quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O último capítulo da "Enciclopédia do Futebol"

O ex-lateral esquerdo do Botafogo e da Seleção Brasileira, Nilton Santos, morreu na tarde desta quarta-feira, aos 88 anos de idade, na Clinica Bela Lopes, bairro de Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, onde estava internado desde o último sábado em razão de complicações respiratórias.

Na terça, ele havia apresentado uma melhora no quadro de pneumonia que foi diagnosticado na segunda. De acordo com o boletim médico, Nilton morreu em decorrência de pneumonia comunitária, tendo comorbidades a doença de Alzheimer e a insuficiência cardíaca grave.

O ex-craque, que padecia do “Mal de Alzheimer” há cinco anos, vivia na Clínica da Gávea. O Botafogo, desde 2007, quando o presidente era Bebeto de Freitas, arcava com as despesas hospitalares do ídolo. Sua esposa Célia luta contra um câncer no cérebro. Eles, inclusive, tiveram que se separar por conta das doenças no fim de 2012.

O corpo do "Enciclopédia do Futebol" foi carregado para dentro da sede de "General Severiano" ao som do hino do clube e coberto pela bandeira com a "Estrela Solitária". Parentes, amigos e torcedores devem velar Nilton Santos até a zero hora.

Depois, as portas serão reabertas às 7 horas, para receber o público em geral. O ex-lateral-esquerdo deixará a sede alvinegra às 15 horas em um carro aberto do Corpo de Bombeiros, que seguirá em carreata até o cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo, na Zona Sul do Rio, onde será sepultado.

O ex-craque nasceu em 16 de maio de 1925 no bairro carioca da Ilha do Governador. Ganhou o apelido de "Enciclopédia de Futebol", dado pelo ex-narrador esportivo Waldir Amaral, por causa de seus conhecimentos sobre o esporte e por ser completo como jogador, tendo a capacidade de encantar o torcedor.

Enquanto cumpria serviço militar foi descoberto por um oficial da Aeronáutica que o viu jogar na praia e se encantou. Foi levado por ele para jogar no Botafogo em 1948. Sua estréia com a camisa do clube da estrela solitária aconteceu num jogo amistoso contra o América, de Minas Gerais.

No campeonato carioca de 1948, entrou no time numa partida contra o Canto do Rio, em Caio Martins, vencida pelo alvinegro por 4 X 2. Não participou do primeiro jogo do Campeonato, contra o São Cristóvão, o titular foi Nilton Barbosa. O Botafogo ganhou o título daquele ano.

Nilton defendeu o Botafogo por 16 anos. Foi o único time que jogou em toda a carreira, conquistando o Torneio Rio-São Paulo em 1962 e 1964, além do Campeonato Carioca em 1948, 1957, 1961 e 1962. Também vestiu a camisa da Seleção Brasileira, onde foi bicampeão mundial em 1958 e 1962, além de participar das Copas do Mundo de 1950, da qual era o último remanescente, e de 1954. Somente deixou General Severiano em 1964 quando abandonou os gramados.

A direção do Botafogo emitiu nota oficial em que lamenta o falecimento de seu ídolo Nilton Santos, o maior lateral-esquerdo de todos os tempos, “adorado quanto Garrincha e respeitado quanto Pelé”. No Botafogo, disputou 723 partidas, e marcou 11 gols. Na Seleção, fez 84 jogos, marcando 3 gols.

Nilton estreou na seleção no Sul-Americano de 1949. A competição foi realizada no Brasil que acabou campeão. Ainda foi campeão com a camisa “Canarinho” no “Pan-Americano” de 1952. Sua despedida da Seleção ocorreu na final da Copa de 1962, contra a Tchecoslováquia.

Foi o maior responsável pela contratação de Garrincha, depois de tê-lo marcado em um treino do Botafogo e levado um drible entre as pernas. Ficou furioso, mas exigiu que o endiabrado ponteiro-direito fosse contratado e titular da equipe, pois assim, não teria que marcá-lo novamente. Em 1998, em pesquisa realizada pela Fifa foi eleito junto com Garrincha para fazer parte da Seleção Mundial de todos os tempos.

Nilton Santos foi o precursor em arriscar subidas ao ataque através da lateral do campo. Revolucionou a posição de lateral-esquerdo, utilizando-se de sua versatilidade ao defender e atacar, inclusive marcando gols, numa época do futebol que a posição tinha apenas função defensiva.

Até marcou um gol pela Seleção Brasileira, na Copa do Mundo de 1958, contra a Áustria. Ele pegou a bola no campo de defesa e driblou o time adversário inteiro, finalizando com um chute indefensável. O técnico Vicente Feola quase ficou doido com o desenrolar da jogada.

Outra jogada que entrou para a história do futebol foi protagonizada por Nilton Santos na Copa do Mundo de 1962. Ele cometeu um pênalti escandaloso em um jogador da Espanha, que vencia o confronto por 1 X 0. A partida era válida pela última rodada da fase de classificação e decisiva. Quem perdesse, voltava para casa.

Assim que o atleta caiu, ele deu dois passos para frente e saiu da área. O árbitro, que estava longe do lance, apenas marcou a falta, em vez de pênalti. Ao lembrar o lance, Nilton dizia que foi pura malandragem, daquelas que se aprende nas peladas. Depois o Brasil virou o jogo com dois gols de Amarildo.

Nilton Santos, Gilmar, Didi e Zagalo foram os únicos jogadores da Seleção Brasileira que participaram de todos os jogos das Copas do Mundo de 1958 e 1962.

Contam que num jogo amistoso do Botafogo na cidade do México contra o River Plate, da Argentina, Garrincha estava estraçalhando o beque Vairo. Nestor Rossi, o maestro portenho, teria chamado o lateral e aconselhou: “Quer melhorar teu futebol? Então faz o seguinte, aquele ali é o Nilton Santos, beque esquerdo como você. Vai lá perto, disfarça e passa a mão na perna dele. só isso. Passa a mão que naqueles pés está o futebol de todos os beques do mundo".

Nílton Santos era um jogador clássico, elegante, raramente fazia falta e nunca jogou com violência. Começou a carreira como centroavante, mas foi colocado como quarto-zagueiro em um treino e logo em seguida firmou-se na lateral. Encerrou a carreira com os quatro meniscos inteiros, o que prova que tinha bom equilíbrio.

Romântico, não ligava para dinheiro, tinha um espirito amador. Chegou a assinar três contratos em branco, no auge de sua carreira. Mas não se arrependeu e garantia que faria tudo de novo. Agradecido, dizia sempre que tudo o que tinha, tudo o que era, devia ao Botafogo.

Ele fez parte do “Fifa 100”. E foi homenageado no “Prêmio Craque do Brasileirão de 2007”. Foi eleito pela Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol (IFFHS), o nono maior jogador brasileiro do século e o 28º da América do Sul. Em 2000 foi escolhido pela Fifa o melhor lateral esquerdo do mundo em todos os tempos.

Foi escolhido ainda para integrar a seleção da América do Sul de todos os tempos. A enquete foi realizada com cronistas esportivos de todo o mundo. A Seleção foi esta: Fillol (Argentina) - Carlos Alberto Torres (Brasil) – Figueroa (Chile) - Daniel Passarella (Argentina) e Nilton Santos (Brasil) – Maradona (Argentina) - Di Stéfano (Argentina) – Rivelino (Brasil) e Didi (Brasil) – Garrincha (Brasil) e Pelé (Brasil).

Em 2002, Nilton Santos recebeu uma homenagem do apresentador e jornalista Milton Neves. Um tapete vermelho foi estendido para que o eterno botafoguense pudesse participar do "Terceiro Tempo", na TV Record.

Depois de encerrar a carreira, Nilton Santos não se afastou do futebol. Em 1998, tocou um projeto de uma escolinha de futebol em Palmas, Tocantins, para crianças carentes.

Mesmo declarando que nunca sonhou em ser treinador de futebol chegou a treinar o Bonsucesso, modesto clube do subúrbio do Rio de Janeiro. Com seus grandes conhecimentos futebolísticos, montou um time até bom, considerando-se os parcos recursos de que dispunha.

Depois de sete jogos, conseguiu cinco vitórias. A diretoria do Bonsucesso não estava acostumada com aquilo e chegando à conclusão de que, pagando tantos "bichos" por vitória, o clube acabaria falindo, optaram pela solução mais "lógica" e barata. Simplesmente demitiram o técnico que estava causando tanto prejuízo.

Depois passou sem grande êxito pelo Galícia e Vitória, ambos da Bahia e São Paulo, da cidade gaúcha de Rio Grande, onde não conseguiu se adaptar ao frio e pediu para ir embora. O último time que treinou foi o Taguatinga, de Brasília. O próprio Nilton gostava de contar como aconteceu a sua saída do clube gaúcho:

Eu estava acostumado ao calor do Rio de Janeiro, e era duro enfrentar o rigoroso inverno gaúcho. Num domingo, me levaram para visitar a extensa praia do Cassino. O frio era intenso e nem saí do carro. De repente, ví um pinguim morto na beira da praia. Era a desculpa que precisava para romper o contrato: olha, pessoal, se nem pinguim aguenta o frio daqui, o que é que estou fazendo nesta cidade? Arrumou as malas e voltou ao sol da sua “Cidade Maravilhosa”.

Chegou a fazer parte da cúpula do futebol do Botafogo. Mas não durou muito tempo, sendo afastado após dar um soco no ex-árbitro Armando Marques, derrubando-o escada abaixo do Estádio do Maracanã, depois de um jogo em 1971.

Nilton Santos era um verdadeiro especialista em contar passagens divertidas da vida de Garrincha, seu "compadre" e amigo íntimo de muitos anos. Ele garantia que na sua frente Garrincha, um contumaz alcoólatra, nunca havia tomado um gole, pedindo sempre um "copo de água" quando o via.

Em meados da década de 1990, o ex-lateral esquerdo estabeleceu residência em Brasília e marcou época na cidade. Como coordenador de um projeto de iniciação ao futebol para crianças, Nilton Santos ensinou os segredos da bola e dos gramados a mais de mil aprendizes.

Esforçou-se o quanto pode para manter a iniciativa, mesmo nas condições mais adversas, mas foi obrigado a abandonar o programa quando deixou de ter um local para abrigar os meninos.

Na passagem pela cidade, foi ainda treinador do Taguatinga, mas a nova experiência como técnico de futebol também não foi bem-sucedida. Contratado como colunista do jornal “Correio Braziliense”, Nilton Santos revelou talento com as palavras, comentando temas esportivos e revelando histórias curiosas dos tempos de jogador. Conquistou leitores assíduos e acabou agraciado com o título de cidadão honorário de Brasília, em 1997.

De volta ao Rio de Janeiro, Nilton Santos fixou residência na cidade de Araruama, onde escreveu e lançou, em 1998, uma autobiografia de muito sucesso, intitulada “Minha Bola, Minha Vida”, pela editora Gryphus, na qual contou detalhadamente todos os passos da vitoriosa carreira.

Ele também foi homenageado no “Cantinho da Saudade”, em dezembro de 1999, no “Museu dos Esportes Edvaldo Alves de Santa Rosa – Dida”, que fica localizado no Estádio Rei Pelé, em Maceió.

Nilton Santos é nome de estádio. Fica em Palmas, Tocantins, onde morou entre 1999 e 2000, quando desenvolveu um projeto social com jovens através do futebol. Tem capacidade para receber até 8 mil torcedores.

Foi inaugurado no dia 12 de outubro de 2000. O primeiro gol no estádio foi marcado pelo atacante Malzone, que nesta ocasião jogava pela Seleção Brasileira Sub-17, no amistoso Seleção Brasileira Sub-17 2 X 2 Seleção Tocantinense Sub-20, que inaugurou a praça de esportes.

Títulos. Torneio Rio-São Paulo: (1962 e 1964); Taça dos Campeões Estaduais Rio-São Paulo (1961); Campeonato Carioca (1948,1957,1961 e 1962); Torneio Início Carioca (1961, 1962 e 1963); Torneio Municipal de Futebol do Rio de Janeiro (1951); Torneios Internacionais. 6º Torneio Pentagonal do México (1958); Torneio Internacional da Colômbia (1960); Torneio Internacional da Costa Rica (1961); 6º Torneio Pentagonal do México (1962); Torneio Jubileu de Ouro da Associação de Futebol de La Paz (1964); Torneio interclubes do Suriname (1964); Torneio Governador Magalhães Pinto (1964); Torneio Triangular de Porto Alegre (1951); Seleção Brasileira. Copa do Mundo (1958 e 1962); Campeonato Sul-Americano (1949); Taça Oswaldo Cruz (1950, 1955, 1956, 1958, 1961 e 1962); Copa Rio Branco (1950); Campeonato Pan-Americano (1952); Taça Bernardo O'Higgins (1955, 1959 e 1961) e Taça do Atlântico (1956 e 1960).

Um amigo de Nilton Santos, Damásio Desidério,autor de um enredo na Escola de Samba Vila Isabel, em 2002, que homenageou o ex-craque, ganhou de presente todo o acervo de relíquias juntadas por ele em toda a carreira. Agasalhos, chuteiras e as camisas das finais da Copa de 1958 e de 1962, utilizadas por Nilton Santos, integram uma lista de quase duas dezenas de peças de valor histórico.

Para ajudar o amigo, Desidério resolveu colocar o acervo à venda, mas pelo que sei não encontrou interessados até hoje. Nem o Botafogo, e muito menos a CBF mostraram interesse em adquirir esse verdadeiro tesouro do futebol brasileiro. (Pesquisa: Nilo Dias)


Um louco chamado Heleno

Heleno de Freitas talvez tenha sido o mais polêmico jogador do futebol brasileiro até hoje. Um verdadeiro craque que maravilhava multidões. Mas sofria de uma doença que foi diagnosticada tarde demais, paralisia geral progressiva, também conhecida como neurossífilis ou sífilis terciária, que não tem cura e o tratamento apenas impede o avanço, sem dar fim às sequelas.

Essa doença, contraída possivelmente por seu envolvimento com prostitutas, foi a grande culpada pelas atitudes amalucadas que tomava dentro e fora de campo. A sífilis é um mal silencioso. Na primeira fase, aparecem pequenas feridas, que somem em três semanas. Pouco tempo depois, a manifestação é uma alergia no corpo, que igualmente desaparece.

O paciente perde peso, apresenta fortes dores musculares e passa a caminhar como se estivesse perdendo o equilíbrio. As principais manifestações psiquiátricas são mania de grandeza, discurso sem nexo e confusão entre fantasia e realidade – sintomas apresentados por Heleno.

Heleno nasceu em São João Nepomuceno (MG), no dia 12 de fevereiro de 1920. Tinha sete irmãos. Aos sete anos de idade já jogava futebol no segundo time do infantil do Mangueira, de sua cidade natal. Em 1933, quando tinha 11 anos, sua família se mudou para o Rio de Janeiro.

No Rio foram morar no Posto 6, localizado no canto direito da Praia de Copacabana, e que na época recém começava  a ser povoado. Hoje é uma área nobre, repleta de construções.

Foi um pouco adiante de onde morava, no Posto 4, que Heleno começou a mostrar seu futebol refinado, no time de praia do famoso “Neném Prancha”, roupeiro do Botafogo, onde jogavam várias pessoas ligadas ao alvinegro carioca. De cara se destacou e em 1935, aos 15 anos já estava fazendo sua primeira partida oficial pelo “Glorioso”.

Os estudos e o trabalho, que ele conheceu cedo, não permitiam uma dedicação total ao futebol. Nessa época cursava o Ginasial no Colégio São Bento e trabalhava na firma Hime & Companhia. Depois obteve o bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Era considerado membro da alta sociedade, com amigos empresários, juristas e diplomatas. Seu pai era dono de um cafezal e ainda cuidava de negócios de papel e chapéus. Chegou uma hora em que a irregularidade no comparecimento aos treinos fez com que Heleno deixasse o clube, ficando apenas no time de praia, a título de recreação.

Em 1938, porém, alguns amigos decidiram levá-lo para o Fluminense, dono de uma equipe forte, onde teria maiores possibilidades de progredir na carreira. Foi para o tricolor sem contudo abandonar o Botafogo. Isso era possível, porque alguns clubes já haviam adotado o profissionalismo, exemplo do Fluminense e outros não, caso do Botafogo.

Durante algum tempo Heleno viveu a curiosa experiência de jogar nos dois times. Em 1940 ele integrou-se totalmente ao Botafogo. Mas sua estada no Fluminense foi importante, visto que o treinador uruguaio Carlomagno descobriu que ele não era centro-médio, posição em que se apresentou no clube, e sim centro-avante.

Ainda em 1940 ele seguiu para sua primeira experiência internacional, uma viagem do Botafogo ao México. Era reserva de Carvalho Leite, artilheiro do clube, e chegou a entrar no time algumas vezes. Nesse mesmo ano conquistou a titularidade nas disputas do Campeonato Carioca, com o time perdendo o título na última rodada.

Com seu 1,82m de altura não demorou a se tornar o maior ídolo botafoguense, antes de Garrincha, mesmo tendo sido campeão pelo clube uma única vez, em 1935. Heleno começou a ser considerado o mais clássico e o mais elegante dos centro-avantes do futebol carioca e brasileiro. Era dono de grande habilidade e excelente cabeceio.

De 1940 a 1947 suas atuações no Botafogo o levaram a uma ascensão enorme. Todos concordavam que se tratava de um craque. Virou celebridade em todo o país. Sua carreira chegou ao auge em 1945, quando foi artilheiro com 6 gols e o grande cartaz do Campeonato Sulamericano disputado no Chile, embora o Brasil não tenha sido campeão.

E não foi pouca coisa, pois se destacou num ataque que tinha Tesourinha, Zizinho, Jair e Ademir, craques notáveis. Ao todo fez 18 partidas pela Seleção Brasileira, tendo ainda disputado e ganho a Copa Roca, em 1945 e a Copa Rio Branco, em 1947. Heleno nunca jogou uma Copa do Mundo, pois as competições de 1942 e 1946 foram canceladas devido a Segunda Guerra Mundial.

E na Copa do Mundo de 1950, mesmo já sofrendo de sífilis, Heleno foi cortado pelo técnico Flávio Costa. Para muitos torcedores e jornalistas de todos os países da época, isso foi crucial para a perda da Copa, pois Heleno era ainda um dos principais jogadores brasileiros.
Ele foi o inventor da jogada “domínio no peito”, também chamada de “matada no peito”. E ficou conhecido pelo seu jeito clássico em campo, pelo seu futebol arte e jeito provocador de jogar. Heleno de Freitas, por exemplo, quando ficava cara a cara com o goleiro levantava a bola para ele mesmo cabecear.

Depois da consagração começou também o seu fim. A sífilis já lhe destruia o sistema nervoso. A torcida já o via como um jogador indisciplinado, irascivel e mal comportado.

Heleno foi Deus e diabo. Deus no trato da bola, demônio no trato com os homens. A grande explosão veio em 1947. No ano anterior um filme fez grande sucesso na cidade, “Gilda”, em que a atriz Rita Hayworth desempenhava o papel de uma mulher temperamental e voluntariosa.

Foi o que bastou para os torcedores do Fluminense e seus amigos do “Clube dos Cafajestes” verem uma semelhança entre “Gilda” e ele. Não deu outra. Nos pequenos estádios do Rio, ainda não havia o Maracanã, a platéia gritava “Gilda”, “Gilda”, “Gilda”, o que levava Heleno a loucura. Aos poucos essa atmosfera começou a insdispô-lo também com os companheiros, técnicos, dirigentes, adversários e juízes.

Deixou General Severiano em 1948, quando foi vendido ao Boca Juniors, da Argentina, na maior transação do futebol brasileiro até então. O presidente recém eleito, Carlito Rocha ainda tentou mantê-lo no clube, mas Heleno era homem de palavra e honrou o compromisso assumido com a equipe argentina. Na sua passagem pelo Botafogo marcou 209 gols em 235 partidas, tornando-se o quarto maior artilheiro da história alvi-negra.

Heleno chegou a conquistar um Campeonato Carioca em 1935, ao contrário do que é divulgado. Poucos sabem, mas Heleno fez uma partida pelo clube quando tinha somente 15 anos. Não se sabe, mas é provável que Heleno tenha sido o jogador mais jovem a estrear no Botafogo desde que um grupo de garotos fundou o clube. E ainda o atleta mais jovem a ser campeão de algum torneio profissional, recorde que dificilmente será batido algum dia.

No Boca Juniors não teve o sucesso esperado, pois as outras vedetes do clube o boicotaram. Por isso voltou ao Brasil para jogar no Vasco da Gama, onde foi campeão carioca de 1949. O time cruzmaltino era chamado de “Expresso da Vitória”.

Ainda vestiu às camisas do Atlético Junior, de Barranquilla, da Liga Pirata da Colômbia, Santos e América carioca, onde encerrou a carreira. Jogou apenas menos de um tempo pelo clube de Campos Sales, tendo sido expulso aos 35 minutos do primeiro tempo, após acertar um carrinho violento em um zagueiro adversário.

Heleno de Freitas foi homenageado em Barranquilla com uma estátua com a seguinte frase "El Jogador", pela sua passagem pela Colômbia, onde foi ídolo nacional. Em 2012 ganhou uma estátua em São João Nepomuceno, sua cidade natal.

Ainda tentou, depois, voltar aos campos pelo Flamengo por indicação do técnico Kanela, do time de basquete, mas se desentendeu com os jogadores do rubro-negro num jogo-teste e acabou dispensado.

Advogado, boêmio, catimbeiro, boa vida, irritadiço, galã, Heleno era um homem quase intratável. Depois de 11 anos jogando futebol, entrou para a história como um dos maiores jogadores sul-americanos e também o primeiro "craque problema" do futebol brasileiro.

Sua vida foi marcada por vícios em drogas como lança-perfume e éter. Isto o fez tentar se auto-eletrocutar num treino do Botafogo. Boêmio, era frequentador de diversas boates do Rio de Janeiro.

Até hoje é reconhecido como o primeiro e o maior gênio romântico do futebol por ter sido estrela, bonito, rico, vaidoso, elegante, boa família, formado, mulherengo, festeiro, temperamental e a amar de verdade um clube no Brasil. Heleno  é considerado o maior ídolo do Botafogo pré-Mané Garrincha.

Heleno foi casado com Ilma, que conhecia muito bem os seus problemas com drogas e mulheres. Mesmo assim o aceitou como marido. Teve um filho apenas, Luiz Eduardo, que nunca soube o que é amor paterno.

A mãe, depois de se separar de Heleno, com pouco mais de três anos de união, casou-se com João Emídio Resende da Costa, sobrinho do ex-governador mineiro Israel Pinheiro. O padrasto não permitia que se fizesse qualquer menção ao nome do ex-jogador. Luiz Eduardo era matriculado em escolas onde não se praticava o futebol.

Quando tomou ciência de quem era filho, o garoto passou a perguntar aos outros se conheciam o centroavante do Botafogo. Teve um choque quando um taxista lhe respondeu: “Qual? Aquele que morreu louco”?

Pai de cinco filhas, Camila, Bianca, Joanna, Danuza e Mariah, Luiz Eduardo mora no Leblon, no Rio de janeiro e torce pelo Fluminense. Separado da única mulher, trabalha como corretor de imóveis e gosta de passar o tempo com o neto mais novo, Matheus Amado Pimenta D’Aguiar.

O filho de Heleno se lembra pouco do pai. Nascido em 1949, ano em que Heleno voltava ao futebol brasileiro, teve o último contato com ele em Barranquilla, em 1951. Sua mãe estava em Chicago, junto com os avós maternos e passaram pela Colômbia. Tinha pouco mais de dois anos, mas lembra dos gritos de “arriba, arriba” no estádio. Talvez seja sua única memória bem distante do pai.

Luiz Eduardo conheceu São João Nepomuceno aos 14 anos e ficou impressionado com o quanto Heleno era querido por lá. Foi bem recebido na cidade e levado para jogar uma pelada. No primeiro passe que recebeu, se enrolou todo com a bola. Alguns gritaram: “É mentira! Esse perna de pau aí não é filho do Heleno”.

Segundo o ex-goleiro Danton, Heleno, quando já estava internado em um sanatório, em Barbacena (MG), costumava assistir, acompanhado do médico doutor Tollendal, os jogos do time local do Olympic. E nos seus delírios megalomaníacos contava que teve envolvimentos amorosos com várias mulheres bonitas, incluindo um caso nunca comprovado com Eva Peron, no período em que ele jogou na Argentina.

Segundo a sobrinha do jogador, Helenize de Freitas, Heleno contava muitos casos já durante o período que morou em São João Nepomuceno, entre 1952 e 1954, antes de se internar em definitivo. Ele contava que era amigo do Víctor Mature, ator de “Sansão e Dalila”. Como ele convivia com muitos artistas nos tempos de glória do Rio, os parentes não duvidavam. Depois viram que já era efeito da doença.

Heleno de Feitas deu entrada na Casa de Saúde São Sebastião em 19 de dezembro de 1954. Cinco anos depois o médico José Theobaldo Tollendal diagnosticou que ele sofria da doença conhecida por “paralisia geral progressiva”, após exames feitos na Casa de Saúde Santa Clara, em Belo Horizonte, um mês antes de sua morte.

Heraldo de Freitas, irmão do ex-jogador foi quem custeou às despesas hospitalares. Heleno morreu no dia 8 de novembro de 1959, com apenas 39 anos de idade. Hoje é nome de rua em São João Nepomuceno. Uma ruazinha tranquila, bem diferente de sua vida atribulada.

Títulos. Seleção Brasileira, Copa Roca: (1945); Copa Rio Branco: (1947). Botafogo: Campeonato Carioca (1935); Torneio Inicio do Campeonato Carioca: (1947); Campeonato Carioca de Aspirantes: (1944 e 1945); Campeonato Carioca de Amadores: (1943 e 1944); Copa Burgos, disputada no México: (1941); Taça Prefeito Doutor Durval Neves da Rocha (1942). Pelo Vasco da Gama. Campeonato Carioca: (1949); Campeonato Carioca de Aspirantes: (1949). Pelo Santos. Taça Santos: (1952); Torneio FPF: (1952); Quadrangular de Belo Horizonte: (1951). Foi artilheiro da Copa América: (1945) e do Campeonato Carioca: (1942).

Sua vida é retratada no filme “Heleno, o principe maldito”, do diretor José Henrique Fonseca e estrelado por Rodrigo Santoro que faz o papel título. No filme, o diretor relembra a atmosfera dos anos 1940, usando fotografia em preto e branco que evoca os clássicos filmes de Hollywood.

No elenco, além de Santoro, estão Alinne Moraes, no papel de Ilma, Angie Cepeda, que vive Diamantina, uma vedete amante do jogador no auge da carreira, e Othon Bastos, interpretando Carlito Rocha, o mítico e supersticioso dirigente alvinegro.

A vida do ex-jogador também é contada no livro “Nunca houve um homem como Heleno” , Editora Jorge Zahar, R$ 44,00, lançado em 2006. Marcos Eduardo começou as pesquisas sobre Heleno em 2002, logo depois de lançar “Anjo ou Demônio”, biografia do polêmico “Renato Gaúcho”. (Pesquisa: Nilo Dias)

Heleno de Freitas morreu louco. (Foto: Acervo fotográfico do Botafogo F.R.)