quarta-feira, 24 de agosto de 2016

“Silva Cão”, o endiabrado

Averaldo Dantas da Silva, conhecido como Silva "Cão", nasceu em 9 de maio de 1948, no bairro do Mutange, em Maceió. O apelido ganhou quando ainda era criança e jogava futebol na rua. E o acompanha até hoje. Silva cresceu sendo chamado de “Cão” por causa de seu estilo de jogo incisivo. Chegou até a ser comparado ao “diabo” porque costumava infernizar os adversários.

O futebol de Alagoas pode até não ser dos mais adiantados do país, o que não impede que muitas vezes surjam jogadores de alta condição técnica e que acabam se transferindo para centros maiores. Foi o caso dele, considerado até hoje um dos maiores ponteiros esquerdos do futebol alagoano.

Aos 16 anos, foi campeão jogando no Bebedourense, time amador de Maceió, quando ainda era um pré-juvenil. Após sair do Bebedourense, foi levado ao CSA, mas não foi aproveitado porque o então técnico Hélio Miranda o achava magrinho e só servia para cruzar a bola.

Rejeitado no time azulino, o então dirigente Binel o viu jogar e o levou ao CRB. Lá ele ficou e o CRB adquiriu o seu atestado liberatório dando em troca uma série de meiões ao Bebedourense. Naquela época, 1965, ainda era um juvenil.

Hábil e driblador, "Silva Cão", aos 18 anos já era titular do CRB. Seu estilo de jogo era mesmo esfuziante. Oportunista e manhoso, o craque superava seus adversários com muita categoria. Seus dribles sensacionais deixavam, quase sempre, em polvorosa as defesas adversárias.

Em 1965, jogando pelo CRB surgiu como a grande revelação do campeonato. Seu primeiro treinador foi Claudinho que confiou no futebol e o lançou no time principal. Aos 18 anos já era um craque cobiçado pelo Sport, de Recife, mas o CRB não o deixou se transferir para o futebol pernambucano.

Na sua estreia no profissional do CRB, em 1966, Silva jogou contra o time do extinto Estivadores e marcou o gol da vitória do Galo por 1 X 0 no campo da Pajuçara, o velho “Estádio Severiano Gomes Filho”.

Mas o bom foi a partida seguinte, uma quarta-feira à noite, também no campo da Pajuçara, que, na época, tinha iluminação. O CRB ganhou por 3 X 1 do CSA e “Silva Cão” fez os três gols. Foi a consagração, mesmo no início da carreira. Daí em diante, deslanchou.

Nesse período foi campeão alagoano em 1969. Quando surgiu a oportunidade para ir jogar no Vasco da Gama, o clube da Pajuçara fechou o negócio e Silva teve bons momentos em São Januário.

Retornou ao CRB em 1972, e se transformou mais uma vez no grande destaque da equipe. Ganhou os títulos de campeão nos anos de 1972/73 e o tetra campeonato 1976/77/78/79.

Silva se destacava nas cobranças de pênaltis. Uma pequena corrida, a bola colocada num canto e o goleiro no outro. Essa era a fotografia da cobrança de um pênalti por Silva.

Foi o jogador a disputar mais jogos na história do clássico entre CRB e CSA, com 95 participações. Silva tem um recorde nacional de gols em clássicos regionais. Marcou, nada menos, que 65 gols no clássico alagoano, superando até mesmo a marca de Pelé contra o Corinthians que é de 50 gols.

Foi artilheiro dos Campeonatos Alagoanos de 1968 (11 gols), 1972 (21 gols) e 1977 (16 gols). Foi sete vezes campeão alagoano pelo CRB (1969/72/73/76/77/78/79). E  três vezes artilheiro do Campeonato Alagoano (1968/72/77)

Diferentemente de outros personagens, "Silva Cão" garante que nunca sofreu discriminação dentro do futebol por causa do preconceito de cor nos seus quase 20 anos como jogador. E rodou o Brasil jogando por times intermediários e grandes, como o Vasco da Gama, em 1967, Vitória (BA), e o Sport, do Recife, nos anos 70.

Ele sabia que companheiros seus sofreram discriminação por causa da pele, principalmente no Náutico, do Recife. Dizia que por lá, houve uma época que a coisa era pesada. Quando chegou ao CRB, jogadores que foram ídolos no final dos anos 50 e nos anos 60, como o atacante Xavier, não podiam frequentar as festas do clube, por pura discriminação.

Ele, no entanto, salienta que a única coisa que poderia soar como uma suposta discriminação era o fato de a torcida do CSA, sua maior vítima, o apelidar de “Wanderleia”, em alusão à cantora e musa da Jovem Guarda. 

Houve um tempo que quando ele partia para cima do marcador, se fosse do CSA, a torcida o chamava de "Wanderleia, porque antes de dar o bote e o drible, rebolava muito na frente do cara.

Daí a razão do apelido. Ele revela que Ciro foi quem o marcou melhor ao longo da sua bem-sucedida carreira.

Ao lado de “Silva Cão”, tinha o Geraldo Alves dos Santos, o Geraldo "Cassetete", jogador do rival CSA. Hoje amigos, ponta-esquerda e lateral-direito travaram embates memoráveis no gramado do “Trapichão”. 

“Silva Cão”, endiabrado, infernizava a zaga azulina, enquanto “Cassetete”, viril, parava as jogadas do “Galo”, muitas vezes com faltas, chegando a quebrar um braço do colega de profissão em disputa de uma bola.

Geraldo conta que ganhou o apelido de “Cassetete” quando já havia se profissionalizado. Por causa de suas entradas mais ríspidas, o narrador Arivaldo Maia, da Rádio Gazeta, foi o idealizador da alcunha que o consagrou como carrasco dos pontas do futebol alagoano. 

Ele tinha o costume de adjetivar os jogadores da época. Graças a ele, ficou reconhecido como “Geraldo Cassetete”. Na rua, as pessoas só o conhecem pelo apelido.

O radialista lembra também do “Jorge da Sorte”, que jogou no CRB e no Ferroviário. Ele costumava ficar no banco de reservas, mas, quando entrava em campo, sempre marcava o gol da vitória do seu time. Ele era um talismã e realmente dava sorte às equipes que defendia. Além dele, teve também o “Capeta”, entre tantos outros ícones do nosso futebol, dizia.

“Silva Cao” conta que a própria torcida do CRB cobrava que ele driblasse Geraldo, mesmo que este o quebrasse ao meio. Já o lateral dizia que era cobrado pelos seus torcedores para que tirasse o atacante de campo, pois, ele sempre se dava bem contra o CSA nos clássicos. A missão de Geraldo era não deixar ele jogar, e não importava como.

O curioso é que, após a aposentadoria, a dupla, agora, dedica-se aos números. E se engana quem pensa que a contabilidade diz respeito ao futebol. É que ambos passaram a trabalhar com finanças. Silva, já com 68 anos, atua como contador da Secretaria de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social (Seades), enquanto Geraldo, que tem 59, é servidor do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas (TCE).

Hoje, Silva e Geraldo vivem a harmonia de uma amizade que, no passado, esteve longe de existir, com direito à provocação antes, durante e após o jogo. “Silva Cão” era um ponta habilidoso, vindo a se tornar o maior artilheiro do clássico das multidões. Já o segundo, um implacável lateral-direito, cuja vontade com a qual entrava em campo deixou marcas em ambos.

Silva, que é também comentarista esportivo, afirma que Geraldo foi o seu maior algoz. O artilheiro diz que ainda carrega consigo as lembranças da rivalidade, um braço quebrado numa jogada pela linha de fundo em que ele chegou forte e o derrubou com um carrinho. Na queda, sofreu a fratura e ficou ausente do time por vários dias.

O ex-ponta do CRB conta que nunca alimentou nenhum rancor e que sabia que aquele era o estilo de jogo do amigo Geraldo, apesar de, à época, o pai de “Silva Cão” ter desejado vingar o filho quando “Cassetete” foi visitá-lo no hospital. Seu pai foi quem ficou furioso com ele e quase o expulsou do quarto.

Apesar da fama de jogador violento, Geraldo garante que apenas seguia as orientações de seus treinadores. Destacou que seu estilo de jogo tinha a força como principal característica, assegurando, no entanto, que nunca agiu de forma desleal. Para ele, Silva foi o adversário mais difícil de marcar, preparando-se de maneira diferenciada para enfrentá-lo.

Explica que não era violento, sempre foi um jogador de marcação firme. Não deixava ninguém passar. Sempre visava à bola quando estava dentro de campo. Confessa, porém, que a sua preparação era outra quando não tinha o Silva pela frente, pois, sabia que, se vacilasse, tomaria muitos dribles.

Contratado pelo CSA em 1981, “Silva Cão” finalmente se viu livre dos pontapés dados pelo algoz Geraldo. E como ambos passaram a ser companheiros de time, a amizade, que dura até hoje, logo se fortaleceu.

Residindo em bairros próximos, “Cão” passou a dar carona para “Cassetete” em idas e vindas para os treinamentos no “CT Gustavo Paiva”, no “Mutange”. (Pesquisa: Nilo Dias)


"Silva Cão" e "Geraldo Cassetete", hoje são amigos. (Foto: Fillipe Lima)

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