segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A Liga contra o futebol

O futebol sempre provocou polêmicas. Uma das mais interessantes envolvendo o chamado “esporte bretão” envolveu dois grandes nomes da literatura brasileira: Coelho Netto, ardoroso defensor do futebol e Lima Barreto, crítico feroz do novo esporte.

Depois se ficou sabendo que o debate envolvendo o futebol, não passava de um subterfúgio para esconder uma rixa pessoal entre os dois escritores. Em 15 de fevereiro de 1918, Lima Barreto colocou em uma de suas colunas, que “Coelho Netto era o sujeito mais nefasto que apareceu no meio intelectual brasileiro”.

Afonso Henriques de Lima Barreto, mais conhecido por Lima Barreto, foi um jornalista e escritor, nascido no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881 e falecido na mesma cidade, em 1 de novembro de 1922. E o que ele teve a ver com o futebol?

Lima Barreto foi um grande opositor do futebol, tendo escrito uma série de artigos em jornais e revistas da época, nos quais dizia que o esporte inventado pelos ingleses, contribuía para a desorganização do viver urbano.

Com espaço assegurado nos círculos literários, com três romances e uma infinidade de crônicas, Lima inaugurou seus ataques em 15 de agosto de 1918 no artigo “Sobre o Foot-ball” no jornal “Brás Cubas”:

“Diabo! A cousa é assim tão séria? Pois um divertimento é capaz de inspirar um período tão gravemente apaixonado a um escrito? (...)

Reatei a leitura, dizendo cá com os meus botões: isto é exceção, pois não acredito que um jogo de bola e sobretudo jogado com os pés, seja capaz de inspirar paixões e ódios. Mas, não senhor! A cousa era a sério e o narrador da partida, mais adiante, já falava em armas...

Não conheço os antecedentes da questão; não quero mesmo conhecê-los; mas não vá acontecer que simples disputas de um inocente divertimento causem tamanhas desinteligências entre as partes que venham a envolver os neutros ou mesmo os indiferentes, como eu, que sou carioca, mas não entendo nada de foot-ball.“

Transformando-se no paladino do combate ao futebol, Lima elegeria justamente Coelho Neto como o principal adversário. Teve início então um acirrado confronto pelas páginas da imprensa carioca, logo depois de um empolgante discurso de Neto, por ocasião da inauguração da piscina do Fluminense, em 1919 — discurso que para Lima parecia um verdadeiro pecado, manifestado na crônica “Histrião ou literato”, na “Revista Contemporânea”, de 15 de fevereiro de 1919:

Lima Barreto acusava Coelho Neto de fazer “somente brindes de sobremesa para satisfação dos ricaços”, e sustentava que a simpatia de Neto pelo futebol seria mero oportunismo, um meio de agradar às ricas famílias, vindo de “um homem que não entende sequer a alma de uma criada negra”.

A partir daí, Lima aumentou a quantidade e intensidade dos ataques, em crônicas agressivas e irônicas, nas quais surgia a imagem de um jogo brutal e sem sentido, totalmente diferente do elemento de regeneração social preconizado por Coelho Neto, para desespero da imprensa carioca, quase toda ela empenhada em prestigiar o futebol.

Havia raríssimas exceções como o jornalista e escritor Carlos Sussekind de Mendonça, que aliou-se a Lima Barreto na luta contra o futebol, que ele considerava entre outros aspectos “micróbio de corrupção e imbecilidade”, “estrangeirismo estéril e inútil”.

Lima Barreto chamava o esporte de “blefe de regeneração social”, salientando os malefícios “físicos, sanitários, sociais e culturais” de sua disseminação. Em 1921, então editor do jornal “A Época”, do Rio de Janeiro, Sussekind de Mendonça teve seu livro “O sport está deseducando a mocidade brasileira” - hoje obra raríssima - publicado com o subtítulo “dedicado a Lima Barreto”.

Ainda em 1919, outros intelectuais se juntaram a Lima Barreto. Entre eles o doutor Mário de Lima Valverde, que meses antes discorrera para Lima sobre os malefícios à saúde provocados pela prática de futebol, o jornalista Antonio Noronha Santos e o “homem de letras”, Coelho Cavalcanti. Foi quando eles resolveram criar, em março de 1919, uma “Liga Contra o Futebol”, cuja constituição foi discretamente anunciada em pequena nota na edição do “Rio-Jornal”, de 12 de março.

A Liga serviria para debelar do convívio social, o que ele chamava de “Caixa de Pandora”, cujos malefícios seduziam inadvertidamente os homens de bem daquelas metrópoles modernas.

A notícia de que Lima Barreto e alguns companheiros tratavam de fundar uma “Liga contra o Football”, levou um grupo de esportistas à sua casa, para obter mais esclarecimentos sobre os destinos e fins da entidade. Ele respondeu que conversara com o médico Mário de Lima Valverde em uma confeitaria do Méier. Na ocasião, ele expôs os prejuízos de toda a ordem que o abuso imoderado dos sports, sobretudo o football, trazia à nossa economia vital.

Tempos depois Lima Barreto explicou que a Liga não foi avante, não somente pelos motivos que Sussekind Mendonça escreveu no seu livro, mas também porque faltou dinheiro. Quando a Liga foi fundada, Barreto foi alvejado com os mais diversos insultos pelos jornais. Foi até ameaçado.

Lima Barreto denunciava as “verdadeiras atrocidades promovidas pelo futebol”, como na crônica “Divertimento?”, publicada na revista “Careta”, em 4 de dezembro de 1920, em que destacava os inúmeros conflitos e constantes brigas ocorridos nos campos, com tumultos e batalhas entre torcidas diferentes, registradas nos jornais diários a cada segunda-feira, culminando com o tiroteio num jogo do Metropolitano, em 18 de dezembro de 1920.

Lima criticava os “favores e favorezinhos” que os clubes de futebol recebiam do Governo. Segundo ele, os clubes de futebol eram “portadores de uma pretensão absurda, de classe, de raça, etc”. Isso porque os defensores do futebol, com Coelho Neto à frente, sustentavam ser “um sport que só pode ser praticado por pessoas da mesma educação e cultivo “ (Jornal Sports, de 6 de agosto de 1915) e reclamavam “que alguns jogadores não tinham o nível social de há uns anos atrás” (Jornal do Brasil, de 3 de maio de 1920).

Porém, não eram apenas econômicas e sociais as distinções combatidas por Lima Barreto, mas também raciais, “vedando aos negros a participação nos grandes clubes de futebol”. Em 1921 quando o próprio presidente Epitácio Pessoa proibiu jogadores negros de fazerem parte do selecionado que ia à Argentina disputar um campeonato, Lima foi duro nas críticas, publicando no mesmo dia 1 de outubro de 1921 dois artigos: “O meu conselho” e “Bendito foot-ball” — no jornal “A . B. C.”, onde afirmava que “quando não havia foot-ball, a gente de cor podia ir representar o Brasil em qualquer parte”.

Vendo nos sócios dos grandes clubes os herdeiros dos antigos senhores de escravos, Lima enxergou no futebol “uma das formas de continuação da dominação exercida durante décadas pelo regime escravista, onde se trocava a violência pela humilhação de quem paga impostos para sustentar com subvenções oficiais, um jogo ao qual não tem acesso”.

O alvo preferencial de Lima Barreto foi justamente o literato que mais vivamente argumentava em prol do esporte naqueles dias: Coelho Netto. Seus ataques eram às vezes irônicos; outras vezes buscavam argumentações mais firmes, porém suas críticas eram sempre diretas:

“(...) O senhor Neto esqueceu-se da dignidade do seu nome, da grandeza da sua missão de homem de letras, para ir discursar em semelhante futilidade. Os literatos, os grandes, sempre souberam morrer de fome, mas não rebaixaram a sua arte para simples prazer dos ricos. Os que sabiam alguma coisa de letras e tal faziam, eram os histriões; e estes nunca se sentaram nas sociedades sábias”.

Henrique Coelho Netto, ou simplesmente Coelho Netto foi um dos mais destacados intelectuais brasileiros do período. A atração que o futebol exercia sobre ele manifestou-se já em seu romance “Esfinge”, publicado em 1908, em que o personagem James Marian, um inglês hóspede da pensão de miss Barkley, tinha o hábito de “aos domingos, sair cedo com seu material de tênis e com roupa para o foot-ball”.

Adorava futebol e associou-se ao Fluminense Football Club, do qual foi o grande orador e chegou mesmo a compor seu primeiro hino. Era um apaixonado pelo clube, prova disso que quando era deputado federal foi protagonista, bengala à mão, da primeira invasão de campo que se tem notícia no futebol.

Tudo por conta de um pênalti marcado em prol do Flamengo, quando o placar já era desfavorável ao Fluminense em 3 X 2, num Fla-Flu disputado no campo da rua Paissandu, em 22 de outubro de 1916. Junto com Coelho Neto também invadiu o campo o delegado de Polícia, Ataliba Dutra e boa parte da torcida. Esse ato provocou a anulação do jogo.

Coelho Netto acreditava que o espraiamento do futebol facilitaria a intervenção no cotidiano de diversos grupos de trabalhadores, propagandeando os “sentimentos nobres” atribuídos as “raças superiores”, como o senso de disciplina, a harmonia social e o amor à pátria.

O escritor explicitou esse pensamento em trechos da letra do primeiro hino do Fluminense, em 1915: “(...) Lutando em justos de alegria/O nosso esforço se congraça/Em torno do ideal viril/De avigorar a nova raça do Brasil.”

Coelho Netto educou seus filhos dentro do ambiente esportivo do seu clube do coração, o Fluminense. O filho João Coelho Netto, o “Preguinho”. Nascido em 1905, talvez tenha sido seu maior orgulho, além da melhor personificação de seu pensamento esportivo.

O apelido “Preguinho” ele ganhou quando tinha apenas oito anos de idade, e numa brincadeira com companheiros, Foi jogado num rio e, nervoso por não saber nadar direito, atrapalhou-se e afundou como um prego. “Preguinho” teve uma educação esportiva variada, tendo sido campeão de basquete nos anos de 1924, 1925, 1926, 1927 e 1931; foi campeão de atletismo em 1931; praticou com destaque o pólo-aquático, o vôlei, a natação e o hóquei sobre patins.

Mas teve às maiores glórias no futebol: foi campeão carioca em 1933, 1937 e 1938 pelo Fluminense, clube que defendeu desde 1925. Como atacante marcou 184 gols pelo tricolor, e teve atuações destacadas que o levaram à seleção brasileira. Participou da primeira Copa do Mundo da história,em 1930, no Uruguai. Foi ele que marcou o primeiro gol brasileiro na competição.

O preparo técnico e físico fizeram dele nas décadas de 20 e 30, presença obrigatória em seleções cariocas e brasileiras. Em que pese todo o sucesso, jogou a vida inteira como amador: em 1933 durante o período mais intenso de profissionalização de atletas no Rio de Janeiro, recusou-se a receber dinheiro para defender o clube. (Pesquisa: Nilo Dias)


Coelho Netto.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Morreu o goleiro do tri

Félix Mielli Venerando, ou simplesmente “Félix”, goleiro tri-campeão do mundo pela Seleção Brasileira, em 1970, no México, nasceu em Caratinga (MG), no dia 24 de dezembro de 1937 e faleceu hoje, às 7 horas, aos 74 anos, no Hospital Vitória, no Jardim Anália Franco, na Zona Leste de São Paulo, em decorrência a um enfisema e posterior a várias paradas cardiorrespiratórias. Félix esteve internado por seis dias. O sepultamento acontecerá amanhã, sábado, pela manhã, no Cemitério do Araçá, na capital paulista.

Félix começou a carreira nas divisões de base do Nacional A.C., de São Paulo. Depois, com apenas 15 anos de idade foi para o Juventus, onde se profissionalizou algum tempo depois. Jogou no time grená de 1951 a 1954. Em 1955 transferiu-se para a Portuguesa de Desportos, onde ficou até 1968.

Sua estréia no clube luso aconteceu no dia 26 de março de 1956, no jogo pelo Torneio Rio-São Paulo Internacional, frente o Newell’s Old Boys, da Argentina, com vitória de 2 X 1. O titular, Cabeção estava defendendo a Seleção Brasileira.

Com a saída de Cabeção em 1957, a Portuguesa contratou no ano seguinte o goleiro Carlos Alberto, que havia jogado no Vasco da Gama. Félix passou a treinar com os aspirantes e foi Campeão Paulista em 1957. Depois foi emprestado ao Nacional, da capital paulista. Retornou à Portuguesa no final de 1960, a pedido do treinador Nena, e assim finalmente, vestiu a camisa número 1 da Lusa. Foi titular absoluto de 1961 até 1963.

De 1964 até 1968, Félix passou a dividir a titularidade com o goleiro Orlando, que veio do São Cristóvão, do Rio de Janeiro. Em 1964, a Lusa participou da Feira Internacional de Nova York, quando enfrentou uma Seleção local, em jogo realizado em Massachusetts.

No time da Portuguesa se destacavam os jogadores Ivair, chamado de “Príncipe” e Henrique Frade. O jogo foi de uma facilidade espantosa. Quando o placar era de 9 X 0, Orlando substituiu Félix, que em vez de sair de campo foi jogar de atacante. Depois de um cruzamento de Almir pela direita, invadiu a área e anotou o 10º gol. O escore final foi 12 X 1.

Quando era jogador da Portuguesa, vestiu a camisa da Seleção Brasileira em quatro oportunidades. Sua estréia se deu pela chamada “Seleção Azul”, num amistoso contra a Hungria, disputado no Pacaembu, dia 22 de novembro de 1965, vencido por 5 X 3. Essa equipe era formada por jogadores paulistas. A escalação foi esta: Félix - Carlos Alberto - Djalma Dias - Procópio e Edílson (Geraldino) - Lima e Nair – Marcos - Prado (Coutinho) - Servílio e Abel.

Félix também participou entre 25 de junho e 1 de julho de 1965, da Copa Roca, realizada em Montevidéu, que teve três empates contra o Uruguai, 0 X 0, 2 X 2 e 1 X 1. O seu jogo de despedida da Portuguesa aconteceu em 3 de março de 1968, num empate sem gols com o São Paulo. Foi vendido para o Fluminense carioca, no dia 20 de julho de 1968, um dia antes do aniversário de 66 anos do clube, por 150 mil cruzeiros.

Félix disputou um total de 48 partidas pela Seleção do Brasil, tendo se sagrado bi-campeão da Copa Rio Branco em 1967 e 1968, e tricampeão do mundo na Copa de 1970. O goleiro sempre guardou uma mágoa, revelada em seu último pedido: "Pelo menos quando eu morrer que parem de dizer que o Brasil ganhou a Copa de 70, apesar do Félix. O Barbosa foi crucificado por não ter ganho a Copa de 50 e eu por ter ganho a Copa de 70. Duas grandes injustiças!"

No clube das Laranjeiras Félix permaneceu até 1977, ano em que encerrou a carreira. Pelo tricolor foi Campeão Carioca em 1969, 1971, 1973 e 1975, além de campeão da Taça de Prata em 1970, do Torneio de Paris em 1976 e de diversos outros torneios. Ele foi indicado ao Fluminense, por ninguém menos do que Telê Santana. Jogou no Fluminense até 1976, quando resolveu encerrar a carreira, após o diagnóstico de uma calcificação de 7 cm no ombro direito.

Em 1970, ganhou o Prêmio Belfort Duarte, destinado a jogadores de futebol profissional que passassem 10 anos sem serem expulsos, e que tenham jogado pelo menos 200 partidas nacionais ou internacionais. Em 1982, Félix ainda teve uma curta experiência como treinador no Avaí, de Santa Catarina, onde participou de 18 jogos, com seis vitórias, quatro empates e oito derrotas.

Neste fim de semana, todos os jogos do Campeonato Brasileiro terão de obedecer um minuto de silêncio em homenagem a Félix. O seu apelido era "Papel" devido a sua magreza e aos vôos espetaculares que dava para agarrar a bola. Segundo diziam os comentaristas esportivos, voava como um papel.

Depois que encerrou a carreira futebolística, Félix foi diretor comercial da “Funilaria Liar Especial Car”, no milionário Jardim Anália Franco, situado na avenida vereador Abel Ferreira nº 1.000. A empresa era de seu genro Angelo Cardoso Coelho, casado com Lígia, uma das três filhas do ex-goleiro.

Os últimos dias de sua vida o ex-goleiro viveu em São Paulo, onde coordenou uma escolinha de futebol comunitário, voltada para as crianças carentes. Além de passar toda a sua experiência dentro e fora dos gramados, em palestras para empresas e faculdades.

Em 2007, trabalhou como diretor técnico da Internacional, de Limeira, que disputou a Série A2 do Campeonato Paulista. Antes passou por Categorias de Base de alguns clubes e ter se aposentado como preparador de goleiros do Fluminense ainda em 1977, onde ficou ainda até 1980. (Pesquisa: Nilo Dias)

domingo, 19 de agosto de 2012

Nos primórdios do futebol

O estádio de futebol mais antigo do mundo encontra-se na cidade inglesa de Sheffield, localizada no Condado de South Yorkshire, centro-norte da Inglaterra. É o “Sandygate Road”, pertencente ao Hallam Football Club, o segundo clube mais antigo da história, fundado em 4 de setembro de 1860. O Hallam joga desde sua fundação nesse campo, que fica num subúrbio de Sheffield.

O “Sandygate Road” existe desde 1804. Inicialmente era utilizado como campo de cricket, o desporto mais popular do século XIX na Inglaterra. Só a partir de meados de 1850 começaram a disputar-se os primeiros encontros não oficiais de futebol. Em 1860 fundou-se num "pub próximo" o Hallam F.C., clube amador que ainda hoje subsiste. Nesse mesmo ano o clube decidiu organizar com os rivais locais o primeiro jogo oficial entre clubes.

A partir daí o recinto passou a ser a base de desenvolvimento do futebol na cidade. Durante dois anos foi o único local onde se realizaram encontros oficiais entre um número, cada vez mais crescente, de clubes na cidade. O primeiro jogo de futebol que se tem notícia, aconteceu no dia 26 de dezembro de 1860, no Estádio “Sandygate Road”, em Sheffield, entre Nort Counts Club X Hallam F.C., com resultado desconhecido.

Em 1862, quando o “Bramall Lane” – atual estádio do Sheffield United – deixou de receber jogos de cricket para dedicar-se ao futebol, já havia 15 clubes na cidade e a utilização de “Sandygate Road” tinha atingido o seu auge de popularidade.

O “Bramall Lane” foi inaugurado em 30 de abril de 1885, inicialmente para a prática do críquete, outro tradicional esporte bretão. Mas sete anos depois passou a ser utilizado para o futebol, quando o Sheffield F.C. e o Sheffield Wednesday, times da cidade, passaram a mandar seus jogos por lá. Em 1889, o Sheffield United, outro clube local, passou a administrar e realizar suas partidas no estádio. O projeto inicial deu condições para abrigar quase 70 mil pessoas, em pé e sentadas.

Apesar de seus 127 anos de existência, a primeira partida de futebol apenas aconteceu em “Bramall Lane” em 29 de dezembro de 1862 entre Sheffield F.C. X Hallam F.C., em prol de um fundo de auxílio a pessoas necessitadas e terminou empatada em 0 X 0.

Chegaram a disputar-se, no mesmo dia, quatro jogos distintos no velho “Sandygate Road”. A popularidade do futebol em Sheffield era tal que se chegou a criar um conjunto de regras exclusivas para os clubes da cidade, conhecidas mais tarde como “Sheffield Rules”, um dos elementos fundamentais no que viria mais tarde a ser a base do "Football Association".

Até ao final do século XIX, “Sandygate Road” continuou a ser utilizado entre Hallam, Sheffield FC, Sheffield United e Sheffield Wednesday, os times da cidade. Mas a crescente popularidade do jogo e a maior capacidade do “Bramall Lane”, construído em 1855 e do “Hillsborough”, inaugurado em 1899, levaram progressivamente a que o pequeno recinto se dedicasse exclusivamente a torneios para clubes amadores na cidade, funcionando como sede regular do Hallam FC. Tal e qual como hoje em dia, mais de um século depois.

O "clássico" ou "derby" mais antigo da história do futebol é jogado até os dias atuais entre o Hallam FC X Sheffield Football Club, fundado em 1857 e reconhecido pela FIFA como o clube de futebol mais antigo do mundo, em atividade.

Em 1855, membros do clube de críquete de Sheffield começaram a realizar partidas informais de futebol, sem nenhum tipo de uso de regras formais, até que os membros Nathaniel Creswick e William Prest decidiram fundar o Sheffield Football Club. A reunião inaugural do Sheffield FC aconteceu em 24 de Outubro de 1857, em Parkfield House, nos subúrbios de Highfield.

A sede original era uma estufa abandonada na "East Bank Road", emprestada por Thomas Asline Ward, pai de Frederick Ward, o primeiro presidente do Sheffield F.C. O espaço ao redor da estufa se tornou o primeiro campo de treino do time.

Nos primeiros tempos o Sheffield F.C. promovia partidas entre seus associados, do tipo “Casados X Solteiros”, ou "Profissionais contra o Resto". Os desportistas Creswick e Prest conceberam às regras de jogo do clube, que foram estabelecidas em 21 de Outubro de 1858, dando origem ao que se achou por bem chamar de “Às Regras de Sheffield”.

Até então, antes da formação da "Football Association", a entidade que controla o futebol na Inglaterra, muitos tipos diferentes de futebol eram praticados no país. Os colégios públicos, por exemplo, realizavam partidas de futebol de acordo com regras próprias, que variavam muito.

Às primeiras regras eram constitutivas e não previam o impedimento, mas introduziram os tiros livre após uma jogada faltosa. As regras do futebol australiano, que viriam algum tempo depois, eram bastante parecidas com “Às Regras de Sheffield”. Sabe-se que em 1862, quando já existiam 15 clubes em Sheffield, essas regras foram adotadas pela "Associação de Futebol " da cidade, criada em 1867.

Até então o Sheffield F.C. só realizava partidas com equipes de fora da região, buscando um desafio maior. Em 30 de Novembro de 1863, o clube se associou à "Football Association", apesar de continuar a seguir suas próprias regras, adotando as regras nacionais apenas em 1878.

O melhor momento do Sheffield F.C. se deu em 1904, quando foi campeão da "FA Amateur Cup", competição criada por sugestão do próprio clube. Também foi vice-campeão na "FA Vase", em 1977, competição exclusive para os times menores do futebol inglês. O clube foi agraciado pela FIFA com a "Ordem de Mérito", recebendo a honraria de estar no "Hall da Fama", por seu papel importante na história do futebol mundial.

Atualmente o clube disputa a "Northern Premier League Division One South", afundado nas complexas castas de divisões amadoras do futebol britânico. Já o clube de futebol mais antigo de todos os tempos é o Foot-Ball Club, fundado na cidade de Edinburgh, na Escócia, em 1824.

O Notts County Football Club, fundado em 28 de novembro de 1862, na cidade de Nottinghan é o clube de futebol profissional mais antigo do mundo, perdendo para o Sheffield, que foi fundado cinco anos antes. Foi um dos fundadores da Liga inglesa.

O futebol no Nottingham Football Club começou nos Jardins de "Cremorne Gardens", quando W. Arkwright e Chas Deakin chutavam uma bola, um contra o outro, terminando empatados em 2 X 2. A Sua definição oficial como clube se deu em 1864 com o nome de Notts Football Club. No período entre 1864 e 1888, foram realizadas partidas amistosas com outros clubes da Inglaterra e Escócia. Neste período o clube chegou a ter oito atletas relacionados na seleção nacional.

O primeiro campeonato oficial disputado pelo Notts foi em 1877, quando participou da Copa da Inglaterra. Com boas apresentações, o time conseguiu chegar as semifinais em 1883 e 1884. De 1883 à 1910 o Notts mandava seus jogos na "Trent Bridge" e ocasionalmente em "Castle Cricket Ground" e na "Floresta de Town Ground", na cidade de Nottingham. Em 1910 passou a sediar seus jogos em "Meadow Lane".

Na temporada de 1890/1891 o Notts terminou em terceiro na Liga Inglesa e foi finalista na Copa, sendo derrotado por 3 X 1 pelo Blackburn Rovers. Já sua primeira conquista se deu em 1894, um ano após seu rebaixamento à segunda divisão, quando um público de 37 mil torcedores assistiu sua vitória na final da "FA Cup" (Copa da Inglaterra), frente ao Bolton pelo placar de 4 X 1, tornando-se o primeiro clube de uma Segunda Divisão a ganhar o torneio.

Em março de 1867 ocorreu o primeiro torneio de clubes: a "Youdan Cup", vencida pelo Hallam F.C.. Lá também ocorreu a primeira partida entre duas seleções fora de Londres e Glasgow: em 10 de março de 1883 se enfrentaram Inglaterra X Escócia. Por fim, foi palco das semifinais da "FA Cup" (Copa da Inglaterra) entre 1889 e 1938.

O Sheffield Wednesday, outro clube antigo de Sheffield foi fundado em 4 de setembro de 1867. Sedia seus jogos no atual "Hillsborough",que até 1914 se chamava "Owlerton Stadium". Possui capacidade para 39.859 pessoas. Nesse estádio foram disputadas partidas da Copa do Mundo de 1966, entre as seleções da Alemanha Oriental, Argentina, Suiça e Espanha, bem como o jogo das quartas de final entre Alemanha Oriental 4 X 0 Uruguai.

Em 15 de abril de 1989 nesse estádio faleceram 96 pessoas na chamada "Tragédia de Hillsborough", que aconteceu durante a partida de futebol entre o Liverpool F.C. X Nottingham Forest F.C., pelas semi-finais da Copa da Associação da Inglaterra. As 96 pessoas falecidas eram torcedoras do Liverpool FC, que acabaram sufocadas (esmagadas) pela grade que separava os torcedores do campo.

O acontecimento serviu para expressivas mudanças no futebol da Inglaterra, que até então sofria com a ação dos "Hooligans", torcedores que cometiam atos violentos durante os jogos de futebol. Depois da tragédia os clubes ingleses foram banidos de competições continentais pela UEFA, entidade máxima do futebol europeu.

Entre as principais mudanças após a tragédia, foram proibidas grades ou alambrados de separação, disponibilidade de cadeiras numeradas para acompanhar as partidas, além da abolição das "gerais", espaço onde os espectadores ficavam em pé. (Pesquisa: Nilo Dias)

"Sandygate Road", o estádio de futebol mais antigo do mundo.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Villadoniga, “El Architeto”

Segundo Villadoniga, uruguaio de Montevidéu , nascido 6 de novembro de 1915, foi um dos bons jogadores estrangeiros que atuaram no futebol brasileiro. Jogava como meia. Ele começou a carreira no Atlético Cerro, um pequeno clube uruguaio e depois se transferiu para o Montevidéu Guanderes. Ganhou destaque ao ser tricampeão uruguaio pelo Peñarol nos anos de 1935, 1936 e 1937. Foi contratado pelo Vasco da Gama, do Rio de janeiro para ser um dos destaques do time.

Na equipe carioca jogou entre os anos de 1938 e 1942, atuando ao lado de craques como Zarzur, Niginho, Bernardo Gandulla e Alfredo II. Em 1942 foi para o Palmeiras, que ainda se chamava Palestra Itália, aonde jogou até 1946. A estréia de Villadoniga pelo time alviverde foi em 26 de julho de 1942, numa vitória por 3 X 2 sobre o São Paulo Railway. Sua despedida se deu em 18 de dezembro de 1946, após triunfo sobre o River Plate, da Argentina, por 2 X 1. Em 1947 retornou ao Uruguai, encerrando a carreira em 1950, jogando pelo Peñarol.

Villadoniga ganhou o apelido de “El Architeto” devido a habilidade em armar as jogadas. Era um jogador habilidoso, altamente técnico, cheio de malícia e de invejável espírito de luta. Foi convocado diversas vezes para a Seleção Uruguaia, tendo disputado a Copa América de 1937, na Argentina, quando o seu país foi terceiro colocado.

No Palmeiras foi um grande ídolo, tendo envergado a camisa palmeirense em 134 jogos, com 79 vitórias, 27 empates e 28 derrotas, tendo marcado 50 gols. Os dados constam no "Almanaque do Palmeiras", de Celso Unzelte e Mário Venditti. Dono de uma habilidade extraordinária, foi peça decisiva na célebre partida de 1942, contra o São Paulo, quando o clube mudou de nome, deixando de ser Palestra Itália e passando a chamar-se Sociedade Esportiva Palmeiras.

Jogando pelo Peñarol foi campeão uruguaio nos anos de 1935, 1936 e 1937. Pelo Vasco da Gama conquistou o Torneio Luiz Aranha, em 1940. Ainda jogando pelo Vasco foi considerado o melhor jogador do futebol carioca, nos anos de 1939 e 1940. E pelo Palmeiras foi duas vezes campeão paulista, em 1942 e 1944 e duas vezes campeão da Taça Cidade de São Paulo, 1945 e 1946. E ainda campeão da “Taça de Campeões Rio-São Paulo” de 1942 e Torneio Início Paulista de 1946.

Depois que deixou o futebol Villadoniga foi morar em São Paulo, onde chegou a trabalhar de garçom na “Trattoria Del Michelle”, pertencente a um italiano chamado Michelle, procedente de Tívoli. O local era um reduto palmeirense, pois ficava próximo ao Parque Antártica.

Villadoniga morreu de causas naturais em 26 de outubro de 2006, aos 90 anos de idade. Ele morava na capital paulista, no bairro de Perdizes, e frequentava a sede do Palmeiras. Pouca gente sabe, mas após parar com o futebol passou a jogar bocha, tendo defendido o “Verdão” em vários campeonatos, inclusive sendo campeão interno dessa modalidade.  (Pesquisa: Nilo Dias)

Villadoniga com a camisa do Palmeiras.

domingo, 12 de agosto de 2012

Bino, o "gato selvagem"

Setembrino da Costa Alves, o “Bino”, nasceu na cidade litorânea de Antonina (PR), no dia 1 de setembro de 1920, mesmo dia em que o Corinthians Paulista foi fundado. Quando “Bino” nasceu, o Corinthians tinha apenas 10 anos. Ele começou a carreira futebolística no Clube Atlético Antoninense, de sua cidade natal.

Em 1938 se transferiu para o Clube Atlético Paranaense, onde ficou até 1939, quando retornou ao time de sua terra, por lá permanecendo até 1941, ano em que se sagrou campeão pelo Antoninense.

Ainda foi vice-campeão do Paraná de Seleções em 1941, jogando pela Seleção de Antonina, evento promovido pela Federação Paranaense de Futebol. A Seleção de Antonina formava com: Bino - Argentino e Marcelo (Lídio) - Dégas - Estoquero e Sêgoa - Edgar – Birulha – Coceira - Pintado e Alcendino.

Em 1942 foi contratado pelo Coritiba F.C., ajudando o clube a conquistar o título estadual daquele ano. Em 1943 assinou com o Corinthians Paulista. Fez sua estréia pelo clube do Parque São Jorge em fevereiro de 1943, num amistoso interestadual contra o Vasco da gama, vencido pelos cariocas.

Em 1950, “Bino” foi lembrado para a Seleção Brasileira que disputou a Copa do Mundo, mas acabou não sendo convocado. A imprensa paulista dava como certa a sua convocação, mas o técnico Flávio Costa, que pertencia ao Vasco da Gama, por questões políticas deu preferência aos jogadores cariocas e mais precisamente aos atletas do próprio Vasco, que foi campeão invicto do Rio de Janeiro em 1949 e também campeão em 1950, ano da Copa. Em sua passagem pelo Corinthians, foi convocado para a Seleção Paulista.

No “timão” ficou longos nove anos, oito deles sem conhecer nenhum título. “Bino” deixou o Corinthians em 1951, tendo sido campeão do Torneio Rio-São Paulo de 1950 e campeão paulista em 1951, mesmo quase não jogando. Estava com 31 anos e disputava apenas amistosos pelo interior do Brasil. O goleiro titular era “Cabeção” e o reserva imediato Gylmar, que depois se tornaria um dos maiores ídolos da história corinthiana.

Foi em sua passagem pelo Corinthians que ganhou os apelidos de “Gato Selvagem” e “Gato Preto”, devido a sua ousadia e a mania de se vestir todo de preto. Era muito rápido, arrojado, voador e capaz de realizar defesas milagrosas. Além disso, dizem que foi um arqueiro por natureza, experiente e com muita lucidez e segurança.

Pelo alvinegro paulista fez 232 jogos, com 133 vitórias, 44 empates e 55 derrotas. Sofreu 383 gols e marcou um contra, segundo números do "Almanaque do Corinthians", de Celso Unzelte. O goleiro paranaense fez parte de um fortíssimo time corintiano: Bino - Domingos da Guia e Belacosa – Palmer - Hélio e Aleixo - Cláudio (ou Colombo) – Luizinho – Nardo - Rafael e Nelsinho (ou Noronha).

Em 1952 retornou ao Paraná, onde jogou pela A.A. Cambarense durante um ano. Em 1956 e 1957, defendeu a o S.C. Rio Branco, de Paranaguá. E de 1958 até 1962, vestiu a camisa da A.A. 29 de Maio, de Antonina, onde encerrou a carreira.

“Bino” faleceu em 30 de agosto de 1979, com 59 anos na cidade de Antonina. Ele foi homenageado com o nome de uma praça de esportes na sua cidade natal, no Bairro do Jardim Maria Luiza, próximo ao local onde iniciou sua carreira esportiva no Clube Atlético Antoninense. (Pesquisa: Nilo Dias)

domingo, 5 de agosto de 2012

Vitor Baptista, o gênio louco

Vitor Baptista poderia ter sido o maior craque do futebol português em todos os tempos, a frente de Eusébio. Poderia, mas não foi. E por um motivo muito simples, deixou-se envolver pelas drogas, o álcool, as mulheres e o mundo do crime. Talvez porque alcançou a fama e ganhou muito dinheiro cedo demais. Tudo terminou para ele de forma trágica, esmolando na rua, pouco tempo antes de morrer.

Ganhou notoriedade pela sua genialidade, excentricidade, irreverência e imprevisibilidade, pois não tinha muita disciplina táctica. Isso tudo contribuiu para que ele conseguisse pular da glória à tragédia em minutos. Foi várias vezes preso, trabalhou como jardineiro, em cemitérios e como funcionário da Câmara de Setúbal para limpar as ruas. Era no Estádio da Luz, do Benfica, que dormia. Acabou sem nada, quando poderia ter tido tudo e nada conquistou.

Seu nome completo: Vitor Manuel Ferreira Baptista. A sua vida não foi nada fácil no início. Oriundo de uma família de classe operária e de pescadores, Vítor Baptista precocemente teve de começar os seus primeiros passos no mundo do trabalho árduo, primeiramente como eletricista e, mais tarde, como ajudante de marceneiro, para ajudar nas despesas de casa.

Com apenas dez anos de idade, o ainda precoce Vítor Baptista ganhou os seus primeiros trocado, levando recados de prostitutas locais, bem como, apanhando moedas que eram jogadas em uma fonte de água.

Aos 16 anos, quando trabalhava de aprendiz de eletricista e nas horas vagas jogava futebol de salão, chamou a atenção de dirigentes do Vitória, de Setubal que o contrataram por 500 escudos por mês e refeições pagas na Pensão Vitória. Talvez a perda do pai ainda cedo, tenha contribuído para tudo que aconteceu de ruim na sua vida.

Contam que num torneio de Futebol de Salão onde foi o segundo artilheiro, ficando atrás apenas de Quinito, que mais tarde foi treinador de futebol, deu o passo decisivo para a carreira de futebolista. Os olheiros do Vitória nem ficaram muito entusiasmados com ele, mas a insistência do jovem rebelde o levou ao time de Setubal.

Aos 18 anos já era titular absoluto da equipe setubalense, tendo vencido uma Taça de Portugal. Foi quando o técnico José Maria Pedroto o convocou para a seleção nacional de Juniores.

Não demorou para chamar a atenção do Benfica, clube para quem se transferiu na maior transação do futebol português na época. O passe de Baptista custou aos cofres benfiquenses três mil contos e mais três jogadores, entre eles o lendário José Torres. Os outros dois foram Praia e Martine. Baptista recebeu luvas no valor de 750 contos e um salário de 8 contos de réis. No Vitória ganhava 2 contos e 500 por mês.

Nesse tempo Vitor Baptista era ainda uma espécie de “menino grande. Para ele, a vida era uma brincadeira, um grande jogo. Tinha coração de ouro, dava a camisa pelos amigos, mas não levava as coisas a sério. Isso haveria de lhe ser fatal.

Uma das muitas histórias que contam sobre Baptista aconteceu num jogo no Estádio das Antas. O técnico Pedroto, no intervalo de uma partida contra o Porto, acendeu um cigarro com um isqueiro de ouro que Vitor Baptista cobiçou. O técnico prometeu-lhe a preciosidade se ele fizesse dois gols. E marcou mesmo, e ao segundo correu para o banco de reservas a reivindicar o prêmio.

Uma das histórias mais impressionantes ocorridas com Baptista aconteceu num clássico contra o Sporting. O atacante do Benfica recebeu uma bola no peito, deu um lençol num adversário, driblou outro e desferiu um petardo para o fundo da rede. Foi quando notou que havia perdido um brinco de ouro e diamante, que custou mais de 10 contos, quantia expressiva para a época. Baptista fez o jogo parar e os atletas dos dois times, o juiz Rosa Santos e os bandeirinhas procuraram a jóia por longos 15 minutos, sem sucesso. Ao final do jogo reclamou: “O brinco valia 12 contos e o prêmio do jogo só 8”.

Ainda assim, pegou seu carro e foi para um restaurante, onde pediu um vinho da melhor qualidade e uma lagosta. Como virou atração e todos os clientes não lhe tiravam o olhar, bebeu o vinho de um só gole e foi embora.

No Benfica ele alternou momentos de rara qualidade com outros que haveriam de o levar à decadência: muitos foram os episódios envolvendo dinheiro, carros, álcool, mulheres e drogas, enfim um cocktail verdadeiramente explosivo e pouco condizente com a vida de um profissional de futebol.

Mesmo jogando em Lisboa, Vítor Baptista preferia morar em Setubal. Comprou um carro “Jaguar” por 150 contos e nos primeiros tempos arranjou um motorista para o conduzir aos treinos. Um motorista com boné, para delírio dos gozadores companheiros de equipe..

Contam que depois dos treinos do Benfica, Vítor Baptista costumava dar algumas voltas com seu “Jaguar”, em redor do Estádio da Luz. Dizia que não era por vaidade, mas sim para secar o cabelo.

Em Outubro de 1976, Vítor Baptista ao renovar seu contrato com o Benfica, deu uma a entrevista ao jornal “A Bola”, quando disse que era o melhor jogador português, citando outros bons, como o Chalana, mas afirmando que ele era o melhor. Foi quando começou a surgir uma lenda no cenário futebolístico português.

O homem era mesmo bom de bola. E também mestre em soltar pérolas como esta, em que, a propósito de um gol que tinha sido atribuído a Eusébio: "O gol foi meu. Eu tava entalado junto à linha de fundo e vi logo que se passasse a bola ao Eusébio ele a perderia. Por isso, fiz pontaria na cabeça do “gajo” e rematei com força. A bola só tabelou na cabeça dele, portanto o gol é meu!"

Suas atitudes impressionavam, parecendo agir como se estivesse fora do normal. Talvez por efeitos das drogas. Um dia amarrou um cão a trave de uma goleira do Estádio da Luz, antes de um treino matinal do Benfica, com os companheiros, direção técnica e alguns torcedores todos de boca aberta, face tamanha atitude. Já ninguém ligava para os seus atos. Houve um jogo em Portimão, que Victor Batista foi expulso por cuspir em um adversário. Mesmo com 10 jogadores em campo, o Benfica acabaou por vencer a muito custo.

Na sua irreverência, Vítor Baptista quando não era escalado para sair jogando, pegava o que era seu e ia embora. Nunca aceitou ser reserva.

No primeiro jogo do Benfica contra o Liverpool, pelas eliminatórias da “Taça dos Campeões da Europa” de 1978, Baptista não quis jogar e simulou uma lesão, fato que quase causou sua expulsão do clube. Isso não aconteceu porque os jogadores Humberto e Toni, seus grandes amigos, evitaram. Esse foi um dos momentos mais difíceis da relação entre Vitor Baptista e o Benfica. O Benfica perdeu o jogo. O jogador Toni confessou à imprensa que a lesão de Baptista era simulada e que ele era um ingrato em relação ao Benfica.

Tudo aconteceu porque ele pediu um “Porsche Carrera” e 650 contos mensais para renovar contrato com o Benfica. O clube concordou em dar o carro, mas não aceitou as pretensões salariais, oferecendo 550 contos. Baptista não quis e logo depois do jogo contra o Liverpool preferiu voltar ao Vitória, de Setubal para ganhar 100 contos de réis por mês. Foi o início do fim.

O primeiro gol que marcou pelo Benfica foi exatamente contra seu ex-clube, o Vitória, de Setubal. Ao longo das sete temporadas em que defendeu o Benfica, participou de 150 jogos oficiais, tendo marcado 62 gols. O seu último gol pelo Benfica foi frente ao rival Sporting num jogo realizado no Estádio da Luz a 12 de Fevereiro de 1978.

Quando dessa sua nova estada no Vitória, dois companheiros de equipe contam que o viram frente a um espelho, dizendo para si mesmo: “Ó meu Deus, porque me fizeste tão belo?" Foi quando nasceu o apelido de “Meu Deus”. E devido a algumas fanfarronices, também lhe chamavam de “Gargantas”. Ainda ganhou outros apelidos: ”O rapaz do brinco” e “O rapaz dos pés de ouro”. Mas para si mesmo era apenas “O Maior”. E isso resumia a sua vida. O maior, para o bem e para o mal.

Depois foi para o Bessa, onde, para variar também se desentendeu com relação a salários. Nesse tempo já andava envolvido com drogas pesadas.

Numa excursão do Benfica à Russia recusou-se a entrar em campo, pois os russos pareciam-lhe amadores, e ele dizia que só jogava contra profissionais. Apresentou-se no aeroporto vestindo calças rotas, enquanto todos os outros jogadores vestiam ternos. E não atendeu aos apelos dos companheiros para que trocasse de roupa.

No regresso a Portugal, organizou uma tourada em Setubal. Estádio cheio, com populares lotando às arquibancadas. Eis que de repente aparece Vitor Baptista sobressaltado. Tinha-se esquecido dos touros.

Quando jogou no Boavista, aparecia nos treinos de “Jaguar”, vestido com terno, gravata e chinelos de dedo. No União de Tomar, onde também jogou, reza a lenda que expulsou várias vezes o treinador do vestiário, pois simplesmente não gostava de ouvir sua voz.

Em 1980, a convite de António Simões, foi parar no San Jose Earthquakes, nos Estados Unidos, onde jogou com George Best, Guus Hiddink, Milan Mandaric e Bill Foulkes, entre outros. Apesar do contrato de 2,5 milhões de dólares e de um luxuoso “Corvette” conversível, Baptista não ficou muito tempo por lá: foram apenas dois jogos e o regresso a Lisboa.

Em Portugal jogou ainda no Amora, no Montijo, na Universidade Tomar, no Monte da Caparica e acabou nos regionais, defendendo o amador Estrelas do Faralhão, onde ganhava só para comer. Nesses clubes quase nunca viu a cor do dinheiro. Para alimentar a dependência da droga e do álcool começou a roubar, sendo preso várias vezes. Mas não deixou nunca de ser um rebelde, um gênio louco, que brigava facilmente com os seus treinadores.

Alguns exemplos: Mário Wilson em 1975, John Mortimore e José Maria Pedroto em 1976 e Juca, que era o técnico da seleção português, em 1977. Com este passou todos os limites. Chegou atrasado ao treino e ainda insultou o técnico, chamando-o de maluco, na frente dos colegas de time. Jogou pela seleção portuguesa em apenas por onze vezes. Devido a esse desentendimento com Juca, foi afastado definitivamente da representação nacional.

Vitor Baptista nasceu em São Julião / Setúbal, Portugal, no dia 18 de Outubro de 1948 e faleceu a 1 de Janeiro de 1999, aos 50 anos de idade, devido a um acidente vascular cerebral. A sua morte foi confirmada pelo diretor do Hospital Distrital de Setúbal, às 11h20min da manhã de 1 de Janeiro de 1999, após ter sido hospitalizado nas vésperas de Ano Novo, em pleno estado de coma.

Ele foi sepultado no dia seguinte no cemitério de Algeruz, na sua terra natal, Setúbal. Muitos foram os que se fizeram presentes ao ato. Por ser uma das lendas do futebol português, todos os jogos da primeira divisão começaram com um minuto de silêncio, em sua homenagem.

Tinha 1,78 m, pesava 76 quilos e jogava como atacante. Em sua atribulada carreira defendeu os seguintes clubes:

1966/1967, Vitória, de Setubal, nenhum jogo e nenhum gol. 1967/1968, Vitória, de Setúbal, 15 Jogos e nenhum gol. 1968/1969, Vitória, de Setubal, 17 jogos e nenhum gol. 1969/1970, Vitória, de Setúbal, 22 jogos e 11 gols. 1970/1971, Vitória, de Setubal, 26 jogos e 22 gols. 1971/1972, Benfica, 17 jogos e 9 gols. 1972/1973, Benfica, 14 jogos e 6 gols. 1973/1974, Benfica, 21 jogos e 9 gols. 1974/1975, Benfica, 23 jogos e 3 gols. 1975/1976, Benfica, 16 jogos e 9 gols. 1976/1977, Benfica, 6 jogos e 6 gols. 1977/1978, Benfica, 15 jogos e 8 gols. 1978/1979, Vitória, de Setubal, 19 jogos e 7 gols. 1979/1980, Boavista, 15 jogos e 8 gols. 1980, San Jose Earthquakes (EUA), 2 jogos e ? gols. 1980/1981, Amora, 4 Jogos e nenhum gol. 1981/1982, Montijo (jogador e treinador), ? jogos e ? gols. 1982/1983, Universidade Tomar, ? jogos e ? gols. 1983/1984, Monte da Caparica, ? jogos e ? gols. 1985/1986, Estrelas Faralhão, ? jogos e ? gols. E encerrando a carreira, 1984/1985, Estrelas Faralhão, ? jogos e ? gols. Estava com 37 anos de idade.

Títulos conquistados: Taça de Portugal, em 198/1967, pelo Vitória, de Setubal; Campeonato de Portugal, pelo Benfica: 1971/72, 1972/73, 1974/75, 1975/76, 1976/77 e Taça de Portugal, também pelo Benfica, em 1971/72.

A fama de Vitor Baptista foi tão grande, que mereceu até uma música, de autoria de José Jorge Letria (letra) e Vitorino (música). “Rapaz do brinco”:

Eras o rapaz do brinco/Eras o herói da tarde/Driblador cheio de afinco/Médio seguro ou trinco/Da alegria dessa idade/Eras a festa do jogo,/Com o resultado incerto,/Entre a água e o fogo,/Adeus Vítor até logo/Que a vitória andou perto.

Eras o brinco perdido/Na parcela do relvado/Onde em sonhos tidas lido/As promessas sem sentido/De um contrato renovado.

Eras o ponta de lança/Da infância sem ternura,/O campeão que foi esperança/E essa eterna criança/Sempre às portas da loucura/Foste a sombra do que eras,/A carreira interrompida,/Gazela no meio das feras,/A ruína das quimeras,/Destroço de um fim de vida.

Foste esse brinco perdido/Em grande tarde de glória/E podias ter vencido,/Mesmo vergado e rendido/Pelas traições da memória.

Foste o brinco jóia rara/Desse tempo de conquista;/A loucura sai tão cara/E se a grandeza é tão rara/Que viva o Vítor Baptista.

Desperdiçou dinheiro aos montes, envolveu-se em crimes, foi preso e nunca largou o consumo excessivo de drogas. Toda a gente o tentou ajudar, mas ele nunca resistiu aos apelos da má vida. Um dos melhores exemplos de um colega que sempre o admirou e quis ajudar foi Toni que chegou a dizer: “ele poderia estar coberto de ouro, tal era o seu talento, mas deixou-se levar por pessoas que se diziam amigas e a droga o destruiu”.

Vitor Baptista também foi tema de um livro que retrata e descreve a vida e a carreira desportiva de um homem e extraordinário jogador de futebol, cuja trajetória e percurso futebolísticos foi feito de altos e baixos, de glórias e tristezas, acabando por culminar de forma dramática, para não dizer trágica, na morte, aos 50 anos.

O livro que tem como título ”Vitor Baptista o Maior” começa com uma introdução na qual é registrada a vida e a carreira de Vítor Baptista, tendo o autor e jornalista Frederico Duarte Carvalho (do semanário "Tal&Qual") consultado jornais desportivos da época. A seguir, é apresentada uma longa entrevista de 5 horas de duração, feita pelo autor ao próprio Vítor Baptista, por sinal a última entrevista dada por este em vida, a qual se realizou na Páscoa de 1998, poucos meses antes da sua morte. E o livro termina apresentando uma biografia do jogador, com fotos de arquivo dos jornais "Record" e "O Benfica", do "24 Horas" e do semanário "Tal&Qual".

A vida atribulada e acidentada que Vítor Baptista levou e que o conduziu a uma morte prematura, e acima de tudo a um final de vida degradante e humilhante, deve servir de alerta e um sério aviso para muitos jovens jogadores que enveredam pelo futebol profissional, no sentido de não incorrerem nos mesmos erros e tentações daquele grande jogador dos anos 70. (Pesquisa: Nilo Dias)