segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Uma lenda inglesa

Brian Howard Clough, considerado por muitos o melhor técnico de futebol de toda a história, nasceu em Middlesbrough, Inglaterra, no dia 21 de Março de 1935 e faleceu em Derby, também Inglaterra, em 20 de Setembro de 2004.

Era o sexto de nove filhos de uma família de classe trabalhadora. Na escola mostrou-se um aluno brilhante, embora sua atenção estivesse sempre mais voltada para os esportes, especiamente o futebol, do que para os livros.

Aos 15 anos Brian abandonou a escola para trabalhar em uma indústria quimica e depois tentou a sorte nos gramados, além de ter jogado uma prtida ou outra de criquete.

Foi jogar no Billinghan Synthonia, um pequeno clube local. Em 1953 foi obrigado a parar com o futebol, para cumprir dois anos de serviço militar obrigatório na Força Aérea Real.

Em 1955, livre para voltar aos gramados, assinou contrato com o Middlesbrough F.C., de sua cidade natal. Rapidamente conquistou a torcida, graças a seu futebol envolvente. Era um atacante habilidoso e nos seis anos que esteve no clube, marcou 197 gols em 213 partidas.

Porém na mesma medida em que era artilheiro, Clough também era problemático. Ele sempre tinha atritos com seus colegas de clube, e vivia pedindo para ser transferido.

Até que o Middlesbrough cedeu aos pedidos do seu atacante, e ele foi vendido ao Sunderland, em 1961. Nesse clube marcou mais 54 gols, em 61 jogos. Nos dois times que atuou, Clough marcou um total de 251 gols em 273 jogos disputados, numa fabulosa média de 0,92 gols por jogo.

No final de 1962, quando tinha 27 anos de idade, sua carreira de jogador foi interrompida por uma grave lesão em um dos joelhos. O lance que abreviou sua carreira aconteceu num jogo frente o Bury, pelo “Boxing Day”, disputado sob muita chuva e frio.

Ele chocou-se com o goleiro adversário, Chris Harker e rompeu os ligamentos do joelho. Em 1964, Clough ainda tentou voltar a jogar, mas não suportou as dores, atuando em apenas três partidas, e aposentando-se aos 29 anos e com dois jogos pela seleção inglesa.

Com a carreira de jogador chegando ao fim precocemente, em 1965, Clough, com 30 anos de idade tornou-se treinador. Seu primeiro clube na nova função foi o Hartlepool United, da 4ª Divisão. Dessa maneira, ele tornou-se o técnico mais jovem da Liga de Futebol. Desde o começo já mostrou a mesma ambição, obsessão e habilidade que o caracterizaram nos tempos de jogador. A permanência de Clough no Hartlepool foi curta e um oitavo lugar como melhor posição.

Foi lá que ele conheceu o auxiliar técnico Peter Taylor, que viria a ser o seu parceiro inseparável por muitos anos. Em 1967, os dois se mudaram para o Derby County, da Segunda Divisão. Foram tempos de glórias. Dois anos depois, o time subiu para a elite inglesa, após mais de 10 anos amargando uma divisão inferior.

Quando chegou ao Derby, Clough colocou ordem na casa ao reestruturar por completo o elenco do time e montar uma base que renderia frutos muito em breve. Chegaram jogadores como Roy McFarland, John O’Hare, Alan Hilton e John McGovern.

Além dos reforços, Clough fez uma faxina no quadro administrativo do Derby ao demitir secretária, jardineiro e, diz a lenda, até duas senhoras que serviam chá por rirem após uma derrota do Derby. O estilo centralizador e ao mesmo tempo sarcástico de Clough conquistou a todos no clube.

Na sua primeira temporada pelo Derby, o time ficou no meio da tabela. Porém, o elenco da agremiação estava em um completo processo de reformulação.

Para a temporada seguinte, Clough manteve no clube apenas quatro jogadores que já estavam lá antes da sua chegada, e realizando uma série de contratações, entre as quais dois jogadores do Hartlepool: o goleiro Les Green e o jovem meia John McGovern, que o acompanhou em quase todas as suas mudanças de clube.

E as mudanças funcionaram. Em 1968/69, o Derby County conseguiu o título da “Segunda Divisão”, com direito a uma série invicta de 22 jogos. Em 1972, o clube ganhou o campeonato principal, de forma dramática, com um elenco cheio de jogadores quase desconhecidos, com exceção de Archie Gemmilli, meia da seleção escocesa.

Em uma disputa ferrenha com Leeds United, Liverpool e Manchester City, o Derby superou seus rivais por apenas um ponto, conquistando seu primeiro título inglês, com uma vitória por 1 X 0 sobre o Liverpool no último jogo.

A equipe do Derby venceu 24, empatou 10 e perdeu apenas oito dos 42 jogos disputados, com 69 gols marcados e 33 sofridos. Na campanha do título inédito, o time derrotou equipes como Liverpool (1 X 0 em casa), Manchester City (3 X 1 em casa), e os dois clássicos contra o Nottingham Forest por 4 X 0 (em casa) e 2 X 0 (fora).

A festa foi enorme na cidade e todo o elenco desfrutou de merecidas férias, com Clough aproveitando o sossego nas Ilhas Scilly (ou Sorlingas), na península de Cornualha, Inglaterra.

Com o título, Brian Clough ficou ainda mais famoso na Inglaterra, não só por conseguir levar uma equipe mediana ao topo do futebol do país, mas também pelo jeito ácido de tratar a imprensa e se recusar a responder perguntas tolas, além de sempre exigir que fosse chamado de “Mr. Clough”.

Em 1973, o Derby chegou às semifinais da Copa da Europa, mas acabou perdendo para a Juventus, da Itália, que tinha no time monstros sagrados como Dino Zoff, Franco Causio, José Altafini, Fábio Capello e Roberto Bettega.

Nesse mesmo ano Clough e Taylor pediram demissão do clube, depois de muita tensão e conflitos com o conselho de administração do Derby. Com o sucesso no comando do time, Clough pediu aumento salarial, não sendo atendido.

Também queria que o clube permitisse que ele levasse sua família em uma viagem de pré-temporada à Holanda e Alemanha Ocidental, ou a contratação de David Nish, por $225, 000, valor recorde a época, sem o consentimento da diretoria.

Resolveu então demitir-se. Embora o Derby tenha novamente ganho o campeonato inglês em 1975, a saída de Clough é apontada até hoje como péssima pela torcida, havendo quem diga que, caso o treinador tivesse continuado, o Derby teria sido o melhor time da década, não o Liverpool.

Os torcedores do clube protestaram e os jogadores ameaçaram greve, mas de nada adiantou, os dois foram embora. Ele comandou o Derby County em 289 jogos com 135 vitórias, 70 empates e 84 derrotas.

O novo destino foi o Brighton, mas a passagem foi curta, visto que o clube se encontrava mergulhado na terceira divisão inglesa. Foi aí que Clough fez a jogada mais polêmica e memorável de sua carreira.

Em julho de 1974, ele deixou o Brighton para assumir o comando técnico do Leeds United, da Primeira Divisão, substituindo o seu desafeto, Don Rivie, que foi comandar a seleção inglesa. A decisão de Clough foi contra os desejos de seu assistente Peter Taylor, que não o seguiu em seu novo posto.

Durante a primeira reunião em sua nova equipe, Clough teria se indisposto com os jogadores ao dizer: “Vocês todos podem jogar suas medalhas no lixo, porque não foram conquistados de forma justa". Depois de 44 dias de confrontos constantes com os jogadores e diretores, e um recorde impressionante de apenas uma vitória em seis jogos, Clough renunciou ao cargo.

Os jogadores, que permaneceram fiéis ao antigo treinador, o boicotaram, não havendo clima para a sua permanência. Apesar de rápido, o período de Brian Clough no Leeds United ficou marcado no futebol inglês, e rendeu até um filme, o excelente “Maldito Futebol Clube” (The Damned United, em inglês). 

De setembro até dezembro, Brian Clough ficou sem trabalhar e fez apenas suas aparições na mídia como comentarista. Depois, em janeiro de 1975, o treinador voltou à ativa para seu quinto clube na carreira – e que também seria o último: o Nottingham Forest, que se encontrava na segunda divisão.

Encontrou um território hostil e pouco convidativo. Ele assumia o rival do time em que ele tivera maior sucesso até então, o Derby County e pegava um clube na segunda divisão e com graves problemas financeiros. Além disso, o Forest nunca havia conquistado um campeonato nacional e ostentava apenas duas “FA Cup” como principais títulos, além de troféus de divisões inferiores.

A ascensão meteórica começou na temporada seguinte. O time foi promovido à primeira divisão depois de ter sido terceiro colocado, com um ponto de diferença sobre o Bolton Wanderers e o Blackpool.

Em 1977/78, também com um elenco de nomes modestos, cujos únicos astros eram o goleiro da Seleção Inglesa Peter Shilton e Archie Gemmill, ex-Derby, que chegaram naquela temporada, o Nottingham ganhou seu único título no campeonato inglês, sete pontos à frente do Liverpool.

Clough optou por um estilo de jogo baseado em manter a bola no chão, priorizando dribles e passes curtos ao invés de bater bolas longas pelo ar. Certa vez, ele disse: "Se Deus nos queria jogando futebol nas nuvens, ele teria colocado grama lá em cima".

O clube também ganhou a sua primeira Copa da Liga Inglesa. Em 1978/79 o Nottingham teve uma invencibilidade de 42 jogos no Campeonato Inglês, que só foi superada mais de 20 anos depois, pelo Arsenal.

No Nottingham, Clough foi ainda mais longe, conquistando com o clube um extraordinário bicampeonato na Copa dos Campeões Europeus (atual Liga dos Campeões da UEFA).

Foi o primeiro clube a vencer uma semifinal do torneio na casa do adversário, 1 X 0 sobre o Colônia, que conseguira empatar em 3 X 3 na Inglaterra. Depois disso, Clough chegou a ser procurado pelo Derby para voltar ao time, mas recusou.

O Nottingham Forest, sob o comando de Clough ganhou uma incrivel quantidade de títulos: promoção para a Primeira Divisão em 1977; campeão da Primeira Divisão em 1978; quatro vezes vencedor da Taça da Liga e duas vezes campeão da Copa Europeia. Clough ficou no clube por 18 anos, aposentando-se em 1993, como talvez a figura mais amada na história.

Um fato pouco conhecido é o de que logo após ter assumido o Forest, Clough poderia ter deixado o clube, já que chegou até a ser entrevistado para assumir nada menos do que o “English Team”, outra vez no lugar de Don Revie, mas o negócio acabou não se concretizando.

No final do seu período no Nottingham Forest, Clough enfrentou problemas sérios de alcoolismo, necessitando passar por um transplante de fígado em 2003. Um ano depois, não resistiu a um câncer no estômago e faleceu aos 69 anos.

Um fato liga até hoje as equipes do Derby e do Nottingham.E que ambas nunca se recuperaram totalmente depois que ele as deixou. Em decadência, a disputa maior dos dois clubes tem sido pelo apoio de Clough como torcedor, mesmo anos após a sua morte.

Desde 2007, os dois times disputam um amistoso anual que leva o seu nome. Clough virou estátua, tanto em Derby quanto em Nottingham, distantes apenas 20 quilômetros uma da outra, assim como dá nome a estrada que liga as duas cidades. Há uma estátua também na sua cidade natal de Middlesbrough.

Na década de 1980 as conquistas não passaram de um novo bi-campeonato na Copa da Liga, em 1989 e 1990. Em 1982, Peter Taylor se aposentou e Clough se viu abandonado e sem o homem que tanto o ajudou a montar elencos, apontar bons nomes para contratar e o porto seguro nos momentos mais difíceis e decisivos.

Em 1993, após 18 temporadas comandando a equipe, Clough decidiu sair. Comandou o Nottingham Forest em 907 jogos com 411 vitórias, 246 empates e 250 derrotas.

O clube foi rebaixado na “Premier League”, que estava em sua primeira edição. Chegou a voltar em 1999, mas novo rebaixamento veio em seguida, e outro mais tarde, levando o clube à terceira divisão.

Clough era dono de uma personalidade forte. Costumava utilizar frases de efeito e polêmicas, como: "Posso não ser o melhor técnico do futebol, mas estou no primeiro lugar do ranking geral". Sobre a participação do Manchester United no primeiro Mundial de Clubes da FIFA, disputado em 2000 no Brasil, comentou: “Espero que peguem uma diarreia”.

Outra ocasião, falando sobre o excesso de jogadores estrangeiros no futebol britânico: “Se eu não consigo soletrar espaguete em italiano, como vou pedir para um jogador italiano pegar a bola? Ele deveria pegar a minha”.

Em uma partida contra o Millwall, conhecido por seus torcedores intimidarem os adversários, mandou parar o ônibus que levava seus atletas, cerca de dois quilômetros e meio do estádio do clube, fazendo-os seguir o restante do caminho a pé.

Títulos. Derby County: Campeão Inglês da Segunda Divisão (1968/69); Campeão Inglês (1971/72); Nottingham Forest: Campeão Inglês (1977/78); Copa da Liga Inglesa (1977/78, 1978/79, 1988/89 e 1989/90); Supercopa da Inglaterra (1978); Copa dos Campeões da Europa (1978/79 e 1979/80); Supercopa Europeia (1979); Full Members Cup (1989 e 1992).


Individuais. Artilheiro do Campeonato Inglês da Segunda Divisão (1958/59, com 42 gols e 1959/60, com 39 gols); Técnico do ano pela LMA (1977-1978);Eleito um dos 1000 maiores esportistas do século XX pelo jornal The Sunday Times e Eleito para o Hall da Fama do Futebol Inglês (2002) (Pesquisa: Nilo Dias)


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