Em 1972, dois anos após a conquista do tri-campeonato mundial, mais de 106 mil torcedores vaiaram a Seleção Brasileira. Isso aconteceu no Estádio Beira Rio quando de um jogo amistoso entre os selecionados do Brasil e do Rio Grande do Sul. Tudo aconteceu porque os gaúchos resolveram declarar guerra a Seleção, pelo fato de jogadores do Estado não terem sido convocados pelo técnico Mário Lobo Zagalo.
O país vivia no duro regime militar. O então presidente Médici via no hino “Prá frente Brasil”, de Miguel Gustavo, combustível para seus planos de governo, especialmente na frase “Noventa milhões em ação”, cantado e decantado na Copa de 70. Num jogo da Seleção no Maracanã, o próprio Presidente criara mais um lema ufanista, “Ninguém segura este país!”.
O regime usava o futebol para uma propaganda otimista. Por quase todo o país se vivia um clima de euforia pela conquista do tri. Menos no Rio Grande do Sul. O copo d’água transbordou quando foram convocados os jogadores para a "Taça Independência", também chamada de “Mini-Copa”, em comemoração aos 150 anos da emancipação do país, que seria realizada de junho a julho de 1972.
Naquele tempo quem mandava no futebol nacional era a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), que tempos depois mudou o nome para Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que persiste até hoje. O técnico Zagalo não convocou nenhum jogador do Rio Grande do Sul, esquecendo até de Everaldo Marques da Silva, lateral-esquerdo do Grêmio que havia sido titular na Copa de 70, tendo participado dos sete jogos da Seleção.
Depois da Copa ele ainda foi chamado em 1971, por isso a surpresa pela sua não convocação. Também esperava-se que o centro avante Claudiomiro, do Internacional, fosse lembrado, já que havia jogado duas partidas pela Seleção. Foi igualmente ignorado. A discussão nem era com relação a jogadores cariocas e paulistas, mas sim pela convocação de quatro mineiros, pois o futebol de Minas e Rio Grande do Sul se equivaliam.
A desconformidade serviu para uma coisa quase impensável, unir colorados e gremistas, numa mostra de fortalecimento da identidade gaúcha. Tudo isso exatamente no momento em que a ditadura buscava maquiar um país de fantasia, dando ideia de que vivíamos num lugar próspero e feliz, muito bem representado pela seleção.
Na tentativa de contornar a situação, o presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Rubens Hoffmeister, desafiou a seleção brasileira para uma partida contra um combinado estadual. Depois de muitas negociações, o jogo foi marcado para o dia 17 de junho de 1972.
A escolha do técnico gaúcho recaiu sobre o jornalista Aparício Vianna e Silva, o "Apa", o que mereceu críticas do treinador Zagalo, da Seleção Brasileira. Mas o endereço correto era João Saldanha, que o antecedera na seleção e que tivera em "Apa" o seu olheiro.
Mesmo sem ter nada a ver com isso, Zagalo questionou a convocação de somente jogadores de Grêmio e Internacional, perguntando se o futebol gaúcho se resumia só aos dois. Isso só serviu para por mais lenha na fogueira, visto que Aparício era uma unanimidade e não havia qualquer dúvida sobre a legitimidade da convocação só de atletas da dupla Grenal.
A "batalha" começou ainda antes do jogo: o ponteiro-direito Jairzinho teria dito que "só havia faltado pedirem o passaporte" na chegada da Seleção ao Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre.
Depois vieram os boatos de que os jogadores gaúchos poderiam machucar propositalmente os da Seleção Brasileira. O time gaúcho era tratado pejorativamente de “Combinado Grenal” ou “Combinado Sul-americano, tendo em vista as presenças do uruguaio Ancheta , do chileno Figueroa e do argentino Oberti . Os gaúchos responderam agressivamente, apelando para os símbolos mais caros ao Estado.
Chegou o dia do jogo. As manchetes dos jornais estampavam o clima de guerra que havia sido criado. O Rio Grande do Sul inteiro estava unido em torno de sua equipe. Naquele sábado, o Beira-Rio recebeu o maior público de toda a sua história: 106.554 pagantes.
A equipe do Brasil usava seu tradicional uniforme amarelo canário, já o uniforme da Seleção Gaúcha levava as cores da bandeira do Estado e o brasão da Federação Gaúcha de Futebol no peito. Naquela tarde todos os gaúchos esqueceram para que clube torciam, todos cantavam e alentavam junto pelo Rio Grande do Sul.
Os ânimos estavam tão acirrados que até bandeiras do Brasil foram queimadas pelos torcedores gaúchos, o que não chegou a ser noticiado pela imprensa. Os dois times entraram em campo carregando uma grande bandeira brasileira. Foi o momento em que uma vaia ensurdecedora tomou conta de todo o estádio, não permitindo que o Hino Nacional fosse ouvido.
As vaias continuaram mesmo depois do árbitro ter iniciado o jogo. Cada vez que os jogadores da Seleção Brasileira tocavam na bola, "dá-lhe vaia". Isso não parou durante os 90 minutos, o que deixou tensos os membros da comissão técnica e os jogadores verde-amarelos. Parecia que estavam jogando em outro país.
De um lado Leivinha, Jairzinho e Rivellino. De outro o uruguaio Ancheta, o chileno Figueroa e o gigante Valdomiro. O Brasil tinha um time de muita técnica, com um toque de bola rápido e o ataque matador. O selecionado gaúcho era pura marcação e força.
Quando a seleção brasileira conseguiu o empate, em 3 X 3, ao final do jogo,o técnico Zagallo abraçou-se eufórico ao preparador físico, pulando feito criança, pois, ali, o onze verde e amarelo livrara-se da derrota.
Muitas pessoas contam um fato bastante pitoresco, que eu duvido que realmente tenha ocorrido. O estádio lotado, e lá pelo meio da partida, o Brasil marca um gol, e um torcedor solitariamente comemora. Quase ao mesmo tempo, um torcedor do combinado gaúcho grita: "mata que é 'brasileiro." Eu acho que isso está mais para folclore, do que para verdade.
O jogo terminou empatado em 3 X 3. Os gaúchos sempre estiveram na frente do marcador, e não faltou quem afirmasse que o resultado foi “arranjado”.
O Brasil jogou com Leão (Sérgio) - Zé Maria – Brito - Vantuir e Marco Antônio – Clodoaldo - Piazza e Rivelino – Jairzinho - Leivinha e Paulo César Caju. Os gaúchos atuaram com Schneider – Espinosa – Figueroa – Ancheta - Everaldo e Carbone – Tovar - Torino e Valdomiro - Claudiomiro e Oberti (Mazinho).
Os gols do Brasil foram marcados por: Jairzinho, Paulo César Caju e Rivellino. Anotaram pela Seleção Gaúcha: Tovar, Carbone e Claudiomiro.
Os comentaristas esportivos do restante do país não perdoaram os gaúchos e criticaram o resultado do jogo e as vaias. O protesto não surtiu efeito. O desprezo ao futebol gaúcho continuou nas convocações seguintes. Ainda hoje, são atribuídas ao futebol no Rio Grande do Sul características diferentes do resto do país: mais virilidade que habilidade e mais força que malícia.
Essa não foi a última vez que o Selecionado Gaúcho enfrentou a Seleção Brasileira. Em 1978, o último jogo preparatório da equipe antes da Copa na Argentina foi justamente contra o time gaúcho, novamente no Beira-Rio, jogo que terminou empatado em 2 X 2.
Outra vez o clima foi hostil à Seleção Brasileira, mas um pouco menos que no jogo anterior, devido à não-convocação do meia colorado, catarinense, de nascimento, Paulo Roberto Falcão, alegadamente, por estar, então, em fase final de recuperação de uma lesão de alguma gravidade.
Até hoje existe uma desconfiança dos homens que mandam no futebol brasileiro, em relação ao futebol gaúcho, embora o clube de futebol mais antigo do Brasil, em atividade, esteja em território sul-riograndense, o Sport Club Rio Grande, da cidade portuária de Rio Grande.
O Rio Grande do Sul é o primeiro Estado brasileiro com mais clubes centenários, 16 ao todo (junto com São Paulo) : Internacional, Grêmio, São José e Cruzeiro (Porto Alegre), Rio Grande, São Paulo e Rio-Grandense (Rio Grande), Brasil e Pelotas (Pelotas), 14 de Julho e Grêmio Santanense (Santana do Livramento), Novo Hamburgo (Novo Hamburgo), Lajeadense (Lajeado), Santa Cruz (Santa Cruz do Sul), Riograndense (Santa Maria) e Guarany (Bagé),
O futebol gaúcho tem quatro conquistas da Taça Libertadores da América (duas do Grêmio e duas do Internacional, dois títulos mundiais interclubes (um do Grêmio e um do Internacional), cinco campeonatos brasileiros (três do Internacional e dois do Grêmio), seis Copas do Brasil (quatro do Grêmio, uma do Internacional e uma do Juventude, de Caxias do Sul). (Pesquisa: Nilo Dias).
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