terça-feira, 22 de novembro de 2016

O craque que virou mendigo


É difícil de entender como uma pessoa que conheceu a fama e ganhou muito dinheiro pode ter chegado a uma situação próxima ao fundo do poço. Perivaldo Lúcio Dantas, o “Peri da Pituba”, conhecido jogador de futebol que brilhou nos times do Bahia, Botafogo, São Paulo, Palmeiras, Ferroviário, do Ceará, Bangu e até Seleção Brasileira pode dizer como isso pode acontecer.

Depois de muitas lesões, Perivaldo desapareceu das notícias. Somente 30 anos depois é que o programa “Fantástico”, da Rede Globo o encontrou, em 18 de novembro de 2013, caminhando pelas ruas de Lisboa, com roupas andrajosas e catando coisas em latas de lixo.

Depois que parou de jogar futebol no Brasil, no Bangu, em meados dos anos 80, pouco se sabe da vida do ex-jogador. Ele diz que foi para a Coreia, na Ásia, e depois para Portugal. O “Fantástico” procurou a Federação Portuguesa de Futebol e a informação oficial é de que não há registro de nenhum jogador brasileiro chamado Perivaldo Lúcio Dantas.

Na "Feira da Ladra", em Lisboa, era fácil achar Perivaldo vendendo suas mercadorias. Quando jogador tinha fama de carismático, ele continuava extrovertido. “Sete e sete são quatorze, três vezes sete é 21. Tenho sete amores no mundo, mas não caso com nenhum. Paranauê, paranauê, Paraná”, brincava ele.

Ou então: “Vamos embora, compadre. Aqui, o que é bom aqui. Se quiser coisa boa, está aqui na banca do Peri da Pituba”. Ele ganhava algum dinheirinho vendendo peças de roupa. Mas a dificuldade para vender alguma coisa era grande. Dizia que o comércio não estava bom na Feira.

Os produtos que vendia eram provenientes de lojas de saldo, comprados baratos. Dava para comprar e até ganhar um bom dinheiro. Mas nada que pudesse garantir uma vida digna. Por isso, era junto a um muro, com uns papelões no chão, que dormiu por muitos anos.

Marcelo Sampaio Dantas, um de seus filhos, disse ao jornal “A Tarde”, de Salvador, ter chorado ao ver as condições de Perivaldo, na época com 60 anos.

"Peri da Pituba", nascido em berço humilde, viu-se de repente na condição de homem abastado. Deslumbrou-se. E um dia, não resistiu ao apelo que lhe vinha do Oriente, de jogar a bola a troco de nove mil dólares por mês, e partiu para a Ásia.

Lá na Coréia ele ganhou muito dinheiro. Só as luvas chegaram a 100 mil dólares por dois anos. Mas ele não cumpriu o contrato. Só ficou por lá 8 meses ou 9 meses. Deu vontade de ir embora, largou tudo. Foi assim a sua atrapalhação. Ele prejudicou só a si mesmo.

Um dia, depois de uma vida errante, chegou a Lisboa, já na fase descendente da sua carreira, mas ainda com um bolso cheio de notas. Ficou hospedado em um hotel de luxo, na capital lusitana.

Primeiro, da vida simples ao luxo, como jogador. Depois, ao lixo, como mendigo. Notas que foram desaparecendo, uma vez que não arranjou trabalho naquilo que melhor sabia fazer – jogar à bola.

Na noite da capital, arranjou amigos. Bons e maus. Os maus lhe foram sugando o dinheiro que lhe pediam emprestado e nunca mais devolveram.

Outros, que pura e simplesmente o roubaram. Acabou na miséria e assim se manteve, vagueando pela cidade que lhe deu guarida, durante 24 longos anos. De bom, o nunca se ter enredado nos caminhos tortuosos da droga e nem sequer fuma ou fumou um simples cigarro.  

Perivaldo tem noção de que não soube orientar a vida. Diz: “andei montado num cavalo, agora ando montado num burro e o burro sou eu”.

Faz uma sentida referência à mãe e dos avisos que ela sempre lhe fez e a que ele não deu a devida importância. E assume, com uma modéstia exemplar e por inteiro, toda a responsabilidade pela sua triste e desgarrada vida.

Mas não explicou ao certo como foi parar em Portugal e chegou à situação de penúria financeira. Disse que foi mal aconselhado e que perdeu dinheiro por falta de juízo e empréstimos a amigos.

Em seus tempos mais confortáveis tinha artigos de luxo. Até um relógio “Rolex”, que deveria valer hoje uns 70 mil euros. Em joia, ele teve mais de 200 mil euros. Quando o dinheiro foi acabando ele vendeu tudo.

Até uma casa, uma casa que ele tinha no Brasil e que vendeu por pouco mais que nada. Deveria valer cerca de dinheiro português uns 300, 400 mil euros.

“Peri da Pituba” não culpa a ninguém pela situação de dificuldades que vivenciou. Só a ele mesmo. Assume os erros, como os problemas com bebidas, e só lamentou as amizades não confiáveis no período.

Mesmo evitando tocar no assunto, comentou os dias sofridos em Portugal. “Vou falar do fundo do meu coração: eu tive uma vida muito bacana em Portugal. Não tenho que culpar ninguém, apenas a mim. Bebi, gastei muito. Mas não posso reclamar. Sei que tudo que aconteceu foi culpa minha. Eu tive muito dinheiro, fui milionário, mas me prejudiquei. Bebia direto, dormia na rua por conta disso”.

Além disso, Perivaldo foi traído por muita gente. “O futebol tem disso. As pessoas se aproximam, usam seu dinheiro e somem. Tomei muita volta. Por isso que não ligo mais para dinheiro hoje. Só quero estar bem acompanhado e feliz na minha volta ao Brasil", encerrou.

O presidente do sindicato dos Atletas de Futebol do Rio de Janeiro (Saferj), Alfredo Sampaio, viu a reportagem, sensibilizou-se e ajudou a buscar o jogador e prometeu ajuda para integrá-lo socialmente no Brasil e reencontrar sua família.

Deu a ele um emprego no Sindicato, de auxiliar técnico de um projeto que mantém em treinamento jogadores sem clube em uma instalação chamada “Casa do Atleta”. E ainda colabora no setor administrativo. Um cenário que nem de longe lembra os sofridos dias passados em Lisboa.

“Peri” voltou a ter nome, sobrenome e dignidade. Além do emprego tem uma casa para morar na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, cujo aluguel é pago pelo Sindicato. E casou com uma namorada de longa data. Além de Perivaldo o Sindicato tem outros 12 atletas em situação semelhante, trabalhando lá, remunerados e com carteira assinada.

Bem humorado disse que não tem mais problemas na vida. Ou quase nenhum. Seu grande desafio agora é na área da tecnologia, onde trava uma "guerra" com o computador sobre a mesa em seu mais novo local de trabalho.

E após muito tempo sem rumo na Europa, Perivaldo nem pensa em mudar sua trajetória e função no Brasil. Ele só espera ser forte o suficiente para não "vacilar" mais uma vez e desperdiçar a oportunidade.

Confessa que gosta do ambiente, das pessoas, da maneira como é tratado. São todos amigos de verdade. Só pede a Deus que lhe dê força e coragem para seguir adiante. Até lhe ofereceram outras coisas, mas não quer sair do Sindicato.

Garante que dinheiro não lhe atrai mais, já teve muito. Ele só quer esse ambiente. E acha que não encontrará outro lugar para ser bem tratado como esse. Fala que ali está o seu futuro.

Reconhece que se não fosse o Alfredo Sampaio, não saberia dizer onde estaria e como seria seu regresso ao Brasil, acrescentando que nem poderia ter certeza da volta. E de repente virou ídolo novamente, pois depois da reportagem no “Fantástico” e de ter voltado para casa, é reconhecido nas ruas.

Conta que as pessoas o ajudam muito. Encontra até torcedores de Flamengo e Vasco na rua e recebe carinho. Eles vêm falar, o chamam de ”Peri da Pituba”, brincam que não gostavam dele na época que enfrentava seus clubes de preferência.

Perivaldo, que iniciou a carreira no Itabuna, da Bahia, tinha um estilo de jogo bastante ofensivo. Ficou conhecido pelos cruzamentos por trás do gol. Disputou vaga na Seleção Brasileira com outros dois laterais do Rio: Leandro, do Flamengo, o preferido da chamada Flapress, e Edvaldo do Fluminense.

“Peri” acabou barrando o segundo. Foi artilheiro do Botafogo em uma temporada e virou cobrador oficial de pênaltis da equipe. A torcida entoava no Maracanã o seguinte grito de guerra: "Não tem Leandro, nem Edvaldo, o lateral da seleção e Perivaldo".

Jogando pela Seleção Brasileira salvou o Brasil de uma derrota no Pacaembu ao conseguir alcançar uma bola e tirar de cima da linha com uma bicicleta. Sua fama não fez justiça ao grande jogador que foi.

Perivaldo conta que quando chegou a Seleção Brasileira, Zico e Junior foram dois de seus maiores amigos, que lhe deram mais apoio. Garante que sempre foi um cara muito engraçado, que adorava pegar no pé dos companheiros. Estava sempre brincando.

O apelido de “Peri da Pituba” ganhou porque costumava dizer que era filho do bairro, famoso por ser morada de gente de classe alta, em Salvador.

Em Portugal sentia muita saudade da sua mulher, Virginia e dos 12 filhos e netos, que quando estava em casa sempre lhe cobravam: “Meu avô dali, meu avô daqui”.

Títulos conquistados: Bahia: Campeão Baiano (1975, 1976 e 1977); São Paulo: Campeão Paulista (1981), Bangu: Vice-campeão Brasileiro (1985) e Vice-campeão Carioca. (1985). (Pesquisa: Nilo Dias)


Peri, antes e depois.

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