É
difícil de entender como uma pessoa que conheceu a fama e ganhou muito dinheiro
pode ter chegado a uma situação próxima ao fundo do poço. Perivaldo Lúcio
Dantas, o “Peri da Pituba”, conhecido jogador de futebol que brilhou nos times
do Bahia, Botafogo, São Paulo, Palmeiras, Ferroviário, do Ceará, Bangu e até
Seleção Brasileira pode dizer como isso pode acontecer.
Depois
de muitas lesões, Perivaldo desapareceu das notícias. Somente 30 anos depois é
que o programa “Fantástico”, da Rede Globo o encontrou, em 18 de novembro de
2013, caminhando pelas ruas de Lisboa, com roupas andrajosas e catando coisas
em latas de lixo.
Depois
que parou de jogar futebol no Brasil, no Bangu, em meados dos anos 80, pouco se
sabe da vida do ex-jogador. Ele diz que foi para a Coreia, na Ásia, e depois
para Portugal. O “Fantástico” procurou a Federação Portuguesa de Futebol e a
informação oficial é de que não há registro de nenhum jogador brasileiro chamado
Perivaldo Lúcio Dantas.
Na "Feira da Ladra", em Lisboa, era fácil achar Perivaldo vendendo suas mercadorias.
Quando jogador tinha fama de carismático, ele continuava
extrovertido. “Sete e sete são quatorze, três vezes sete é 21. Tenho sete
amores no mundo, mas não caso com nenhum. Paranauê, paranauê, Paraná”, brincava
ele.
Ou
então: “Vamos embora, compadre. Aqui, o que é bom aqui. Se quiser coisa boa,
está aqui na banca do Peri da Pituba”. Ele ganhava algum dinheirinho vendendo
peças de roupa. Mas a dificuldade para vender alguma coisa era grande. Dizia
que o comércio não estava bom na Feira.
Os
produtos que vendia eram provenientes de lojas de saldo, comprados baratos.
Dava para comprar e até ganhar um bom dinheiro. Mas nada que pudesse garantir uma
vida digna. Por isso, era junto a um muro, com uns papelões no chão, que dormiu
por muitos anos.
Marcelo
Sampaio Dantas, um de seus filhos, disse ao jornal “A Tarde”, de Salvador, ter
chorado ao ver as condições de Perivaldo, na época com 60 anos.
"Peri
da Pituba", nascido em berço humilde, viu-se de repente na condição de homem
abastado. Deslumbrou-se. E um dia, não resistiu ao apelo que lhe vinha do
Oriente, de jogar a bola a troco de nove mil dólares por mês, e partiu para a
Ásia.
Lá
na Coréia ele ganhou muito dinheiro. Só as luvas chegaram a 100 mil dólares por
dois anos. Mas ele não cumpriu o contrato. Só ficou por lá 8 meses ou 9 meses. Deu
vontade de ir embora, largou tudo. Foi assim a sua atrapalhação. Ele prejudicou
só a si mesmo.
Um
dia, depois de uma vida errante, chegou a Lisboa, já na fase descendente da sua
carreira, mas ainda com um bolso cheio de notas. Ficou hospedado em um hotel de
luxo, na capital lusitana.
Primeiro,
da vida simples ao luxo, como jogador. Depois, ao lixo, como mendigo. Notas que
foram desaparecendo, uma vez que não arranjou trabalho naquilo que melhor sabia
fazer – jogar à bola.
Na
noite da capital, arranjou amigos. Bons e maus. Os maus lhe foram sugando o dinheiro
que lhe pediam emprestado e nunca mais devolveram.
Outros,
que pura e simplesmente o roubaram. Acabou na miséria e assim se manteve,
vagueando pela cidade que lhe deu guarida, durante 24 longos anos. De bom, o
nunca se ter enredado nos caminhos tortuosos da droga e nem sequer fuma ou
fumou um simples cigarro.
Perivaldo
tem noção de que não soube orientar a vida. Diz: “andei montado num cavalo,
agora ando montado num burro e o burro sou eu”.
Faz
uma sentida referência à mãe e dos avisos que ela sempre lhe fez e a que ele
não deu a devida importância. E assume, com uma modéstia exemplar e por
inteiro, toda a responsabilidade pela sua triste e desgarrada vida.
Mas
não explicou ao certo como foi parar em Portugal e chegou à situação de penúria
financeira. Disse que foi mal aconselhado e que perdeu dinheiro por falta de
juízo e empréstimos a amigos.
Em
seus tempos mais confortáveis tinha artigos de luxo. Até um relógio “Rolex”,
que deveria valer hoje uns 70 mil euros. Em joia, ele teve mais de 200 mil
euros. Quando o dinheiro foi acabando ele vendeu tudo.
Até
uma casa, uma casa que ele tinha no Brasil e que vendeu por pouco mais que
nada. Deveria valer cerca de dinheiro português uns 300, 400 mil euros.
“Peri
da Pituba” não culpa a ninguém pela situação de dificuldades que vivenciou. Só
a ele mesmo. Assume os erros, como os problemas com bebidas, e só lamentou as
amizades não confiáveis no período.
Mesmo
evitando tocar no assunto, comentou os dias sofridos em Portugal. “Vou falar do
fundo do meu coração: eu tive uma vida muito bacana em Portugal. Não tenho que
culpar ninguém, apenas a mim. Bebi, gastei muito. Mas não posso reclamar. Sei
que tudo que aconteceu foi culpa minha. Eu tive muito dinheiro, fui milionário,
mas me prejudiquei. Bebia direto, dormia na rua por conta disso”.
Além
disso, Perivaldo foi traído por muita gente. “O futebol tem disso. As pessoas
se aproximam, usam seu dinheiro e somem. Tomei muita volta. Por isso que não
ligo mais para dinheiro hoje. Só quero estar bem acompanhado e feliz na minha
volta ao Brasil", encerrou.
O
presidente do sindicato dos Atletas de Futebol do Rio de Janeiro (Saferj),
Alfredo Sampaio, viu a reportagem, sensibilizou-se e ajudou a buscar o jogador
e prometeu ajuda para integrá-lo socialmente no Brasil e reencontrar sua
família.
Deu
a ele um emprego no Sindicato, de auxiliar técnico de um projeto que mantém em
treinamento jogadores sem clube em uma instalação chamada “Casa do Atleta”. E
ainda colabora no setor administrativo. Um cenário que nem de longe lembra os
sofridos dias passados em Lisboa.
“Peri”
voltou a ter nome, sobrenome e dignidade. Além do emprego tem uma casa para
morar na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, cujo aluguel é pago pelo
Sindicato. E casou com uma namorada de longa data. Além de Perivaldo o
Sindicato tem outros 12 atletas em situação semelhante, trabalhando lá,
remunerados e com carteira assinada.
Bem
humorado disse que não tem mais problemas na vida. Ou quase nenhum. Seu grande
desafio agora é na área da tecnologia, onde trava uma "guerra" com o
computador sobre a mesa em seu mais novo local de trabalho.
E
após muito tempo sem rumo na Europa, Perivaldo nem pensa em mudar sua
trajetória e função no Brasil. Ele só espera ser forte o suficiente para não
"vacilar" mais uma vez e desperdiçar a oportunidade.
Confessa
que gosta do ambiente, das pessoas, da maneira como é tratado. São todos amigos
de verdade. Só pede a Deus que lhe dê força e coragem para seguir adiante. Até lhe
ofereceram outras coisas, mas não quer sair do Sindicato.
Garante
que dinheiro não lhe atrai mais, já teve muito. Ele só quer esse ambiente. E
acha que não encontrará outro lugar para ser bem tratado como esse. Fala que
ali está o seu futuro.
Reconhece
que se não fosse o Alfredo Sampaio, não saberia dizer onde estaria e como seria
seu regresso ao Brasil, acrescentando que nem poderia ter certeza da volta. E
de repente virou ídolo novamente, pois depois da reportagem no “Fantástico” e de
ter voltado para casa, é reconhecido nas ruas.
Conta
que as pessoas o ajudam muito. Encontra até torcedores de Flamengo e Vasco na
rua e recebe carinho. Eles vêm falar, o chamam de ”Peri da Pituba”, brincam que
não gostavam dele na época que enfrentava seus clubes de preferência.
Perivaldo,
que iniciou a carreira no Itabuna, da Bahia, tinha um estilo de jogo bastante
ofensivo. Ficou conhecido pelos cruzamentos por trás do gol. Disputou vaga na
Seleção Brasileira com outros dois laterais do Rio: Leandro, do Flamengo, o
preferido da chamada Flapress, e Edvaldo do Fluminense.
“Peri”
acabou barrando o segundo. Foi artilheiro do Botafogo em uma temporada e virou
cobrador oficial de pênaltis da equipe. A torcida entoava no Maracanã o
seguinte grito de guerra: "Não tem Leandro, nem Edvaldo, o lateral da
seleção e Perivaldo".
Jogando
pela Seleção Brasileira salvou o Brasil de uma derrota no Pacaembu ao conseguir
alcançar uma bola e tirar de cima da linha com uma bicicleta. Sua fama não fez
justiça ao grande jogador que foi.
Perivaldo
conta que quando chegou a Seleção Brasileira, Zico e Junior foram dois de seus
maiores amigos, que lhe deram mais apoio. Garante que sempre foi um cara muito
engraçado, que adorava pegar no pé dos companheiros. Estava sempre brincando.
O
apelido de “Peri da Pituba” ganhou porque costumava dizer que era filho do
bairro, famoso por ser morada de gente de classe alta, em Salvador.
Em
Portugal sentia muita saudade da sua mulher, Virginia e dos 12 filhos e netos,
que quando estava em casa sempre lhe cobravam: “Meu avô dali, meu avô daqui”.