fio Maravilha", ganhou após marcar o gol da vitória de 1 X 0 em um jogo amistoso contra o Benfica, de Portugal, disputado em 15 de janeiro de 1972, no Maracanã. O jogo estava empatado em 0 X 0 e a torcida do Flamengo pedia que o técnico Zagallo colocasse “Fio Maravilha”, então no banco de reservas e favorito a figurar no próximo listão de dispensas. O pedido da torcida foi atendido e “Fio” entrou no lugar de Arilson.
Aos 33 minutos do 2° tempo, ele construiu a obra-prima que inspirou Jorge Bem, ainda sem o Jor acrescido ao seu nome artístico. Driblou dois zagueiros, venceu o goleiro José Henrique e deu a vitória ao Flamengo com um gol sensacional que mereceu, ao final da partida, o seguinte comentário de Zagallo: “Fio só entrou porque Arilson sentiu o joelho, mas a verdade é que me surpreendeu. Não posso pensar em dispensar um jogador que faz um gol desses”.
Apaixonado torcedor do Flamengo estava no estádio o cantor e compositor Jorge Ben, que descreveu em versos a jogada: “Tabelou, driblou dois zagueiros / Deu um toque, driblou o goleiro / Só não entrou com bola e tudo porque teve humildade”.
Defendida por Maria Alcina, a música ganhou o Festival Internacional da Canção de 1972 e virou clássico da MPB. Assim que Jorge Bem ficou sabendo da ação que o advogado de “Fio” movia contra ele, por conta própria, magoado, passou a cantar "Filho Maravilha". “Fio” ficou com fama de oportunista. Em entrevista à TV Globo em 2007, explicou o mal-entendido e autorizou Jorge a cantar a música com a letra original.
E novamente ele chegou/Com inspiração/Com muito amor, com emoção,/Com explosão em gol/Sacudindo a torcida aos 33 minutos/Do segundo tempo/Depois de fazer uma jogada/Celestial em gol/Tabelou, driblou dois zagueiros,/Deu um toque, driblou o goleiro/Só não entrou com bola e tudo/Porque teve humildade em gol/Foi um gol de classe onde ele /mostrou/Sua malícia e sua raça/Foi um gol de anjo/Um verdadeiro gol de placa/Que a galera agradecida assim cantava/"Fio Maravilha", nós gostamos de você/"Fio Maravilha", faz mais um prá gente ver.
“Fio” conta que, anos depois, quando jogava na Desportiva, do Espírito Santo, ouviu a conversa de duas senhoras: "Tá vendo esse cara? É o tal jogador mau-caráter que processou o Jorge Ben".
Apesar do futebol desengonçado e folclórico, “Fio” se tornou querido da torcida em razão dos dribles desconcertantes que aplicava nos zagueiros adversários e pelos gols feitos perdidos. Suas marcas registradas eram os dentes salientes, pouca técnica e muito carisma. Para João Saldanha, célebre técnico da seleção brasileira, “Fio Maravilha” disfarçava um excelente futebol atrás de uma postura desengonçada e de uma incrível dentadura.
No Maracanã, a galera rubro-negra tinha uma maneira especial de demonstrar sua afeição pelo craque, que geralmente entrava no time para consertar as partidas perdidas: no momento em que ele pisava no campo era saudado por uma gargalhada de 30 mil pessoas.
Inteligente, "Fio" não se deixava abater por essa estranha manifestação e dizia: “Olha, eu sou um cara alegre e tenho certeza de que o torcedor sente as coisas. Ele sabe que quando eu entro, eu mudo as coisas”.
Teve breve passagem pelo tradicional São Cristóvão (1979/1980), onde, em 29 de março de 1975, participou do jogo em que o time "cadete" derrotou o Flamengo em pleno Maracanã, por 3 X 2, de virada, pois perdia de 2 X 0. “Fio” marcou dois gols. No ano de 1972, levado pelo técnico Walter Miraglia, teve ainda uma rápida passagem pelo Avaí, de Florianópolis.
Contam que ao chegar ao Aeroporto da capital catarinense, após as costumeiras apresentações, “Fio" comentou: “Estou pronto para jogar, à disposição do treinador!”. No hotel, tomando um cafezinho com pouco açúcar e lendo os jornais que publicavam o nascimento de sua filha, afirmou rindo: “Não sabia que minha filha já era famosa e notícia nos jornais”.
O presidente Fernando Bastos, do Avai, levou "Fio" a concentração do clube para que o atacante conhecesse os novos companheiros. A expectativa era grande e logo o goleiro Rubens, com seu tradicional bom humor, deu o recado: “Quero em nome de todos dar as boas vindas ao lindo “Fio.”
Depois de muitas gozações, "Fio" comentou com Ademir num canto da sede: “Minha esposa era para ganhar no princípio do mês, mas quando soube que eu vinha para Florianópolis ficou nervosa e nasceu a Simone com 4 quilos e 150 gramas. Eu pensei que seria homem, mas veio mulher, estou muito contente”. Ademir, rindo, afirmou: “Se for parecida com o pai é linda”.
O único jogo de “Fio” pelo Avaí aconteceu no dia 2 de outubro de 1972, no estádio Adolfo Konder, contra o Pinheiros, do Paraná, pelo Torneio Integração. O lance mais eletrizante do jogo aconteceu aos 20 minutos.
Ademir, um ponta-direita muito bom, bateu o lateral adversário e cruzou bola para o miolo da área. Lica deixou a bola passar e “Fio”, que tinha entre si e a rede apenas um goleiro mal posicionado, chutou a bola com tremenda violência, e esta subiu cerca de 15 metros, indo se chocar contra um eucalipto á esquerda das gerais. “Fio” coçou a cabeça e voltou sorrindo. A torcida avaiana acabava de assistir a um lance típico de seu novo ídolo. “Fio” era assim.
O jogo acabou empatado em 1 X 1. O gol do Avaí foi de Ademir e o do Pinheiros obra de Gonzaga contra. Nesse jogo o atleta Ismael, do Avaí, teve uma fratura exposta no tornozelo direito.
Após o jogo contra o Pinheiros, no Adolfo Konder, “Fio” retornou ao Rio de Janeiro. E a culpa foi do sucesso da música "Fio Maravilha". O jogador acertou um contrato com a Rede Globo que o usaria em várias promoções, não concordando em hipótese alguma com sua saída do Rio de Janeiro, sede da emissora. Assim, “Fio Maravilha” não passou de uma atração isolada, de partida única.
“Fio Maravilha” jogou ainda pelo Paysandu, do Pará (1973/1975), CEUB, de Brasília (1975/1976) e Desportiva Ferroviária, de Cariacica, Espírito Santo (1977/1978). Conta o cronista esportivo Carlos Ferreira, no seu livro "Pisando na Bola", que o ex-jogador "Fio Maravilha", ao ser contratado pelo Paysandu, do Pará, já em final de carreira, foi recebido em Curuzu como astro de primeira grandeza, alimentando sonhos e ilusões.
Mas, em Belém, causou decepção aos bicolores. Ele não queria nada com o trabalho. Ao final de um treino, ouviu a seguinte pergunta de um repórter: "Por que você foge das divididas?" "Fui contratado pra somar no time e não pra dividir..."
Em 1981 “Fio” mudou-se para os Estados Unidos, onde foi atuar no New York Eagles. Defendeu a equipe durante quatro meses e depois recebeu convite para defender um time semiprofissional de Los Angeles, o Monte Belo Panthers, onde ficou de 1981 até 1983.
Foi naquela época que "Fio" conheceu San Francisco, jogando pelo San Francisco Mercury (1983/1985). Gostou tanto da cidade que quando encerrou a carreira foi morar por lá, tornando-se entregador de pizzas. Também foi técnico e treinador de equipes de futebol infanto-juvenis.
Títulos conquistados: Flamengo: Torneio Quadrangular de Vitoria (1965); Torneio Gilberto Alves (1965); Campeonato Carioca de Aspirantes (1970); Campeonato Carioca (1965 e 1972); Taça Guanabara (1970,1971 e 1972); Torneio Internacional de Verão do Rio de Janeiro: (1970 e 1972); Torneio do Povo (1972); Troféu Marechal Mendes de Morais (1970); Troféu Ary Barroso (1970); Troféu Ponto Frio Bonzão (1971); Troféu Pedro Pedrossian (1971); Taça Presidente Médici (1971); Troféu Sesquicentenário da Independência do Brasil (1972); Taça Cidade do Rio de Janeiro (1973); Taça 23º Aniversario da Rede Tupi de Televisão (1973); 400 Anos da Cidade de Niterói (1973); Taça Dr. Manoel dos Reis e Silva (1973). Pela Desportiva Ferroviária: Campeonato Capixaba (1977).
Hoje, mesmo estando com 67 anos de vida, “Fio Maravilha” nem pensa em voltar ao Brasil, receoso da violência desenfreada. Continua morando em San Francisco e assistindo jogos de beisebol e futebol americano. (Pesquisa: Nilo Dias)
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