quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O "Tremendão da Aerolândia"

O “Calouros do Ar Futebol Clube”, que hoje amarga uma terceira divisão do Campeonato Cearense, já viveu seus momentos de glória. Fundado em 1 de janeiro de 1952, é conhecido como o “time da Base Aérea de Fortaleza”, unidade de elite da Força Aérea Brasileira.

Até então o clube era apenas um despretensioso time de futebol, chamado América. Quando foi oficialmente fundado, mudou o nome para homenagear o conjunto musical da Base Aérea de Fortaleza e os aspirantes a oficial aviador que chegavam todo ano à cidade.

Ascendeu à divisão principal da Federação Cearense de Desportos (FCD) em 1953, vindo, por uma dessas anomalias de nosso futebol, da terceira divisão.

O Comando da corporação dava todo o apoio ao clube. A torcida era formada pelo efetivo da Base e pessoas da população. Os jogadores eram quase todos militares. Vez que outra vinha alguém de fora, principalmente do interior do Estado, desde que não custasse muito dinheiro.

O uniforme do “Calouros do Ar” lembra o do Fluminense F.C., do Rio de Janeiro, camisas com listras verticais em vermelho, verde e branco, calção branco e meias brancas ou verdes. A única diferença do time carioca é que esse tem a cor vinho, em lugar do vermelho.

Seu mascote é o “Tremendão da Aerolândia”. Também é conhecido como o “Tricolor da Base Aérea”. O estádio onde mandava seus jogos era o “Brigadeiro-Médico José da Silva Porto”, que se localizava dentro da Base Aérea e possuía secretaria, lavanderia e vestiários e sua capacidade era para 3 mil expectadores.  O estádio ainda existe, mas hoje é de uso exclusivo de militares.

O primeiro jogo do “Calouros do Ar” como clube profissional, foi no dia 10 de maio de 1953, quando empatou com o Gentilândia por 1 X 1, em jogo válido pelo Campeonato Estadual daquele ano. O clube não conseguiu chegar ás finais da competição.

Em 1954, o “Calouros do Ar” surpreendeu a todos, quando derrotou o Botafogo, do Rio de Janeiro, que foi a Fortaleza participar da festa dos 40 anos de fundação do Ceará Sporting. O diretor do clube alvinegro cearense, Ivonisio Mosca de Carvalho, queria que o “glorioso” se apresentasse com todas as suas grandes estrelas da época, o que não foi possível, por problemas no calendário.

De qualquer maneira o Botafogo, que era treinado por Gentil Cardoso, acabou por jogar duas partidas em Fortaleza. A primeira foi no sábado, 12 de junho, no Estádio Presidente Vargas, contra o “Calouros do Ar”, que venceu por 1 X 0. O time carioca só trouxe de titular o atacante Garrincha. Didi e Nilton Santos não viajaram.

O “Calouros do Ar” tinha um time bem certinho, com muito conjunto, onde pontificavam o goleiro Chico Martins, Zanata e Orlando Ciarlini. O empate em 0 X 0 persistia, até que no segundo tempo o time local fez uma substituição que foi decisiva: saiu o avante Beto e entrou Orlando Ciarlini, que aos 40 minutos marcou o gol que deu a vitória ao time da Base Aérea.

O goleiro Chico Martins fez uma partida memorável, entrando para a história do futebol cearense. A lenda assegura que o goleiro pegou até pênalti, batido por Garrincha, o que não é verdade. O atacante teve, isso sim, um gol anulado porque foi feito com a mão.

Ao término do jogo o goleiro Chico, entre outros presentes, ganhou uma garrafa de uísque e o direito de conversar algum tempo com Garrincha. Seu nome verdadeiro é Francisco Martins de Lima. Jogou pouco tempo no “Calouros do Ar”, pois preferiu seguir a profissão de armador.

Sua paixão pelo mar superou a paixão pelo futebol, o que o impediu de aceitar uma proposta para atuar no Botafogo, do Rio de Janeiro e de defender a Seleção Cearense, que disputava o Campeonato Nacional da época. Suas constantes viagens de navio o impediam de dedicar mais tempo ao futebol.

Hoje, aposentado, ele dedica a maior parte do seu tempo ao “Iate Clube de Fortaleza”, localizado na Praia do Mucuripe, que já dirigiu por muitos anos até virar sócio benemérito. Inclusive a sede social, que foi toda reformada em uma de suas gestões, leva o nome de “Comodoro Francisco Martins de Lima”. “Comodoro” é um título dado ao mais velho capitão ativo, em uma companhia de navegação.

Esse triunfo sobre o Botafogo é considerado o maior feito da história do clube, somente comparado ao título estadual de 1955. Orlando Ciarlini saiu de campo como um verdadeiro herói, e seu gol é lembrado até hoje pelos torcedores mais antigos.

O “Calouros do Ar” venceu com: Chico Martins - Pedrinho e Azevedo – Jandir - Helder (Zanata) e Índio – Luciano – Zezinho - Beto (Orlando Ciarlini) - Nelsinho e Zuzinha. Botafogo: Pianoswisky - Gerson e Floriano - Arati, Bob e Juvenal – Garrincha – Dino – Carlyle - Paulinho e Vinícius. Juiz: José Tosta, da Federação Cearense de Desportos (FCD).

No dia seguinte, domingo, com a festa dos 40 anos perdendo seu brilho pela vitória do “Calouros do Ar”, na véspera, o Botafogo conseguiu a reabilitação, derrotando o aniversariante Ceará Sporting, por 2 X 0.

Após esse feito o clube começou a ser mais respeitado, e provou sua qualidade no Estadual de 1955, quando tinha apenas três anos de existência e conquistou outro feito histórico: foi campeão cearense. Sua equipe era formada, na maioria, por elementos do efetivo da Base Aérea de Fortaleza.

O Ferroviário ganhou o primeiro turno invicto. No returno, a surpresa, ficou com o “Calouros do Ar”, que chegou em primeiro. Na decisão do Campeonato, o time da “Base Aérea” ganhou a primeira partida por 2 X 0 e perdeu a segunda por 3 X 0, o que provocou um terceiro jogo.

A grande finalíssima só ocorreu no dia 11 de março do ano seguinte, e o “Calouros do Ar” repetiu o escore do primeiro jogo, 2 X 0, gols de Zezinho e Zuzinha, se sagrando campeão cearense. É o único título de expressão do clube em toda a sua existência.

O “Calouros do Ar” foi campeão jogando com Jairo - Pedrinho e Coité – Luciano - Jandir e Jesus - Edilson Araújo – Zezinho – Beto - Hélder e Zuzinha.

O ano de 1955 foi o de “ouro” para o “Calouros do Ar”, que conquistou os três títulos disputados pelos clubes da Divisão Principal cearense, uma verdadeira “tríplice coroa”. Orientado pelo treinador Paulo Salgueiro, o time ganhou o “Torneio Preparatório”, o “Torneio Início” e o “Estadual”.

A campanha do time, no campeonato de 1955: Calouros do Ar 1 X 1 Ceará; Calouros do Ar 0 X 0 Ferroviário; Calouros do Ar 1 X 2 América; Calouros do Ar 1 X 1 Nacional; Calouros do Ar 2 x 2 Fortaleza; Calouros do Ar 1 X 0 Usina Ceará;  Calouros do Ar 4 X 0 Gentilândia;  Calouros do Ar 4 X 2 Ceará; Calouros do Ar 3 X 0 Fortaleza;  Calouros do Ar 2 X 2 Ferroviário; Calouros do Ar 3 X 2 América; Calouros do Ar 0 X 1 Usina Ceará; Calouros do Ar 2 X 0 Ferroviário; Calouros do Ar 0 X 3 Ferroviário e Calouros do Ar 2 X 0 Ferroviário.

Foram 15 jogos, com sete vitórias, cinco empates e três derrotas. O ataque marcou 26 gols e a defesa sofreu 16 gols.

Os mais antigos contam que o segredo do sucesso daquela equipe era sua homogeneidade. Ela era toda integrada por jovens com idades entre 18 e 24 anos e sem nenhuma “estrela” no grupo. Outro fato que deve ser levado em conta é que durante todo o Campeonato foram utilizados apenas 13 jogadores, o que significa dizer que manteve quase sempre a mesma formação.

O grupo tinha: Jairo (goleiro), 23 anos; Pedrinho (zagueiro-direito), 22 anos; Coité (zagueiro-central), 21 anos; Luciano (médio-direito), 22 anos; Jandir (centro-médio), 23 anos; Jesus (médio-esquerdo), 24 anos; Edílson (ponta-direita), 18 anos; Zezinho (meia-direita), 22 anos; Beto (centro-avante), 23 anos; Helder (meia-esquerda), 21 anos; Zuza (ponta-esquerda), 28 anos; Azevedo (zagueiro), 25 anos e Vandir (avante), 20 anos.

Dos 13 integrantes do plantel, apenas dois não eram cearenses: o gaúcho Jesus e o potiguar Jairo.

O título do “Calouros doAr” só é comparado ao feito de um outro jovem clube, o “Tramsways”, que ganhou o campeonato de 1940. O “Tramsways” foi fundado em 1933 e era ligado a “The Ceará Tramsways Light”, empresa inglesa fornecedora de luz, força, bondes e ônibus em Fortaleza.

Em 1956 o principal feito do clube foi uma goleada de 6 X 1 sobre o Clube do Remo, de Belém do Pará, em Fortaleza. Foi terceiro colocado no Campeonato Cearense em 1953, 1956, 1960 e 1968. Em 1960, Juarez, atacante da equipe, foi artilheiro do campeonato com 14 gols. Em 1968, o artilheiro foi Célio, com 9 gols.

Nos anos 90 o time tricolor ficou sempre nas últimas posições do estadual. Em 1995 chegou a levar 10 X 1 do Tiradentes, um vexame. Até que no ano de 1998 foi rebaixado para a Segunda Divisão, ficando na antipenúltima posição de seu grupo, sem nenhum ponto, após 44 anos de participações ininterruptas na elite cearense.

Na Segundona não obteve êxito de voltar à elite, tendo chegado perto em 1999 e 2003, quando foi terceiro colocado. Em 2004, após péssima participação no estadual da Segunda Divisão, o clube foi rebaixado para a Terceira Divisão.

Em 2005 o clube foi definitivamente desligado da Base Aérea, o que acelerou mais a sua debacle.  Um ano antes, a equipe já havia caído para a Terceira Divisão do Campeonato Cearense, de onde não saiu mais.

Em 2008 fez uma boa campanha na “Terceirona”, mas acabou por não subir. E em 2009, após uma eliminação precoce o clube se licenciou das competições e ficou suspenso por suspeita de manipulação de resultado, na derrota por 8 Xa 0 para o Tauá, no desfecho da Terceira Divisão de 2008.

Em 2010, não participou de nenhuma competição, por falta de condições financeiras e se licenciou por um ano. Retomou as atividades em 2011, quando assumiu nova diretoria que lançou um projeto para o reerguimento do clube. O ex-jogador Gilberto Alenquer assumiu como presidente e técnico, renovando todas as funções do clube.

Mas a situação da agremiação é muito difícil. O quadro de sócios, que no passado foi bastante expressivo, hoje se resume a apenas 20 pessoas, que na maioria nem assiste os jogos da equipe. Apenas comparecem nas assembleias que definem novas diretorias. É o resultado de anos de maus resultados.

Muitos torcedores recordam com saudade uma partida realizada na década de 1960, reunindo o América, campeão de 1966, e o “Calouros do Ar”, vencedor de 1955, que levou uma grande multidão de torcedores ao “Estádio Presidente Vargas”.

Em âmbito nacional o “Calouros do Ar” chegou a disputar o “Torneio Norte-Nordeste “de 1968 e a 2ª Divisão brasileira em 1971 e 1972, sem conseguir passar da primeira fase.

Nesses últimos dois anos o clube teve a presença de Gildo, maior artilheiro da história do Ceará.

Títulos: Campeão Cearense (1955); Campeão do Torneio Preparatório (1955); Campeão do Torneio Início (1955, 1958, 1968 e 1971).

Competições oficiais disputadas: Campeonato Brasileiro da Série B (1971 e 1972); Campeonato Cearense da Primeira Divisão (1953 a 1998); “Torneio Norte-Nordeste” (1968); Campeonato Cearense da Segunda Divisão (1999 a 2004); Campeonato Cearense da Terceira Divisão (de 2005 até hoje).

O clube tem apenas dois torcedores que se pode dizer “de coração”. Eliseu Alves Feitosa, de 72 anos, que foi massagista e roupeiro do clube. Trabalhou lá de 1965 a 2009. E guarda até hoje a camisa do time.
O outro é o militar reformado da Aeronáutica, Wambar Menescal, considerado o grande baluarte do clube. Ele guarda até hoje fotos, camisas, documentos raros e até o troféu do Campeonato Cearense de 1955, a maior conquista do “Calouros do Ar”.

Tudo o que ele tem sobre o “Calouros do Ar” é bem organizado e conservado, até a partitura do hino e as letras do primeiro e segundo hino do clube. Além da taça de 1955, traz na memória a emoção vivida quando da vitória sobre o Botafogo, do Rio de janeiro, em 1954.

Seu Wambar é o próprio “Calouros do Ar”. A história mais vitoriosa do clube está com ele, em documentos e na memória. (Pesquisa: Nilo Dias) 
  
1955 - Campeão Cearense da Divisão Principal. Em pé: Jairo - Pedrinho - Coité - Luciano - Jandir - Jesus e o major Salgueiro (diretor). Agachados: Porenga (massagista) - Vandir - Zezinho - Beto - Hélder e Zuzinha. (Foto: Acervo de Jurandy Neves)

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